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A Sra. Riddle sempre dizia que o mar era ótimo para acalmar as pessoas. O mar, com o barulho incessante das ondas indo e vindo, rolando por sobre a areia e quebrando, às vezes suave e outras, com força. O filho dos Riddle, seu pai contava, de vez em quando sumia e, quando voltava, dizia ter ido até Hornsea para ver o mar. Aquilo o acalmava, ele dizia.

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Frank tentou imaginar Tom Riddle olhando para o mar cinzento da costa de East Yorkshire, aquecido em seu suéter e casaco de lã, com as meias e luvas quentes e secas . Enquanto isso, seu uniforme estava encharcado e sujo, seus dedos dos pés e das mãos estavam congelando e o cheiro de algas, maresia, sangue e pólvora se misturavam em seu nariz, parecendo dispostos a ficar impregnados ali pelo resto de sua vida.

E não era como se ele fosse ter um resto de vida muito longo, o jovem pensava, toda vez que erguia a cabeça e via outro soldado estirado em uma maca parecer mais pálido do que o normal, com os olhos vidrados no céu nublado. A qualquer minuto, seria ele. Talvez fosse pelo ferimento na perna que ardia o tempo todo ou, quem sabe, pelas bombas e tiros vindos dos aviões alemães que volte meia surgiam entre as nuvens e desciam sobre eles.

Ele tentava imaginar o som que o mais jovem dos Riddle estaria ouvindo em Hornsea. Ondas e vento e gaivotas. A tal melodia perfeita para acalmar qualquer ser humano. Ali, o mar não se cansava de estourar ondas na praia, levando e trazendo corpos, mas aquele som volte meia se perdia sob os comandos dos outros homens, as sirenes dos navios, os motores dos aviões e as explosões. Frank mal podia ouvir qualquer coisa. Naquela altura, seus ouvidos já zumbiam incessantemente. Explosões eram abafadas e o que mais se fazia presente eram as batidas de seu coração e os inúmeros pensamentos que martelavam em sua mente cada vez que ele via todos os soldados se jogando no chão enquanto um avião passava sobre eles.

Eles iriam morrer naquela praia como perdedores encurralados, covardes tentando fugir de volta para casa. Frank Bryce seria mais um corpo que a maré arrastaria para o esquecimento. Os peixes e crustáceos do Canal da Mancha fariam um banquete da sua carne e, quem sabe, alguém um dia encontrasse uma carcaça do que um dia fora um jovem de East Yorkshire.

Tentaram colocá-lo em um navio duas vezes. Nas duas, o barco zarpou antes que seus colegas conseguissem correr com a sua maca até o molhe. Na primeira, o contratorpedeiro conseguiu se afastar da praia. Na segunda, um torpedo afundou a corveta a poucos metros de distância do porto. Um caixão de aço no fundo do mar, foi nisso que o navio se transformou para as centenas de soldados, oficiais e enfermeiras que nele tentavam voltar para casa. Talvez, Frank pensou, fosse melhor morrer na praia, a céu aberto, ao invés de dentro de uma caixa de metal, sendo sufocado pela água enquanto outros colegas se debatiam ao seu lado.

O rapaz se perguntava se iria conseguir voltar a ver o mar do mesmo jeito, depois de ter marcada em sua memória a imagem de jovens britânicos e franceses jogados ao longo da praia, como as conchas que uma criança procura em um passeio de domingo. Se iria conseguir ouvir o barulho das ondas e não o associar às bombas. Sabia que barulhos altos já eram um problema: quando alguém deixava algo cair ou quando a sirene do navio soava, Frank sentia o próprio corpo entrar em um estado de alerta exagerado. Ele tentava imaginar se era assim que Tom Riddle se sentia quando tinha uma de suas crises nervosas, como os aldeões as chamavam.

Neurose de guerra, era o nome usado ali, ou, como os médicos do exército preferiam, síndrome pós-concussão. E Frank não pôde deixar de se questionar se, em algum lugar dentro da mente do filho dos Riddle, o homem também não estava preso em sua praia particular, com bombas e tiroteios ecoando por todos os lados. Bryce não sabia escolher o que era pior: a sua praia real e palpável ou a imaginária e visível apenas aos olhos de Tom.

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