Contos de Aurora

Conto Dois: O Monstro.


Agristan já estava longe deles quando o incidente com o monstro marinho aconteceu. Faziam semanas que Nanna estava no mar e ela já se acostumara com o constante cheiro de peixe e umidade dentro do navio, o balanço das ondas do mar e com a imensidão do oceano ao seu redor. Ela estava adorando.

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Alma Cassandra se tornou sua constante companheira, junto de dois outros rapazes: Hugo Raye, um lobisomem, e seu melhor amigo vampiro, Sébastien Étienne Gideon René Gilbert – ou simplesmente, Bastien. Eram uma dupla singular, duas espécies que teoricamente se odiavam, unidos desde a infância.

Bastien, apesar de ser um vampiro, não tinha mais do que dezesseis anos, e só se diferenciava do resto dos adolescentes devido às suas roupas excêntricas. Ele se cobria dos pés à cabeça com um casaco, luvas, botas, camisa de gola alta, pequenos óculos de sol redondos e um guarda-chuvas que carregava consigo o tempo todo.

Era um dia nublado e quente. Alguns pedaços de terra podiam ser vistos no horizonte. Os quatro jovens estavam sentados nos degraus do convés superior, próximos à popa do navio. Hugo e Bastien jogavam cartas enquanto Alma se ocupava de ler um jornal que comprara no último porto pelo qual passaram. Nanna, ao lado dela, desenhava em um pequeno caderno que conseguira com a Capitã Tilda.

— Está tão quieta, Alma – disse Hugo, olhando para a garota – Algo de interessante está acontecendo no mundo?

— Ela está sempre quieta – observou Nanna.

— Tem razão. Bastien, sua vez.

— Eu só estou fazendo as palavras-cruzadas – respondeu a garota em questão, virando rapidamente as páginas do jornal. Hugo deu de ombros, mas Nanna não estava certa de que Alma dizia a verdade – Ei, alguém sabe essa? Adjetivo, seis letras, sinônimo de tagarela, falante.

— Fácil, loquaz— Bastien respondeu, sem tirar os olhos do jogo – Hugo, você tem uma carta escondida na manga, eu sei que tem!

— Ei, que perseguição é essa, meu querido sanguessuga? Eu sou honesto! – ele ergueu as mãos, tentando comprovar sua inocência.

Nanna, que estava atrás do lobisomem, viu uma carta escorregar das costas de seu casaco, e deu risada. Pegou-a do chão e entregou para Sébastien. O vampiro revirou os olhos enquanto seu colega dava um sorriso amarelo.

— É por isso que não conseguimos terminar nenhum jogo, você é um enganador pulguento – ele pegou as cartas do jogo e as embaralhando novamente.

— Sabe como dizem, os fins justificam os meios.

— Não, não justificam – Bastien repreendeu. Seu guarda-chuva estava aberto no chão atrás de si para protege-lo, mesmo que o sol mal aparecesse no céu.

A conversa foi interrompida pela chega dos capitães Tilda e Narciso. A mulher vinha batucando em um pequeno tambor, para chamar a atenção. Todos os tripulantes – quarenta adolescentes recrutados, e mais vinte da tripulação anterior – se reuniram no convés inferior para ver o que estava acontecendo.

— Atenção, marujos! – gritou Narciso – Nós estamos oficialmente prontos para chegar no nosso primeiro destino de exploração, a Ilha de Tique, em cerca de três dias. Ela é habitada por fadas e elfos, então se preparem para se sentirem muito feios por comparação.

Alguns risos seguiram esse comentário, e também assobios vindos dos poucos elfos e fadas que estavam na tripulação.

— Nós ficaremos lá por cinco dias e faremos contato com seus habitantes de maneira pacífica. Se eles nos ameaçarem, ou qualquer um de vocês se sentir em perigo, imediatamente devem falar com um de nós – Tilda prosseguiu – Tique é um lugar quente e paradisíaco, um bom jeito de começar, não acham? Traremos mais informações conforme nos aproximamos. Dispensados, marujos!

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A tripulação voltou às suas ocupações diárias. Era fim de semana, então ninguém precisava limpar o convés ou ajudar a preparar a comida. Os jovens estavam espalhados pelo navio – nos quartos, no convés, na cozinha improvisada. Alguns até estavam jogando bola.

O vento começou a soprar um pouco mais forte, deslocando o guarda-chuva de Bastien para trás. O rapaz se levantou e foi buscá-lo, enquanto Hugo organizava as cartas no chão.

— Ei, o que está desenhando aí, miudinha? – Sébastien perguntou, já com o guarda-chuva, espiando o caderno de Nanna.

— Ah, nada... estou tentando desenhar o navio, da minha visão aqui – Nanna respondeu, sem graça – Eu não gosto de usar lápis, prefiro fazer com carvão, em um papel grande.

— Você desenha na sua casa? – perguntou Alma, desviando os olhos do jornal para olhar o desenho.

— Sim, sim. Meus pais desenham também, e me ensinaram. Papa estuda animais, então ele aprendeu a desenhar bem para catalogá-los.

— Isso é tão legal! – Hugo exclamou, se juntando aos outros no degrau de cima – Queria saber desenhar assim. É um bom jeito de passar o tempo.

— Por que não desenha a gente? – sugeriu Alma – Assim seus pais vão saber como são seus amigos.

— Eu...não sei – Nanna tentou se livrar da situação – Não sei se consigo recriar vocês tão bem.

— Nah, não tem problema, tenho certeza que está se subestimando. A gente até faz pose se quiser, não é mesmo? – Hugo disse.

Ele se levantou em um pulo e ficou com as mãos na cintura, pernas separadas olhando para o horizonte com a testa franzida e biquinho. Alma e Sébastien se entreolharam.

— Eu não vou fazer isso – disse a garota.

— Nem eu. Divirta-se, Hugo.

— Vai ter que ficar assim por um tempinho – Nanna disse, rindo – Vou desenhar detalhe por detalhe.

— Pensando melhor, acho que isso foi um erro – Hugo comentou, sem sair da pose.

Alma deu um tapa na canela dele e Hugo resmungou, finalmente voltando a se sentar. Exatamente nesse momento, um trovão foi ouvido ao longe, e o vento passou a soprar mais forte. O guarda-chuva de Bastien voou para longe novamente.

— Ei! – ele exclamou e levantou, correndo para pegar o objeto.

Sébastien conseguiu alcançar o guarda-chuva, que ficou encostado no parapeito. O vampiro se abaixou e puxou-o pelo cabo, voltando a se levantar logo em seguida, e olhou para o oceano. Subitamente, Bastien ficou paralisado e soltou um grito agudo.

— Mas que coisa é essa? – ele gritou – Alguém chame os capitães!

Alma se levantou e foi correndo até o andar inferior, para encontrar Narciso, enquanto Hugo e Nanna largaram suas distrações e foram até o amigo.

Ao olhar para baixo, na água, algo se movia. Um corpo escuro, muito mais escuro que o mar, longo como o navio, e apenas com uma crista escamosa e branca visível acima da água, como se fosse coral.

O que é aquilo?— Hugo exclamou – Teremos peixe para o jantar!

— Está louco? É gigante, vai afundar a gente! – Sébastien respondeu, se afastando da beirada do navio – Temos que desviar disso!

Nanna, em silêncio, observava a criatura. Por algum motivo, ela não a assustava. Era só um animal, nadando no mar, sem fazer nada. Em questão de alguns minutos, Narciso Egeu e Tilda Belacqua estavam no convés superior, assim como um grupo de curiosos.

— O que acha que é, Narciso? – perguntou Tilda – Um Casa-Funda perdido?

— Não, um Casa-Funda não sobreviveria aqui – respondeu Capitão Egeu – Esse deve ser um Fogo Molhado comum. Mas ele parece doente, olha a crista dele. Está branca demais. Pobre coitado...

Enquanto Narciso falava, o animal nadou para cima, emergindo e revelando um corpo parecido com o de uma cobra gigante. A cabeça se ergueu a vinte metros acima do navio, e seu longo pescoço escamoso emitia um som grave e ressonante, um grunhido melancólico.

— Para trás! Todos, para trás! – Tilda gritou, empurrando os tripulantes. Narciso ria, empolgado, se aproximando do bicho.

— Crianças, esse é um dragão da espécie Fogo Molhado! A espécie mais comum, e mais simpática que vocês vão encontrar – o outro capitão exclamou, sorrindo – Ei, garotão! Vem cá!

Ele ficou de pé na amurada do navio. Exclamações de surpresa percorreram os jovens. Nanna observava o tio com admiração e receio. Ele estava fazendo algo claramente perigoso, mas como Tilda não fizera nada para impedi-lo, ela supôs que aquilo era algo comum para o pirata. Não era de longe a coisa mais arriscada que Narciso fazia – afinal, seu apelido era “O Louco”.

O dragão olhou para baixo, sua boca gigantesca parecendo ameaçadora – alguns dentes ficavam à mostra, e seu grandes olhos amarelos eram impressionantes, mas a criatura não estava hostil. Ela gemia e bufava, enquanto o capitão apenas observava.

— Ele se chama Sorth, e está procurando seu filho perdido – Narciso disse – Está perdido de seu bando e confundiu nosso casco com um filhote de dragão. Sorth pede desculpas pelo incômodo.

— Seu tio está brincando, não é? – Hugo sussurrou para Nanna, com ar de zombaria – Ele...está falando com a coisa?

— É um dragão, Hugo, seja educado – Alma repreendeu – São criaturas graciosas e benévolas na maioria das vezes.

— Tio Ciço fala com animais marinhos – Nanna explicou – A mãe dele era uma sereia, ele herda essa magia do mar dela. Também tem muita habilidade com a água por causa disso.

— Uau, uma sereia – suspirou Alma, olhando para o pirata – Sempre quis conhecer uma.

— Ele não deveria ser, sei lá, meio peixe? – Hugo questionou, novamente.

Hugo!

— O que foi? Perguntar não ofende. E ei, como sereias têm filhos? Quer dizer, elas não têm....

— Opa vamos parar por aí – Nanna interrompeu – Eu não sei, não quero saber, e tenho nojo de quem sabe.

Capitão Narciso então pediu para que um de seus tripulantes trouxesse peixes da cozinha. Quando o jovem chegou, com um balde cheio de carne congelada, o monstro espirrou água por orifícios entre suas escamas, que até então não haviam sido notados. Os observadores mais próximos do bicho se molharam, especialmente os capitães do navio.

— Por favor, me diz que isso não é catarro de dragão – Tilda gritou – Narciso, se isso for catarro de dragão eu vou te afogar agora mesmo.

— Não se preocupe, é só água salgada do mar – ele respondeu, passando um dedo no seu rosto molhado e o lambendo – Bem, eu realmente espero que seja água. Vamos lá, Sorth, sei que não é grande coisa, mas é o que podemos lhe dar!

Ele correu até a extremidade do navio e jogou os peixes congelados o mais longe que podia, e logo o dragão mergulhou novamente, seguindo a comida.

— Boa sorte, garotão! – exclamou Narciso, acenando enquanto o animal rapidamente desaparecia embaixo d’água.

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Uma onda se formou devido à movimentação do animal, e o navio chacoalhou. Os tripulantes secos correram para as amuradas, para tentar ver Sorth uma última vez, enquanto os que estavam molhados resmungavam e voltavam para os quartos.

— Isso foi incrível! – Nanna exclamou, seguindo o tio até a proa do Bela Dona – Vamos ver mais criaturas marinhas?

— Nem todas são amigáveis como Sorth, pequenina. Dragões não gostam de ser vistos, mas esse...esse estava doente, ele está doente de dor pelo seu filhote sumido. Pobre coitado – suspirou o capitão.

— Você realmente consegue conversar com ele?

— Tão claramente como converso com você, só que é uma conexão mental. Nós humanos não conseguimos emitir os sons dos animais marinhos, mas graças à minha mãe, eu posso falar com eles mentalmente. Não é ótimo? É por causa dela que eu quis me tornar pirata. O filho de Nerissa é destinado a voltar ao seu habitat natural, mais cedo ou mais tarde!

O capitão apoiou os braços na amurada e sorriu para o mar, como se o oceano fosse um participante da conversa. Nanna sorriu também, interessada na história do tio.

— Quem era Nerissa? Por que sua mãe era importante? – ela perguntou.

— Oh, ela era a diplomata de seu clã, responsável por dialogar com os humanos em nome de seu povo. E foi assim que ela conheceu meu pai, seu avô – respondeu Narciso – Você deveria ter conhecido ele, era um homem forte. Meio maluco, mas acontece em todas as famílias.

Mais trovões ecoaram pelo céu. Tio e sobrinha ergueram os olhos para as nuvens simultaneamente, e ficaram em silêncio por algum tempo, observando a paisagem ao redor. Depois de um suspiro, Nanna disse:

— Eu me tornaria pirata só para poder ver isso todos os dias.

— Isso o que? O mar?

— É.

— Não acha que ficaria enjoada? O meio do oceano não é exatamente muito diverso, é sempre meio parecido... a maioria das pessoas se cansa depois de algumas semanas.

— Eu não. Eu amo isso. O mar é lindo, a força da água é tão...

— Tranquilizante? Pacificadora?

— Satisfatória – Nanna complementou. Seu tio riu – O que foi?

— Você pensa exatamente como eu. É o que gente como eu e a nossa querida amiga Mathilda sentimos todos os dias, quando nosso trabalho parece ingrato ou cansativo. Só temos que olhar para essa imensidão azul e pronto: essa é nossa recompensa.

Mais silêncio por alguns minutos. Nanna respirava devagar, se sentindo em paz com o ambiente ao seu redor. A chuva se aproximando, as ondas batendo no casco do navio...

Isso é, até que um tremor repentino, vindo de um impacto em uma das laterais do navio fez o Bela Dona se agitar novamente. Ele foi virado radicalmente à direita por uma lufada forte de vento e Nanna, que se debruçava sobre a amurada, caiu diretamente no mar.

Alma, Sébastien e Hugo, que estavam se aproximando no momento do ocorrido, gritaram em horror.

— Nanna! – Narciso gritou, tentando localizar a garota, na água. Sem pensar duas vezes, ele também pulou.

Novo alvoroço se formou no convés. Todos ficaram tensos, paralisados, sem sinal algum do Capitão Narciso ou da menina. Sébastien apertou a mão de seus colegas, fechando os olhos com medo.

Minutos que se arrastaram por uma eternidade se passaram. Tilda Coração-Bom parecia quase pronta para pular também, observando atentamente a água abaixo de si. Ela correu até um mastro e pegou uma corda, que jogou ao mar, na esperança que algum dos dois desaparecidos a puxasse.

Não foi preciso, porém, pois uma onda surgiu novamente, dessa vez carregando o Capitão Narciso com sua sobrinha no colo, desmaiada. Os dois caíram no chão, com uma poça d’água ao seu redor.

— Ela está bem – anunciou o capitão – Nanna está bem, mas o choque a fez apagar. Temos que aquecê-la, rápido.

Alma e Tilda correram em direção aos dormitórios. Hugo e Narciso se ocupavam em acordar Nanna, com o pirata levantando suas pernas para fazer o sangue circular melhor. Hugo checava seu pulso e sua respiração, enquanto Sébastien se ajoelhou ao lado da menina e murmurava palavras de apoio, ainda tremendo de emoção com tudo o que acontecera.

As duas mulheres voltaram com cobertores e Nanna acordou um pouco depois, piscando bastante e arfando. Tilda franziu a testa e trocou alguns olhares furtivos com Narciso. Algo não estava certo ali.

— Ei, ei, está tudo bem – Hugo disse, quando Nanna acordou – Você está bem, foi só um pequeno acidente.

— Outro dragão se chocou com o navio – Narciso informou – O bando de Sorth está passando abaixo de nós, eu os vi. Um deles errou o caminho e trombou com o Bela Dona, mas nós estamos seguros. Consegue me ouvir, Nanna?

— Consigo – a menina respondeu, baixinho – Eu...caí no mar?

— Sim, mas está tudo certo agora.

Ela se sentou, e logo foi envolvida por cobertores e abraços. Depois de cerca de dez minutos, ela levantou-se novamente e foi levada para os aposentos dos capitães, no andar mais baixo do navio.

***

Já era de noite. Narciso e Tilda estavam no quarto em que compartilhavam um beliche, mas que agora estava sendo ocupado por Nanna. O local também servia de escritório. Eles decidiram deixa-la lá naquela noite, por causa do acidente. O tio da garota estava pronto para dormir, mas a capitã ainda usava suas roupas do dia, com botas e tudo. Ela estava de braços cruzados, encostada na haste de madeira da beliche. Nanna dormia na cama de baixo e Narciso iria dormir na de cima, que era de Tilda – ela, por sua vez, iria para o dormitório das meninas.

— Narciso, algo de estranho aconteceu lá – disse ela – A queda era grande, no mínimo teria machucado ela. E ela desmaiou quando caiu, teria se afogado quando chegasse na água. Não me entenda mal, é claro que estou aliviada que ela está bem, mas...não faz sentido.

— Eu sei – suspirou o homem, sentando-se na cama – Quando eu a encontrei, ela estava envolta em uma bolha de ar. Ela estava seca. Só se molhou por causa da minha onda.

— Foi você quem colocou a bolha de ar em volta dela? Como proteção?

— Não. Bem, pelo menos, não conscientemente, eu não me lembro de ter dado esse comando. Mas posso ter feito isso por instinto, eu....não sei, realmente, não faço ideia do que aconteceu lá.

Nanna se virou, na cama, puxando os cobertores. Tilda fez carinho na cabeça dela, e sorriu tristemente.

— Ela me lembra muito da minha filha – murmurou.

— Mathilda...

— Eu sei, eu sei, tenho que parar de pensar nela o tempo todo. Mas é verdade. Ela parece muito a minha menina. Não fisicamente, mas...

Uma batida na porta seguida pela voz de Alma perguntando se podia entrar fez com que os capitães se recompusessem instantaneamente.

— Entre – Tilda disse.

A garota entrou, com os cabelos negros presos desleixadamente numa tentativa falha de coque. Os grandes olhos verdes passaram rapidamente pelas três pessoas ali presentes e ela corou um pouco.

— Ah, desculpem pela intrusão, capitães, eu só queria saber se Nanna estava bem.

— Ela está sim. Vai voltar ao normal amanhã, não se preocupe.

— Tudo bem, então, não quero atrapalhar. Obrigada! – Alma disse rapidamente, embaraçada – Ah, capitão Egeu...gostei do pijama.

— Foi um presente – respondeu o capitão, olhando para a velha camisa e calças, estampadas com pequenas âncoras e corações. Ele deu de ombros e voltou a deitar.

Alma fechou a porta atrás de si, e deixou os dois capitães preocupados e a menina adormecida.

***

Nanna entrou no escritório-quarto do tio, na noite seguinte, com papel e uma caneta de tinta. O capitão estava deitado no beliche, sozinho, escrevendo em seu diário de bordo.

— Ei, tio Ciço – chamou a menina – Queria falar com você.

— Claro, fique à vontade, maruja.

Ele apontou para a escrivaninha de madeira que ficava encostada na parede e Nanna sentou-se na cadeira localizada em frente a ela.

— Eu tenho que escrever a carta para meus pais, já que estamos chegando em outro porto. Para mantê-los atualizados.

— Naturalmente.

— E eu queria perguntar se eu deveria escrever sobre...sobre o que aconteceu comigo ontem.

Narcisou levantou-se e foi até a sobrinha, se ajoelhando à sua frente.

— Não posso interferir no que você fala com seus pais, Nanna – disse ele – Você deve escrever o que achar que precisa escrever. Por que me pergunta isso?

— Porque se eu contar para eles que eu caí no mar, eles vão ficar preocupados, e você vai parecer irresponsável para eles. E eu não quero te prejudicar, e também quero continuar viajando, mas Papa iria surtar se eu contasse.

— Certo. Mas?

— Mas eu não quero mentir para os meus pais – Nanna murmurou, acanhada.

— Não há nada de errado nisso, pequenina. Você confia em seus pais e acha que eles deveriam confiar em você. É uma garota de honra. Vai ser bom para você ter esse tipo de princípio no futuro. Mas por agora, você é adolescente, tem direito de ser rebelde e querer contrariar os pais. Eu só posso tentar ser um tio legal e minimizar o estrago para eles.

Nanna sorriu e olhou para o papel e a caneta que trazia. Ela teve uma ideia.

— Eu...não preciso contar para eles agora. Posso contar o que aconteceu quando eu voltar, não vai ser mentir – ela disse – Só...não contar toda a verdade. Não é errado, é?

— Não, acho que não. Mas ei, eu sou um cara durão. Se você quiser contar tudo o que aconteceu, eu lido com os seus pais depois e tento fazê-los ver que sou inocente, e tentarei te manter aqui no navio – Narciso disse, colocando uma mão no ombro da sobrinha – Não se preocupe. Cachos de Mel não me assusta.