Dunkirk

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Não houve gritos e cantorias e risadas quando os rochedos brancos de Dover apareceram à distância. Os jovens não tinham mais forças para comemorar, não quando a maioria deles estava machucada, sem um membro ou morta. Não quando ainda havia gente em Dunkirk.

As pessoas nas ruas, no entanto, estavam emocionadas. Cobriram-no com um cobertor limpo e cheiroso, lhe serviram chá e pão com geleia e sussurram-lhe ‘bom trabalho, garoto’. Frank queria apenas puxar o cobertor recém adquirido, se esconder debaixo deste e chorar de vergonha e medo.

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Mas não houve muito tempo para isso: logo estava em um hospital, com médicos e enfermeiras o enchendo de coisas para aliviar a dor e diminuir as crises de nervos. As horas e dias ficaram confusas e tudo o que Frank Bryce sabia era que havia finalmente se livrado do uniforme sujo e que sua perna agora doía menos. Ele reconhecia um rosto ou outro, da enfermeira que sempre vinha trocar-lhe o curativo e do médico que o avaliava todos os dias.

E, então, outro rosto apareceu. Familiar, apesar de levar um ou dois minutos antes de Frank o reconhecer. Olhos claros e cansados, olheiras e uma expressão um tanto melancólica. A razão de Tom Riddle ter saído de Little Hangleton para ir encontrá-lo em um hospital era um mistério, mas Bryce não podia negar que era um alívio ver alguém conhecido.

O homem não perguntou se estava tudo bem ou como ele estava. Apenas sorriu, um sorriso triste e cansado, algo que o fazia pensar que Riddle reconhecia em seu rosto algo que ele mesmo sentia.

Ele raramente falava e Frank era grato por isso. Também era grato pelo simples fato de encontrar o outro dormindo, meio torto, em uma cadeira no lado da sua cama quando acordava no meio da noite com os sons das bombas e tiros ecoando em seus ouvidos. A imagem de Tom Riddle ali o lembrava de East Yorkshire e dos campos e do céu estrelado. Às vezes, Tom não estava dormindo quando um pesadelo o acordava e Bryce podia jurar que não era o único ali atormentado por um sonho ou pensamento incômodo.

O ferimento na perna lhe rendeu uma dispensa honrosa, um título de Segundo Tenente e uma dor que o atormentava a cada passo. Eles voltaram para Little Hangleton, Riddle com a mesma expressão distante e melancólica no rosto e Frank, com rugas a mais de tanto manter os músculos do rosto tensos.

Por um mês, Frank Bryce foi um herói de guerra na pequena vila de East Yorkshire. Mas não demorou muito para os aldeões perceberem que ele não era o protótipo do soldado inglês dos pôsteres de convocação e motivação. Esses soldados eram altivos e confiantes, enquanto Frank era sério e carrancudo. O título de Segundo Tenente e a medalha de dispensa honrosa logo foram esquecidos e Bryce voltou a ser o rapaz com a pele um tom mais escuro que o aceitável e com os traços estrangeiros demais, o mestiço que mal merecia atenção. Juntando isso ao seu recém adquirido mal humor e paranoia, Frank Bryce virou o novo estranho da vila.

Foi quando ele entendeu a distância e o silêncio de Tom Riddle. Enquanto os soldados usavam capacetes de metal e barricadas para se protegerem, Riddle usava uma expressão perdida, às vezes séria, e a postura de alguém que estava mais absorto nos próprios pensamentos. Qualquer que fosse o trauma que o homem escondia em sua praia particular, ele aprendera a escondê-lo da melhor forma possível, sabendo que ninguém naquele fim de mundo de Yorkshire iria entender o quanto aquilo o machucava. Agora, Frank entendia que aquilo era exatamente o que ele deveria e iria fazer.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.