— Alguém vai ver. — Jonas riu quando encostou seu nariz ao pescoço dele.

— Seus amigos já estão chapados demais para entender o que está rolando — retrucou, deitando os lábios sobre a pele negra.

— Sério. — Jonas o fez erguer o queixo para um beijo e o afastou pelos ombros. — Teremos tempo amanhã.

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Paulo o encarou frustrado. Enfrentara um longo dia no quartel e esperava ter algum alívio depois do serviço. No entanto, Jonas o enrolara numa reunião com os amigos comunistas para organizar mais um protesto ao governo do Presidente Médici dali a dois dias. Mesmo com os olhares tortos do pessoal do movimento estudantil, seu namorado insistia em arrastá-lo para as assembleias.

Paulo temia que alguém do quartel descobrisse e seus superiores o rechaçassem, e havia o problema óbvio de serem dois homens trocando carícias. Namorar Jonas era como brincar com fogo, e ele não via como aquilo poderia acabar bem.

— Você disse isso ontem — suspirou, passando a mão pelos cabelos castanhos. De repente, sentia-se farto daquela situação.

Jonas ajeitou-se contra a parede pintada com a bandeira do comunismo. Calmamente, buscou um cigarro e o isqueiro no bolso do jeans.

— Sabe que isso é importante para mim. Concordamos em respeitar o espaço um do outro.

— Você tenta me doutrinar no comunismo há meses. Se essa é a sua ideia de respeitar o espaço alheio, não bate nem um pouco com a minha. — Paulo franziu o cenho, perguntando-se se estava sendo muito grosseiro. — É melhor eu ir. Já passou do toque de recolher, não quero ser parado pela ronda. A gente se vê amanhã.

Ele girou nos calcanhares, porém Jonas o segurou pelo braço e o puxou de volta. Os lábios dele amassaram os seus num beijo afoito com gosto de nicotina. Seu corpo correspondeu de prontidão, condicionado ao toque que vinha tirando seu sono. A mente se anuviou por alguns segundos, enquanto uma quentura familiar se apossava do coração amortecido.

— Promete?

Paulo ponderou sobre se afastar e dizer não. Saboreou a cena internamente, sentindo-se senhor de si mesmo por um instante. Mas o amor o deixava vulnerável e era difícil resistir com convicção quando se tratava de Jonas.

— Vamos ver — desconversou, tentando manter o orgulho.

Com uma calma meticulosa, ele segurou o rosto do namorado entre as mãos e depositou um beijo demorado em sua testa. Afagou o lóbulo de suas orelhas com os polegares, sentindo-o se contorcer para abraçá-lo. O mundo pareceu girar mais devagar, como se a valsa preferida de Jonas tocasse ao fundo.

Paulo agarrou-se a esse pequeno momento para suportar a faculdade e o quartel no dia seguinte. Porém, sua esperança de passar a noite com o namorado caiu por terra minutos antes de largar a farda.

— Camargo. — O tenente irrompeu no vestiário. — Está escalado para dobrar a guarda até amanhã. Vamos precisar de força extra.

Ele engoliu em seco. Não podia contestar a ordem, ou seria castigado. A única solução era acatá-la em silêncio.

Deram licença para que telefonasse aos pais, mas não havia jeito de comunicar Jonas. E o namorado não saiu de sua cabeça enquanto patrulhava o quartel naquela noite. Sua ausência provavelmente seria tomada por uma vingança infantil – e quem dera fosse.

Pela primeira vez, Paulo preferia a casa dos comunistas ao quartel.

Quando a madrugada chegou, um colega o rendeu no turno, mas ele não pôde pregar os olhos uma única vez em suas singelas horas de descanso. Uma sensação ruim escalava seu âmago com garras geladas. Ela o apavorou por muito tempo, mesmo depois do café e do treinamento matinal. Paulo tentou se convencer de que estava tudo bem, que era normal ter medo em tempos como aquele. No entanto, aquela sensação o engolfou quando os portões do quartel se abriram para um camburão.

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Uma hora depois, o tenente escolheu vinte homens para acompanhá-lo até as celas no porão do quartel. Paulo estremeceu quando foi chamado, mas assumiu seu lugar na fila com uma confiança superficial e desceu as escadas escuras até o subsolo.

— Dois em cada cela — ordenou o tenente assim que o destacamento alcançou o porão. — É um treinamento prático, ninguém sai daqui até terminar, entenderam?

Paulo encarou as paredes cinzentas e as vinte portas de ferro, inalando o cheiro de umidade e pólvora. Um berro estridente ecoou no corredor, seguido por um coro de gritos dolorosos. O soldado à frente dele tremeu quando um baque pesado, como se a cabeça de alguém tivesse sido atingida com um cassetete, chegou até eles.

— Estão esperando o que, soldados? Mandei irem para as celas! — O tenente vociferou, quase cuspindo.

O estômago de Paulo virou um bloco de gelo enquanto seus pés o levavam até a cela dezessete. Sua dupla bateu à porta e um cabo abriu a vigia para eles, exibindo um rosto respigado de sangue. Alguém gritou lá dentro e uma gargalhada maldosa correu até a vigia, temperada pelo som de taser seguido de outro grito.

Subitamente, Paulo entendeu o que acontecia. O protesto, o camburão, as celas, os gritos. Lembrou-se de um professor da faculdade dizendo que o sobrinho fora torturado pelo exército, das notícias de estudantes sendo presos. Seu coração se contorceu ansiosamente, mas não, não podia ser aquilo.

— É simples, rapazes. — A porta se abriu e outro cabo entregou uma pistola para cada um. — A gente bate até alguém soltar uma informação relevante, senão continua até apagar todo mundo. Pode descer a mão sem dó.

No fundo da sala, havia quatro pessoas vestindo camisetas vermelhas do movimento estudantil. Estavam sujas e machucadas, sustentando um olhar que era em parte raiva e em parte medo. Paulo sentiu que ia vomitar quando reconheceu o rosto espancado de Jonas entre elas.

— Vamos, soldado. Temos que fazer o interrogatório.

— E-Eu... — Paulo suava frio, compartilhando um olhar sofrido com o namorado. Enquanto apontava para Jonas, esperava que ele pudesse compreender que fazia aquilo por amor, quase sem pensar. — Fico no lugar dele.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.