Obsessão

Primeiro


O dia das bruxas sempre foi divertido para mim. Ally e eu tínhamos o costume de fazer fantasias juntas e saíamos para pegar doces a noite inteira. Quanto entramos na faculdade nós trocamos os doces por festas em fraternidades e fazíamos os meninos passar nervoso quando perguntávamos "gostosuras ou travessuras?".

No ano anterior eu ainda estava me recuperando do sequestrou e acabei fazendo com que a noite da minha amiga fosse um fiasco após um homem vestido de Freddy Kruger me assustar e eu passar vinte minutos tentando parar de tremer e me recuperar de um ataque de pânico. Decidi que esse ano seria diferente. Ally e eu colocamos roupas pretas e maquiagem pesadas. Ela colocou um vestido colado preto, eu optei por uma jaqueta escura e uma calça preta. Me lembrei do tempo em que estive na terapia, minha psicóloga me dizendo que eu estava preparada para a mudança e que eu não estava em perigo. Eu tinha que me lembrar disso todos os dias.

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— Você quer ser gostosuras travessura hoje a noite?- Ally me perguntou quando chegamos na frente da porta do apartamento amigo dela.

Respirei fundo e dei uma piscadela para ela.

— Vamos manter a tradição - eu disse - Eu sempre fui a mais travessa, de qualquer jeito.

Antes que pudéssemos bater na porta um homem alto a atendeu. Ele estava vestindo uma capa preta e estava cheio de sangue falso no rosto e no pescoço.

—Sejam bem vindas- ele disse e nos envolveu em um longo abraço.

Eu já logo senti um cheiro forte de maconha e cigarros vindo de dentro do apartamento dele, mesmo assim forcei um sorriso, minha amiga pegou minha mão e entramos. Haviam várias pessoas espalhadas pelo apartamento, o ambiente me lembrou muito as festas que íamos na faculdade, algumas pessoas sentadas nos sofás, alguns casais já se beijando e algumas pessoas na sacada. Senti uma pontada de inveja das pessoas que ficaram na sacada, elas pelo menos teriam um pouco de ar fresco do outono. Quase todos estavam fumando e bebendo, havia uma camada de fumaça no ar e ninguém parecia ver ou se importar. A música estava alta, então minha amiga e eu fomos em direção à cozinha para tentar conversar melhor, foi aí que ela avistou Sean e eu pude sentir seus olhos brilhando.

—Vai lá - dei uma cotovelada nela.

—Mas, Chloe, você...

—Vai logo - eu a empurrei antes que ela pudesse dizer qualquer coisa.

Antes que ela pudesse vir até ele, Sean nos avistou e veio até nós.

—Vejam só, se não são as minhas meninas favoritas.

Eu forcei um sorriso. Sean era legal, mas era óbvio que ele estava nervoso perto de Ally, assim como ela estava nervosa perto dele. O pior - ou melhor- é que eles já haviam dormido juntos, mas se comportavam como crianças que estavam descobrindo o amor pela primeira vez.

—Achei que só ela fosse sua favorita - eu disse de propósito, para apimentar, e tomei um gole de cerveja que peguei do balcão.

—É verdade - Disse Sean - Na verdade, você é a favorita do Cameron.

Eu me engasguei com a minha cerveja, o que rendeu a Ally uma boa risada.

—Se eu fosse você eu trocaria a cerveja por vodka, porque daqui a pouco ele chega aí.

Assim que ele terminou de falar eu enchi um copo vermelho de plástico com o drink vermelho que estava encima da mesa. Tomei um copo inteiro de uma vez, o líquido desceu rasgando a minha garganta.

— Feliz Halloween - Ally gritou e bebeu junto comigo.

Meu celular vibrou no meu bolso e eu levei um susto. Era uma mensagem de Jared que me fez revirar os olhos.

" Estou pensando em tomar um vinho mais tarde, se quiser me dê um toque ;)"

Quis revirar os olhos, mas antes que eu pudesse pensar nisso minha amiga me interrompeu.

—Está tudo bem, Chloe?

Fiz que sim com a cabeça e a puxei para perto de mim.

— Você deveria aproveitar a festa - eu disse.

— Acho que você devia escutar o próprio conselho - Ela apontou para a porta da frente e eu senti meu coração indo parar na boca.

Cameron entrou com tranquilidade cumprimentando as pessoas. Ele estava com uma calça rasgada e uma jaqueta de couro. Assim que ele me viu acenou em minha direção. Quando dei por mim Ally já tinha saído de perto e Cameron se aproximava, tomei mais um longo gole da minha bebida.

—Se soubesse que você viria eu teria me arrumado mais - Disse ele.

— É, eu também - confessei, mas logo me senti boba -Quer dizer, não.

— Não?

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—Sim - eu parei e dei um riso contido - É melhor eu parar de falar.

—Tudo bem, eu só estava enchendo você.

Tomei mais um gole da bebida vermelha para tentar disfarçar e lancei um olhar para Ally. Minha amiga abriu um grande sorriso e fez um sinal de afirmativo com a mão enquanto abraçava Sean. Eu quis revirar os olhos, mas não faria isso na frente de Cameron. Eu estava sem saída. A falta de palavras entre Cameron e eu me deixava levemente constrangida.

Depois do nosso encontro nós mal conversamos. Eu gostava dele e de sua companhia, mas eu me sentia um tanto nervosa, queria tanto não estragar o que quer que fosse que poderíamos ter que eu acabava não tomando atitude nenhuma.

— Você quer dançar? - Ele perguntou assim que Losing My Religion começou a tocar.

—Sim - Puxei ele pela mão em direção à sala onde a música estava mais alta - Eu adoro essa música.

— Eu me lembro bem - Ele disse e sorriu para mim.

Sorri de volta. No nosso último encontro, passamos muito tempo dançando e cantando as músicas de rock dos anos 70 aos anos 90 e quando REM começou a tocar eu fechei os olhos e curti a música. Fiquei feliz dele ter reparado nisso.

Depois de dançar algumas músicas o dono da casa nos interrompeu.

— Hey, Cameron e menina nova, nós vamos jogar eu nunca! Querem jogar?

Cameron olhou para mim procurando afirmação, eu dei de ombros e segui ele até a varanda, onde algumas pessoas formavam uma roda. Ally e Sean estavam nela. Todos nos sentamos e começamos o jogo. Minha amiga lançou primeira.

— Eu nunca beijei ninguém do mesmo sexo.

Todos reviraram os olhos e beberam uma dose.

— Eu nunca me formei na faculdade - disse outro rapaz e metade da roda bebeu mais uma dose.

— Eu nunca cantei em um karaokê.

Eu dei risada e bebi mais uma dose.

—Eu nunca roubei um carro- eu disse.

—A há- gritou Ally - E aquela vez do campo de golfe?

— O carrinho de golfe não conta! - eu disse.

— Você roubos um carrinho de golfe? - Perguntou Cameron.

Eu tomei mais uma dose e pude sentir o álcool subindo na minha cabeça.

—Eu morava perto de um campo de golfe. Ele era praticamente parte do meu quintal - Apontei para Ally - E a culpa foi dela.

Minha amiga deu risada.

— Você tinha que ver como ela era, Cameron. - Disse ela - Chloe não levava nenhum desaforo pra casa. Eu a desafiei a pegar um carrinho de golfe de uns caras que já estavam mexendo com a gente, ela não pensou duas vezes e quando eles perceberam nós já estávamos muito longe para eles tentarem correr atrás de nós.

Tentei segurar o riso.

— Eu nunca iria imaginar que você fosse assim - Disse uma menina de cabelos cacheados - Você parece tão quieta.

— Acho que um trauma muda todo mundo - Disse o rapaz que era o dono da casa, claramente bêbado.

Apesar da música alta estar tocando na sala, eu pude sentir o silêncio na roda. Eu fiquei tensa e percebi que Cameron e Ally ficaram tensos também.

— Como assim? - Perguntou a menina de cabelo cacheado.

— Você é a Chloe, não é? Chloe Manhattan? - Ele apontou para mim e nisso deixou um pouco da sua bebida espirrar nas pessoas em volta dele - Não foi você que acharam no meio na I-95 no ano passado, ou alguma coisa assim?

As pessoas olharam para mim com curiosidade e cautela. Eu senti meu coração batendo mais forte, minha cabeça ficando mais leve. Eu não podia deixar que mais um ano fosse arruinado por causa disso.

— Eu nunca fui um babaca sem noção - Disse Ally, cortando a tensão que eu estava sentido - Pode beber, Frank.

O rapaz deu risada e mais um longo gole na sua bebida. Eu sorri para a minha amiga e resolvi continuar na roda, não queria me mostrar abalada. O jogo continuou e várias confissões foram feitas ali, logo as pessoas ficaram bêbadas e se dispersaram. Ficamos apenas eu, Cameron, Ally e Sean na varanda. Eu pude perceber que minha amiga e Sean estavam flertando. Ela já tinha me ajudado, era a minha vez. Eu a puxei para um canto e sussurrei:

— Por que você não volta pra casa com ele?

— O que? - ela riu de nervoso e eu uma careta - Não tem nada a ver.

— Você vai querer mentir para mim ou para si mesma hoje?

— Ouch - ela disse, mas logo desistiu - Tudo bem, mas eu só vou se você se acertar com ele - Ela apontou para Cameron, depois pegou o molho de chaves que estava no seu bolso e entregou para mim - Eu vou com o Sean pra casa dele e você leva o Cameron para a nossa.

Revirei os olhos, mas concordei mesmo assim. Ela ficou feliz, me deu um abraço e logo foi conversar com Sean. Eu voltei e me sentei ao lado de Cameron, peguei a garrafa de uísque que estava encima da mesa e me servi uma grande dose.

— Você acha que eles vão acabar juntos? - Cameron me perguntou apontando para os nossos amigos que estavam indo embora.

— Se eles deixarem de lado esse medo que tem de se apaixonar, eu acho que sim.

— Quem eles querem enganar? Não é óbvio que eles se gostam?

Eu sorri para ele, concordando, e pude sentir meu rosto ficando corado. Dei todo aquele sermão para Ally sobre não mentir para si mesma e acabei na mesma situação. Tomei minha dose de uísque e me servi mais uma. Eu podia sentir meus músculos ficando mais soltos e eu me sentindo mais tranquila.

— Você está bem? - Ele perguntou.

Fiz que sim e tomei mais um gole.

— Não fique chateada com o Frank. Ele é meio sem noção, mas é um cara legal.

— Não fiquei chateada - Eu disse - Eu só não gosto quando eu vou para algum lugar e me tratam como se eu fosse um tipo de experimento social.

Minhas mãos estavam começando a formigar, minha visão estava começando a focar turva.

— Cameron? - Eu já não sabia se tinha controle das minhas palavras - Me desculpe se eu não te liguei depois do nosso encontro. Eu acho que estou com o mesmo problema da Ally - Tomei mais um gole de uísque, se eu já tinha começado a falar, eu devia terminar - Você é muito bonito e às vezes eu fico com medo.

— Você deve ter passado por umas poucas e boas.

— Nem tão boas - Eu ri, mas senti um amargo no fundo da garganta.

Eu tomei o resto da minha dose e percebi que a garrafa estava vazia.

— Já volto - Anunciei sem a menor necessidade.

Quando me levantei percebi que eu estava bem mais bêbada do que eu imaginei. Fui tentar sair da varanda, mas acabei tropeçando nos meus próprios pés e quase dei de cara no chão, mas braços fortes me seguraram antes que uma tragédia pudesse acontecer.

— Você está bem? - Cameron perguntou, seu rosto estava muito próximo ao meu.

— Eu não sei - respondi com sinceridade.

— Quer que eu te leve para casa?

— Quero.

Ele me ajudou a sair da festa. Fiquei aliviada quando fomos andando para casa e o barulho e o cheiro de cigarro não estavam atormentando tanto os meus sentidos. Chegando no meu prédio eu fiquei muito grata por estar em um prédio com elevador. Eu não saberia subir as escadas. Cameron me ajudou a desvendar o mistério de qual chave abriria a porta do meu apartamento.

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— Eu tenho saudades disso - Eu disse enquanto o puxava para dentro de casa - De chegar em casa completamente bêbada.

— Tenho certeza que amanhã você não vai sentir saudades da ressaca - Ele riu.

— Eu não tenho ressaca -Eu ri de volta - Mas não foi por isso que eu parei de beber. Foi por causa daquele maldito sequestro. Até hoje eu tenho medo de beber e ele me pegar de novo.

Cameron ficou em silêncio, mas isso não me impediu de continuar.

— Eu sei que ele está preso e que não pode me alcançar, mas e se? E se eu der uma brecha? - Me joguei no sofá. Cameron se sentou ao meu lado e eu apoiei minha cabeça no ombro dele - Você devia ter me conhecido antes, eu era tão mais livre. Você iria me adorar.

— Mas eu adoro você.

Olhei para ele. Seus olhos verdes tão fundos nos meus. Não sei se foi por conta da bebida ou pelo pico de adrenalina que eu tive, mas não pude evitar. Eu o puxei pelo pescoço e dei-lhe um beijo. Seus lábios eram carnudos e macios. Um breve beijo já fez com que eu sentisse que meu corpo estivesse pegando fogo. Ele retribuiu o beijo. Eu abri a minha boca e senti sua língua na minha. Fui puxando-o para mais perto, deixando que nossos corpos se conversassem.

— Chloe - Ele interrompeu, mas eu continuei a beija-lo. Ele cedeu por mais um minuto, suas mãos descendo até o meu quadril, de repente ele parou de novo - Chloe, acho que essa não é uma boa ideia.

— Por que não? Só Deus sabe quando eu vou estar solta e com coragem de fazer isso de novo.

— Não tem problema - Ele colocou uma mecha de cabelo meu atrás da minha orelha - Eu espero o tempo que for, mas preciso ter certeza de que é isso o que você quer.

Em mais um impulso, eu o abracei. Eu queria sentir seu corpo perto do meu, mesmo que não fosse do jeito que eu estava pensando, eu precisava sentir o seu calor. Ele ficou fazendo carinho nos meus cabelos e eu acabei pegando no sono.