Dragões do Norte

A Ilha dos Ursos


Os dias que se seguiram passaram divagar, principalmente para Jon, que ficou recluso em seu quarto por causa de algo que não era sua culpa. Mas já estava acostumado, era comum à um bastardo sofrer pelas ações de outras pessoas.
Depois do incidente, Lady Catelyn foi aconselhada a guardar leito, o que livrou o menino de várias situações desagradáveis. Mas no final sabia que o assunto lhe traria algo mais que ser trancado.
Dava para ouvir os criados cochichando enquanto passavam. Tudo o que conseguia ouvir era pedaços aleatórios de conversas. Mas esses fiapos de informação eram suficientes para ele perceber a situação em que o castelo se encontrava. E o que ouvia era muito preocupante.
As conversas, sempre sussurradas, pareciam ser sobre ele.
“...se parece mesmo com o pai...”
“...como pode ofendê-la assim...”
“... Só vai piorar à medida que cresce...”
“...não pode ficar aqui...”
Então esperou as más notícias. Quando Miestre Lwin entrou em seu quarto com uma expressão reservada soube que havia chegado a hora.
—O que está fazendo?-perguntou o senhor notando o papel que o menino tinha nas mãos.
Se acomodou em sua cama e olhou o garoto sentado junto a sua pequena mesa. Jon tentou manter sua face o mais neutra possível.
—Um desenho.
—Deixa ver.
O garoto estendeu a folha de papel. O miestre a avaliou por instante e depois sorriu.
— Para que serve esse sistema de polias?
—Para mover uma pedra de amolar usando um moinho. É para Mikken. Está ficando velho, não pode mais ficar girando aquela roda.
—É um desenho muito bom.
Miestre Lwin se calou novamente. E se concentrou no desenho mais do que deveria, pelo menos foi o que pareceu a Jon.
—Pode falar Miestre Lwin. Nada bom, não é?
—Não- suspirou o velho cansado.
—Como está Lady Stark?
— Bem. Precisa de muito repouso até a chegada do bebê, mas bem.
—Lord Umber...
—É um bom homem e leal acima de tudo, mas costuma falar o que não deve quando está sob o efeito de vinho dornês. Teve o bom senso de se desculpar pelo que disse, o seu pai o perdoou de imediato tal como Lady Catelyn assim que se recuperou o suficiente. Não se pode dizer o mesmo de alguns convidados sulistas. Ele deve ficar mais cauteloso na próxima vez que beber.
—Já se passou dias desde o banquete e continuo confinado aqui.
—Sim, não podemos arriscar ainda mais a saúde da senhora.Além disso sua presença pode ofender os lordes de Correrrio, o que causaria uma situação difícil para o seu pai.
—Porque veio então?
O senhor pareceu procurar palavras.
—Sempre foi objetivo demais para alguém de sua idade.
—E o senhor sempre disse que não se deve prolongar conversas com comentários desnecessários.
Jon queria que dissesse tudo logo de uma vez. Sabia que o pior ainda estava por vir.
—Não devia ouvir tudo o que digo Jon.-o miestre sorria mas tinha uma sombra nos olhos. O menino nunca gostou quando tentavam aliviar algo ruim para ele, só porque era criança.
—Está fazendo de novo miestre Lwin.
—O senhor seu pai deseja lhe falar-algo no estômago de Jon afundou, deixando um buraco frio no lugar.
—Sobre o quê?-esperou que a voz não deixasse transparecer a sensação ruim que sentia.
—Cabe a ele lhe dizer.
—Nada bom.
— Jon, tem que entender que nesse momento a prioridade é a saúde de Lady Stark e do bebê.
—Assim como aplacar a ira de seus parentes que vieram do sul. Eu entendo.
O que Jon entendia também, era que sempre que Lorde Stark o chamava para conversar, ele sempre acabava com uma restrição a mais. Ainda não havia se esquecido da última vez, Jon tinha apenas quatro anos. Encontrou Lorde e Lady Stark junto ao represeiro,não se lembra do motivo de estar ali mas foi a primeira vez que entendeu que não era como os outros filhos para Lorde Eddard.
“-Você não pode me chamar de pai quando estivermos na companhia de outras pessoas,Jon- o tom era de alguém que parecia falar com algo grudado no céu da boca e fazia força força engolir.
—Não é certo que você se refira ao seu senhor dessa maneira-disse Lady Catelyn.
Em sua pequena cabeça, Jon não conseguia entender o que lhe diziam. Até que sua mente de menino de quatro anos chegou a uma conclusão aterrorizante.
—O senhor não é meu pai?-perguntou espantado.
A expressão de Lorde Stark foi de surpresa e depois de vergonha, olhou o garoto procurando palavras mas como se explica a um garotinho coisas tão complexas.
—Você é muito pequeno para compreender as circunstâncias de seu nascimento mas entenderá ,no futuro, porque não posso agir com você como com as outras crianças.
Jon aprendia rápido, logo chegou a outra questão.
—Isso que significa bastardo? Significa que o senhor não pode ser meu pai?
Outra vez Lorde Eddard ficou sem ter o que dizer e se pois a observar o garoto.Olhos cinzas encaravam olhos iguais aos seus e percebeu que o filho o avaliava e não sabia que impressão estava causando, só pôde supor que não era uma boa. Lady Stark tomou a palavra.
—O importante é que deve se referir a ele como meu lorde ou senhor.
Jon deitou um olhar sobre o homem que até então acreditava ser seu pai, este parecia triste mas não disse nada.Mais tarde entendeu que a presença dele em Winterfell era uma ofensa tanto para Lady Catelyn como para a honra de Lorde Stark. No entanto naquele instante ele não entendia. Então disse a única coisa que pôde.
—Sim, meu Lorde.
O senhor de Winterfell o olhou por mais um instante e depois disse:
—Você já pode ir.
Jon fez uma reverência desajeitada e se afastou.”
Depois desse dia Jon nunca mais chamou Ned Stark de pai, em parte porque nunca se viam a sós e também porque não sabia se pai era a palavra certa para defini-lo.
Só o via de relance, nunca trocaram mais que algumas palavras.Estas eram sempre alguma ordem que o garoto tinha que cumprir.Na maioria das vezes para que ele não incomodasse ninguém. E esse tempo que ele passou fora lutando contra os Greyjoys só serviu para distanciar os dois. Para Jon, o homem que voltou da guerra era quase um desconhecido.
Agora, enquanto se dirigia com miestre Lwin aos aposentos do pai.O garoto não podia deixar de sentir um mau agouro. O miestre agarrou sua mão.
— Eu sei o caminho- insistiu .
— Eu sei que sabe- o miestre apenas segurou sua mão mais forte.
Quando chegaram. O senhor de Winterfell estava sentado atrás de sua mesa e lia uma carta com as feições estoicas de sempre.
—Sente-se Jon.
O garoto se sentou e deu uma olhadela para trás para ver se Miestre Lwin ainda estava lá. A presença dele lhe dava mais coragem.
— Você partirá para a Ilha dos Ursos amanhã. Lady Mormont aceitou recebê-lo por algum tempo. Até tudo se acertar por aqui.
Jon ficou calado enquanto assimilava as palavras.
Ele está me mandando embora— pensou desamparado
Lorde Eddard percebendo a expressão no rosto do menino. Se apressou em continuar.
— Será muito bem tratado.Os Mormont são amigos, nunca tratariam mal um filho meu.
Não é meu pai— Jon teria dito isso em voz alta se tivesse encontrado sua voz.
— Vai ser por pouco tempo. Só até o bebê nascer.
Está tentando se convencer-pensou Jon. Até ele sabia que se fosse embora nunca mais voltaria, Lady Stark se certificaria disso.
—Não faria isso se não fosse necessário. E não vai ser para sempre. Vou mandar buscá-lo, meu filho.
Não é meu pai! E eu não vou voltar aqui nunca mais, fujo mas não volto. Dessa vez Jon não se pronunciou porque o tom de Lorde Stark era quase desesperado. E também não se deve prolongar conversas com comentários desnecessários.
— Sim, meu Lorde- olhava esse homem a sua frente e viu que não o conhecia. Era mesmo um desconhecido. Sempre ouvia que devia ser grato porque o pai o tinha acolhido, que outros não tinham a mesma sorte. E ele pensou, até agora, que mesmo ninguém o querendo ali, o pai queria. E mesmo que fosse a distância, o protegia e acolhia. Acreditava que quase não tinham contato porque isso ofenderia a senhora, pelo menos era isso o que lhe diziam.
Jon percebeu, então, que só estava ali porque Lorde Eddard sentia algum tipo de obrigação para com ele. E agora se apegava a primeira oportunidade de mandá-lo para longe. Não é meu pai, é um desconhecido.
O menino deduziu algo. Não tinha pai nem mãe.Era órfão. Estava só.
—Você parte amanhã a primeira hora. Mandarei guardas que te acompanharão até o porto. Um navio já estará esperando para levá-lo à Ilha dos Ursos.
— Sim senhor.
— Entende porque tenho que fazer isso,não é Jon? Não há outra escolha-Lorde Stark agora já demonstrava uma certa angústia na voz. Mas Jon era uma criança e crianças não são conhecidas por serem compreensivas. Por isso procurou a resposta que o tiraria dali mais rápido possível. Sentia um nó na garganta e não choraria na frente daquele homem.
— Entendo- as pessoas esperavam que ele entendesse coisas demais.
—É melhor que eu vá me preparar para a viagem- disse numa voz tão calma que surpreendeu os dois homens na sala.
—Sim, você já pode ir.
Já havia disparado para a porta quando uma voz pesada o chamou.
—Jon,vou te trazer de volta para casa, é uma promessa.
O garoto o olhou . Não respondeu. Palavras são vento. Mas ficou parado tentando gravar aquele rosto na memória.Não o veria por muito tempo.
Os dois ficaram se encarando até Miestre Lwin pegar o garoto pela mão e o levar para longe dali. Nevava em Winterfell e Jon Snow, enquanto se deixava guiar pelos corredores, jurava para si mesmo que nunca mais voltaria a morar naquele lugar. Não era sua casa e aquela não era sua família.

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