WSU's: Zenith

Capítulo VII - Mise-en-scène


O caminho era curto. Nenhum dos dois queria o fim da viagem. Não precisavam ouvir discursos moralizadores, podiam ser quem eram, dois jovens que passam o dia falando asneiras, a evolução pessoal passa por esta fase.

Mia já vivera um teatro antes, a experiência foi horrenda. Então, é certo que ela não quisesse mais passar por nenhuma outra epopeia. Contraditório, pois era justamente uma epopeia romântica aquilo que estava fazendo.

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Queria falar sobre música, cinema, queria poder xingar meio mundo sem se preocupar em ser repreendida. Ela fechou o cerco para si, envolveu-se com o que não deveria. Pobre garota, tinha o emaculado poder do submundo correndo por seu corpo, mas ao mesmo tempo tinha a cabeça confusa de uma adolescente.

''O quê quero da vida?'' ''O quê fazer agora?''

Se Mia dissesse obter o controle sobre algo, estaria mentindo.

— Mirra, yah!? É aqui, Székesfehérvár! — disse ele acordando-a.

A menina de olhos roxeados olhou pela janela e se deparou com a cidade. O contraste desnorteava. Céus eternamente cinzas, cidades magníficas de vivas, qualquer foto tirada ali proporciona um quadro modernista.

— Esse país é lindo... — Mia sussurrou.

— Se juntassem todas as cidades húngaras, ainda não se comparariam à sua beleza. — Rotten Boy deu a cartada.

Mia virou o pescoço, puxou um sorriso, aproximou-se dele e retribui com um simples beijo no rosto seguido de um abraço.

— Se cuide, garoto podre. E pare de fumar, seu pulmão e o nariz das pessoas agradecem. —ela o soltou e saiu.

— Yah, Mirra! — exclamou ele sob o bater da porta — Denken Sie daran: Tudo o que temos de decidir é o que fazer com o tempo que nos é dado.

E ele foi desaparecendo, encoberto por uma enorme névoa. Mia acompanhou seu amigo momentâneo partir-se. Ao virar-se para o lado, lá estava ele, sentado numa pequena mureta.

— Pronto? — indagou Zagan para Mia — O quê fazemos agora?

— É você que detém as forças que nos ajudarão, não eu... — esquivou-se.

— Nós fizemos uma promessa.

— Fizemos...

— Mia — ele balançou a cabeça negativamente — O quê você quer da vida?

Ela se sentou ao lado de Zagan.

— Da vida quero apenas a morte.

— A morte? As árvores aqui atrás podem ajudar. E se quiser podemos modelar uma corda agora mesmo... — provocou.

— Não, depois... Eu tenho tudo sob controle... Vamos explorar antes. — ela se levantou.

Zagan, agressivamente, agarrou o braço de.

— Explorar um lugar que nunca esteve? 'Risco'? 'Perigo'? Sabe o quê significam? — pela primeira vez, a voz de dele não manifestou-se inocente.

— Eu tenho o tempo que quiser! — mas ela confrontava.

— Mais do que isso, sabe o que 'Responsabilidade' significa? Ou melhor, sabe o que 'Promessa' significa?

— O que quer que signifiquem, não te dá poder sobre mim!

— Não? — a voz voltou ao normal —Vem, sente-se aqui. — puxou-a suavemente.

Antes, ele analisou o redor. Viu que aquela região de Székesfehérvár estava vazia, e então decidiu que era hora de Mia ter o primeiro contato com seus dotes.

— Pegue a foto... — disse Zagan.

Ela começou a revirar os bolsos desesperadamente. Não achara.

— Eu perdi, Zagan! Meu Deus, eu perdi a foto! — falou alarmantemente enquanto olhava o por dentro da blusa. Ao voltar as vistas para Zagan, lá estava ele com o papel estendido em direção à ela.

— De nada. — e provocou.

— E agora? — perguntou Mia introvertida.

— Coloque os dedos indicador e médio no rosto dele.

— Está bem... — ela fez.

— Feche os olhos.

— Certo... — ela os fechou. Para a estética era ruim que olhos tão belos não ficassem à mostra.

Zagan desapareceu e Mia ficou ali confabulando com os dedos sobrepostos à imagem.

Da boca dela começaram a pronunciar-se palavras não-comuns. A tal foto, então, começou a queimar onde Mia segurava.

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— Mortem. Zero. Homem. — começou a propagar mais intensamente — War. Mortem. Homem. Semita. Nayti. Homem...

***

Mia foi para onde a luz não nascia e as cores não existiam. Quando abriu os olhos, deparou-se com a escuridão fleumática. Ela não se desespera. Caminha com cuidado, é claro, colocando as mãos à frente na intenção de sentir o que não era visto.

— Granada! — grita o vulto que passa correndo ao fundo.

O eco persiste. Ela segue a sonoridade, que perde o austero conforme os segundos se passam. Ali não existe engenharia, pois não se constrói à partir de um desconstrução.

Nem mesmo as trincheiras cobertas por corpos, sangue e estilhaços assustam Mia. Ela dá um passo à direita, observa a morte, sua face demonstra uma leve epifania diagramada de acordo as circunstâncias que imaginava terem colocado aqueles homens.

''Quantos amores não acabaram?''

''Quantos sonhos resumidos à estatísticas e dados históricos...''

Tudo partia do subconsciente. Quanto mais andava, mais descobria. Naquele lugar definitivamente não havia luz, não a que conhecemos. A luz era as pessoas.

Mia ouviu gritos, não o seguiu pois era impossível, era infinito, eram gritos que pediam por uma ajuda que não viria.

Raiva, ira, ódio, sinônimos encarnados pela criatura que se formava. Rasgava-se o uniforme e a pele, brotava o medo.

— Meu Deus, por favor não! Não por favor! Tenha piedade de mim! — berra o homem enquanto seu humanismo e sanidade se esvaem.

Tarde demais. Dois metros e quarenta de pura dor se debatem como um peixe fora d'água.

Ela não é amedrontável, não neste estado. Ficou observando indiferentemente a fera de autoflagelando. Deixou que os golpes fatais do tempo cansassem-no.

Soca o chão e o peito. Esfacela as raízes humanas. Perun, o principal dos deuses eslavos, não transmitiria tanta violência e pânico.

Tudo caíra. E ele caiu, diante de Mia. De pouco a pouco perdera as características animalescas. Ela se abaixou diante do corpo, passou a mão por tudo que tinha direito.

Esfregou as palmas por trás do pescoço do soldado, e encontrou uma corrente de metal com os dizeres: V. Mereszész - Katona - 033

— Quem será você... — disse Mia.

***

Ela acordou ofegante, de uma vez. Deitada em uma velha cama num decadente quarto de hotel. Zagan estava ao seu lado, sentado em uma cadeira de madeira. Pasmem: Tal cadeira não fazia barulho algum.

— Demorou sete horas, Mia. — ele informou.

— Como assim 'sete'?! — ela ofegou-se mais ainda surpreendida.

— Foi às onze, voltou às dezoito.

— Eu não fiquei dez minutos lá dentro, Zagan!

— Não mesmo, ficou quatrocentos e vinte.

— Mas por quê?! — questionou indignada

— Dimensões diferentes, proporções diferentes... O quê descobriu?

— Tinham uns homens em guerra, tudo era escuro... Havia um lobisomem, Zagan! — exclamou.

— Isso é útil...

— Sim, eu vi um lobisomem com meus próprios olhos... Ele gritava, combatia-se, não sei explicar! — disse trêmula — Ele caiu, ele caiu na minha frente! Eu vi um colar! Um colar de identificação que só dizia o segundo nome!

— Isso é importante...

— Eu me lembro bem! Pode nos ajudar, podemos procurar por ele, devem existir registros aqui... Zagan, se aquele homem foi tudo o que vi, há uma história à ser descoberta! — interessou-se.

— Você está livre para tomar a decisão que quiser à partir de agora, Mia.

— Se tudo aquilo for verdade, deve ser conhecido nesse lugar, pode ser uma lenda urbana, mas alguém sabe alguma coisa.

— Você acha mesmo?— ele pouco se importava com a fascinação dela.

— Sim! Um centro de cultura ou uma biblioteca, ele era do exército, parece ter lutado na segunda guerra, museus possuem dados históricos sobre estes assuntos, podemos procurar! — Mia gesticulava energicamente com as mãos.

— O quê vai fazer?

— Vou procurá-lo! O quê mais poderia fazer?!

— Eu não sei, você decide, lembra?

— amos fazer isso, eu tenho pelo que perguntar e vou ter sua ajuda, não é?

— É a terceira vez que falo: Tudo pertence à você. — disse sério.

— Até quando? — questionou.

— Não confia em mim?

— Confio... — respondeu Mia inspirando fundo — Mas poderei confiar em você até que ponto?

— Se a resposta é 'sim', tudo será seu, todo poder será seu, tudo à medida em que eu julgar necessário. — ele estralou os dedos — Há a possibilidade de que Zagan não deva confiar em Mia?

— Eu te ofereço algum mal?

— Você pertence a uma raça que se auto-extermina. Se são capazes de matarem os próprios semelhantes, o quê não fariam à aqueles que não são iguais?

— E você pensa que todos são desse jeito, é isso? — ela sentiu uma rápida e extrema preocupação.

— Sempre que querem se eximir da culpa acabam usando a desculpa da generalização, esse é o maior argumento que os mortais tem?

— É certo igualar todo um conjunto de indivíduos às ações de alguns grupos ao longo da história?

— "Alguns grupos"? "Alguns", Mia? Os nazistas, os fascistas, os proclamadores da inquisição, a Al-Qaeda, o ISIS... "Alguns"? Faz ideia de quantas vidas se foram por "alguns"?

— Por que um demônio existente a mais de mil anos se importa com o que se faz ou se deixa de fazer na Terra?

— Porque dependemos do que vocês fazem aqui... — Zagan surpreendeu Mia com a revelação —Por isso vigiamos os humanos todas noites, quando fecham os seus olhos lá estamos nós, na escuridão, onde o Messias nos deixou... Nós não temos nada, nossa única esperança são vocês, os pecadores. Pecado é nosso alimento, e quanto mais se manterem, por mais tempo existiremos.

— Entidades que vão além das compreensões humanas mas que são dependentes da razão humana... Hipócrita esse paradoxo, não acha?

— Não há nenhuma dificuldade em nos compreender, Mia. Um aglomerado de espíritos servis... Sim, não vou mentir pra você, alguns de nós conseguem ser muito mais que isso.

— Eu não tenho tempo e nem paciência pra saber o que vocês demônios são... Nós temos um ao outro e confiamos um no outro, então, se nosso vínculo for verdadeiro, — ela estendeu a mão fechada para Zagan — juntos podemos — forçou o punho e podia se ver suas veias saltando — ser maiores que tudo. — abriu-se e na palma de sua mão estava um crucifixo destruído.

***

Viktor havia saído, fora resolver os termos burocráticos antes de ir visitar Deszo. Nina não se desfez da rotina, escalou a mesma montanha com seu filho. Não era um lugar adepto de constantes visitas, era vazio de emoções falsas. Os galhos que sempre balançavam, o verde que cegava, a altura vertiginosa. São detalhes que irritariam o mais dos ignorantes. Acalmariam o mais dos ameaçadores. Ensinariam ao mais dos sábios.

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— Seu pai sempre foi muito bem educado... — disse Nina para seu filho enquanto amamentava-o ao ar livre - Ele teve a sorte que muitos não podem ter, você também terá essa sorte... A diferença é que ele nunca quis ser mais que um ótimo marido e pai, mas você, meu filho... Será isso e mais um monte, te mandaremos para o Exército, vai aprender muito lá... Vai descobrir que o mundo funcionaria melhor se fosse governado pelas forças armadas. Seu pai sempre sempre valorizou a pátria, espero que ti herdes isso dele, Lýkos. Vai aprender a nunca chegar perto de uma francesa, não por causa do cheiro, mas porquê nenhuma francesa é fiel ao marido. Vai aprender muito, pois não quero que seja igual à mim e a ele, rico e desocupado? É desperdício, tem que aumentar o império cada vez mais, mesmo sendo uma fortuna de 35 bilhões de euros... Dinheiro cria o futuro, meu amor, dita o presente e destrói o futuro, cabe à você escolher.

A única classe que entrega amor verdadeiro é a materna. Ninguém como ninguém é capaz de propagá-lo como uma mãe. O motivo não é muito claro, é fenômeno da natureza que se tornou definitivo. Um pai pode odiar o filho, o pai de Nina a odiava, a mãe não. É uma definição que incomoda, mas não são cem por cento dos pais que amam seus filhos. Quanto as mães sim, todas amam seus filhos.

— Tem que ir além do impossível, meu filho — ensinou —, limites estão na sua mente. Limite é o que você dá a si mesmo. Viktor limitou-se ao marasmo... Não siga seu pai nesse quesito, é o que mais me dá vergonha nele, ser alguém que só faz peso na Terra. Não, a tarefa de cada um aqui, meu filho, é ser a diferença num emaranhado de semelhanças.

***

O fogo aos braços.

Outra com a mentira em mãos.

Ele sabe de tudo.

Ilusão da cabeça aos pés.