O ethos da alma humana

Velas solitárias aquecendo solidões quaisquer


Minhas mãos famintas respiram teu corpo com lentidão; imprecisas e flutuantes. Não o temem; mas tocá-lo é conhecê-lo, é dar forma. E não penso eu sonho ter formato de corpo não. Acho que tem é de nuvem — é, o mais próximo seria formato de nuvem. Mas, afinal, nuvem tem formato, é? Acho que é nuvem que tem formato de sonho, o que, no fim das contas, resulta em formato nenhum. Logo, minhas mãos não delineiam teu corpo para não te dar formato nenhum. Para tu ser eterna. Para tu ser sonho.

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Mas eu ser homem é mais forte do que eu ser poeta — e eu, faminto, com mãos famintas, te toco. E tu não és mais flama que valsa com o pavio. Tu és incêndio. Furtou o domínio de mim, ateou fogo ao rastilho do meu coração e queima-o fumaçando desejos. Tuas intenções são as esquivas clarências que dançam nas paredes. Vermelhidão dourada e sub-reptícia, desfazendo-se numa explosão contida, numa implosão de calor cabresteado. Somos combatentes em guerra sem olhos. Nossa batalha cega despossui testemunhas. Gozamos da magia da luta invisível e da desgraça da vitória desapercebida.

E é por isso que já abdiquei da poesia e de mim. Afoguei-me por completo no relevo do teu corpo. Meus olhos transbordam desistências perante fúria tua. A loucura dos teus gritos atinge-me como ondas de furaciclones atonteados. Perdi para encontrar a poesia nalgum lugar no entre de tuas pernas, e ao encontrá-la, não mais a reconheço. Porque não somos mais os mesmos do começo de nossa jornada. Não somos mais as mesmas palavras. Somos afilhadas dum outro dicionário. Somos amorfas, cheias de sintaxes e semânticas selvagens. Somos palavras que viajam pelos céus. Somos palavras que, apesar de não ser, tem formato de sonho. Somos sonhos que, apesar de não ser, parecem nuvens. Somos amantes que, apesar de parecer, nunca realmente se amaram — portanto, jaz aqui o significado do último passo que se dá na valsa da flama com o pavio.

— Ah, menina, esquece vai. A vela apagou! Foi-se o fogo. Mas não te preocupas, seremos ainda eternos.

Autor: Mantoni Rúbia

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