Quando a primeira mancha apareceu, eu não quis acreditar. Ela era tão pequena, não deveria ter um significado tão grande.

Mas… e se eu estivesse certo? Não, eu não podia me preocupar com aquilo, já tinha uma coleção de problemas para resolver e não ia adicionar mais um à lista sem ter certeza. Além do mais, eu me sentia mais saudável do que nunca. Uma manchinha vermelha na sola de meu pé não iria me derrubar.

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No entanto, aquele rubro nunca desapareceu. Pelo contrário: mais surgiram e a original foi ficando cada vez maior, assim como o medo que eu carregava. Eu já havia visto dezenas de amigos meus lutarem essa mesma batalha e perderem tudo. Eu não queria acabar como eles, deitado numa cama de hospital, sentindo a morte se aproximando e não podendo fazer nada a respeito porque não se sabia nada sobre esse câncer.

Praga gay. Era assim que o chamavam. Nem eu nem o Ned éramos a favor dessa nomenclatura. Como repórter, aprendi a não considerar como verdade absoluta todos os boatos que escutava e era disso que se tratavam os comentários sobre a doença atingir somente os homossexuais, apenas rumores. Apesar de mais raro, era possível que heterossexuais fossem infectados. Esse foi o assunto de meu primeiro artigo no qual deixei explícito o tratamento à comunidade gay, então fiz questão de pesquisar sobre o assunto e me certificar de todos os fatos. Ned me instigou a isso e me ajudou bastante.

Ned… Eu ainda não havia contado para ele que estava doente e não tinha certeza se iria mesmo falar. Como se dá uma notícia dessas? Como eu poderia olhar em seus olhos e dizer que ia morrer? Isso não iria só destruí-lo, mas também a mim.

Tentei não pensar mais nisso até que, algum tempo depois, Ned tocou no assunto:

— Se eu tivesse a doença, você me abandonaria?

Nunca uma pergunta fizera meu coração bater tão rápido. Será que ele descobrira? Será que ele tinha sido infectado? Será que tinha sido ele a passá-la para mim? Me acalmei o suficiente para respondê-lo.

— Não tenho certeza. Você iria?

— Nunca. — ele respondeu sem hesitar.

Continuamos a conversa, mas eu já não conseguia me concentrar nas palavras. No ímpeto do momento, eu me levantei e corri até o meu quarto. Meu coração tinha acelerado ainda mais. Eu já não conseguia respirar direito. Minha visão começou a escurecer e senti uma repentina ânsia de vômito.

Tentei me acalmar

Inspira.

Expira.

Inspira.

Expira.

Inspira.

Ned entrou no quarto, perguntando assustado o que tinha acontecido. Naquele momento, não pensei muito sobre o que fazer, simplesmente tirei meu sapato e mostrei a mancha em meu pé.

— Surgiu há alguns dias e só tem crescido desde então. Eu não sei o que fazer.

Sua expressão de choque era clara. Eu podia ver que ele ainda estava tentando processar o que eu dissera. Seria aquele o momento em que ele repensava o assunto e me abandonava? Seria a hora dele se afastar e evitar meu toque para não ser o próximo alvo do vírus?

Na verdade, sua primeira reação foi virar contra a parede e a esmurrar enquanto soltava um grito de raiva e frustração. Socou a parede cada vez mais fraco até parar totalmente, fixando seus olhos no chão. Aos poucos, se virou em minha direção e olhou para mim com os olhos marejados. Pude perceber que estava decorando qualquer detalhe que encontrasse em meu corpo antes que fosse tarde demais. Quando chegou em meus olhos, constatei que eu estivera certo desde o início: Aquele olhar de saudades antes mesmo de minha partida foi capaz de me matar por dentro antes mesmo de sequer morrer.