Laços

Olhares e conversas


Stelfs

— Oi querida. Quer bolinho? — escutei a voz da minha tia e fiquei parada no mesmo lugar, olhando pra ela.

Ai, caramba. Que ela tá fazendo aqui?

Devo ter feito alguma cara engraçada porque as meninas soltaram algumas risadinhas.

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— Eu senti sua falta — ela veio na minha direção, enquanto eu tirava os sapatos e me abraçou de repente — Por que não me ligou? Não deu notícias? Não me disse que você estava bem? — começou...

Enquanto ela estava atracada no meu pescoço, eu encarava as meninas com um rosto teatralmente desesperado enquanto falava sem voz: “Me salvem”. Elas começaram a rir descontroladamente, fazendo minha tia me soltar.

— Hein? — me encarou séria, chamando minha atenção — Sua desnaturada — soltou, ressentida.

— Ah, tia... — eu disse me sentindo um pouco culpada — Você sabe que eu sou ocupada — falei, indo até a mesa onde estavam as meninas — É faculdade, trabalho e agora tem esses benditos vizinhos — falei automaticamente e a Bia arregalou os olhos na minha direção.

— Que que tem os vizinhos? — tia Simone cruzou os braços me olhando desconfiada.

— Ah, nada de mais... — a Ester soltou de repente, parecendo nervosa e eu me dei conta do que tinha feito.

Ai, droga. Espero não acabar com a graça tão cedo.

— É... Só que eles são muito legais, só isso — Bia completou e eu olhei pra minha tia com as sobrancelhas erguidas.

— Stefany... — mas ela não parece muito satisfeita com aquilo — Me explica essa história direito — pediu e eu comecei a rir de nervoso.

Minha tia começou a rir também, achando que eu estava rindo mesmo.

— Já arrumou um namorado? — perguntou divertida.

— Não, tia! — devolvi começando a rir de verdade pelo que ela tinha dito — É só que o menino que mora aqui em frente é aquele da escada, lembra? — falei, me sentando na mesa e começando a comer.

Tia Simone se sentou ao meu lado.

— Ah, aquele sem educação? — perguntou e as meninas olharam ao mesmo tempo pra ela.

— Você já conheceu o Castiel? — as duas foram ao mesmo tempo, me fazendo rir.

— Quando a gente chegou — comentei e minha tia concordou.

— Castiel? — ela olhou pra mim — Esse é o nome do garoto? — deu uma risada enorme — Quem tem um nome desses?!

— Só aquele anjo maravilhoso do Supernatural — respondi entre um garfada e outra da comida e todo mundo começou a rir.

...

Minha tia ficou com a gente o restante da tarde, não deixando ninguém estudar naquele dia. Coitada das meninas! E então, quando eu fui pro trabalho, ela acabou indo embora também. Ainda bem que o assunto dos vizinhos não voltou entre nós e o troço morreu por ali mesmo. Nossa, aquela noite no café o Marcelo estava ainda mais chato que o normal e eu tive que rebolar (no sentido literário, claro!) pra que ele largasse do meu pé.

Fiquei conversando um tempinho com o Lysandre antes do show deles começar e achei ele um rapaz muito simpático e legal. Castiel, em contrapartida... trocamos uma dúzia de “elogios” irônicos e assim a noite acabou comigo tendo que ir embora com a Nívea e o Armin, pro Marcelo vê que eu estava acompanhada. Só espero que ele não ache que o Armin é meu namorado... ou o Lysandre... ou o bendito do Castiel. Se bem que do jeito que ele tá insistente comigo, aceitaria até a fingir namorar o Caio se fosse preciso!

A manhã de quinta-feira chegou serena e amena até...

This is the fallout, this is the breakdown, what — estava cantando uma das músicas que eu mais gosto da Fireflight e abri a porta do apartamento — Are you fighting for — fiz uma pose dramática com a letra da música.

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Foi aí que eu vi que a porta do lado tinha sido aberta também.

E adivi- ah, nem vou perguntar isso.

Castiel me encarou de repente e fechamos as nossas portas juntos. Eu, claro, morrendo de vergonha por ter sido pega no flagra assim e ele, ÓBVIO, rindo igual um condenado.

— Bom dia, vizinho — cumprimentei séria, tirando um dos fones do ouvido e indo pro elevador, como se nada tivesse acontecido.

— Então é isso que você faz nas horas vagas? — perguntou com gosto. Por que eu achei que ele ia deixar essa passar?

— Só quando encontro com gente idiota — alfinetei e acionei o elevador, esperando que ele chegasse.

Castiel fechou a cara.

— Não precisa ser arisca — falou e eu o encarei em um susto — Só porque te vi na sua dancinha ridícula — comentou, abrindo a porta de segurança com força e soltando com mais força ainda, quase fazendo ela bater em mim.

Okay, talvez eu peguei pesado.

Abri a porta de segurança, entrando no elevador antes que ele se fechasse.

— Tá bom — soltei de repente e ele me olhou sem entender — Desculpa — falei rápido — Não quis te ofender — completei, me sentindo realmente culpada.

Ele cruzou os braços e me olhou com desdém.

— Você acha mesmo que eu ficaria preocupado com o que você diz? — mandou pra cima de mim.

— Ué, eu sei lá! — disse, já rendida àquela conversa — Você saiu sem falar nada, achei que pudesse ter te chateado... — comentei, me sentindo uma idiota por estar sendo tão sincera com ele.

— Tsc tsc — ele soltou, abrindo aquele sorriso dele — Você devia relaxar... — comentou e vimos que o elevador começava a parar — E fazer outra dancinha como aquela — me alfinetou, olhando pra mim com satisfação e empurrou a porta de emergência, saindo do elevador.

É mole?

...

Ester

Apertei a alça da mochila no ombro, enquanto passava pelo jardim, indo pra biblioteca. Estava de mal humor naquele dia. O professor de literatura clássica passou um livro chatíssimo pra ser lido em apenas uma semana. Meu querido, não tenho só a sua matéria no curso! Como vou ler 700 páginas cheia de coisas pra fazer?? Pra completar, cheguei atrasada no refeitório e o pessoal tinha comprado a maior parte dos lanches na cantina. Tive que comer um hamburgão meio frio... Me deixar com fome só serviu pra piorar mais.

Só esperava que Lysandre não se atrasasse dessa vez e nem esquecesse do trabalho, queria ir logo pra casa. Daí quando chego lá, tenho que aturar Castiel com o som alto... Bem, do jeito que as coisas são, é bem capaz mesmo.

Empurrei a porta da biblioteca e o vi sentado no mesmo lugar em que estávamos naquele dia. Pelo menos isso...

Ele sorriu ao ver que eu estava chegando e me sentei.

— Não esqueceu de mim aqui dessa vez, hein? — Brinquei, tentando descontrair um pouco.

— Dessa vez garanto que não marquei mais nada para hoje. — Ainda bem...

— Então vamos lá. — Tirei minhas coisas da mochila e vi aquele bloco lá no meio. — Isso aqui é seu? — Estendi pra ele o caderninho.

— Então ele estava com você! Fiquei procurando-o esses dias. — Desviou os olhos para mim. — Você não o leu? Leu?

— Não, eu não li. Só folheei pra ver o que era. — Me fitou desconfiado. — Te garanto que não li!

— Obrigado. — Sorriu discretamente e guardou o bloco na bolsa.

— Vamos lá, então? — Abri a pasta e peguei um bloco de folhas de almaço. — Quer escrever você? Minha letra é horrível.

— Acho melhor cada um escrever uma parte. É uma divisão justa. — Ele pegou as folhas e tirou uma caneta do bolso.

Preciso dizer que fiquei meio travada no negócio. Terror não é muito o meu gênero, só tentei escrever algo perto disso umas duas vezes. E o resultado não me agradou muito também. Comentei isso com Lysandre.

— Você também escreve? — Perguntou com um levantar de sobrancelha.

— É, esqueci de falar isso. Mas é meio um hobby, sabe? Apesar de eu desejar escrever um livro um dia. — Disse meio sonhadora.

— Nada é impossível se você tentar.

— Nossa, filosofou, hein? — Rimos e voltamos ao que fazíamos.

O texto era mais tenso no começo, com o jornalista chegando para fazer uma reportagem numa casa antiga, onde houve um assassinato. O problema estava em inserir o suspense. Não conseguíamos criar a tensão certa.

Comecei a mordiscar a cutícula da unha e perguntei a ele:

— Será que tem algum problema de ouvir música? Com fone, é claro.

— Creio que não. — Levantou os olhos do papel — Você se inspira mais com música?

— Sim. Às vezes é bom pra criar um certo clima. — Pluguei o fone e cliquei em uma das minhas playlist do aplicativo.

Comecei com Revolution do Lacrimosa. Bem trevosona mesmo. Só que não! Mas pelo menos dava pra criar o clima que precisava.

Chegou na parte da voz e me empolguei, batucando os dedos no ritimo, fazendo até um lipsync. Lysandre me olhou... Será que sou meio estranha? Pela cara dele, parecia que eu tinha dito que a Terra é quadrada.

— Que foi? — Perguntei, tirando um dos fones.

— Ahn, nada. — Ele apontou a caneta para o papel. — Eu ia perguntar sua opinião sobre como inserir os detalhes para algo mais sombrio, mas... — Ele me encarou de novo. Será que eu assustei o garoto? — Você parece empolgada com o que está ouvindo.

Corei e abaixei um pouco o volume da música. Puxei a cadeira um pouco mais pra perto dele. Lysandre continuava me observando... Será que tinha uma espinha no meu nariz?

— Eu gostei do que você escreveu... Só acho que está faltando alguma coisa. — Ele continuava olhando pra mim. — Quer ouvir também? Quem sabe não te inspira? — Sugeri pra quebrar a tensão e ofereci o fone esquerdo pra ele.

De primeira, ele me olhou meio... Espantado? Depois começou a ouvir.

— Nunca tinha ouvido, qual o nome? Achei bem diferente. Porém, realmente, é boa para criar um clima.

— Não imaginou que eu gostasse de uns metais, né?

— Sinceramente, achei que você preferisse algo mais pop. — Ri com o que ele disse.

— Todo mundo acha isso. — Ele me devolveu o lado do fone. — Não quer ouvir? Vai que inspira você também.

No fim, acabamos mais conversando sobre música do que fazendo o trabalho. É sempre assim quando eu acho um assunto legal pra conversar com alguém.

Descobrimos que gostamos de algumas bandas em comum.

— Primeiro, conto de terror, agora metal. O que mais de surpreendente você gosta? — Dei um olhar engraçado e ele deu uma breve risada.

— Acho que meus gostos não são tão peculiares assim.

— Se você diz... — Levantei a mão, como se dissesse “tudo bem”. Olhei no meu celular — Nossa, olha a hora. — Era quase quatro e meia. — A gente nem viu o tempo passar e nem avançamos tanto hoje.

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— Creio que avançamos sim. O roteiro está pronto. — Ele começou a guardar o material dele na bolsa, mas ia deixando o bloco de notas junto das minhas coisas.

— Ó, não vai esquecer, hein. — Apontei pro caderninho e coloquei minha pasta e as canetas na mochila.

Peguei meu celular da mesa e vi que tinha recebido uma mensagem:

“Ester, tem como vc passar no mercado e comprar comida p/ janta? :}”

Era Stelfs perguntando. A gente se esqueceu de fazer compras esse final de semana, estávamos ocupadas com a mudança.

— Você sabe onde tem um mercado aqui por perto? — Perguntei a Lysandre. Empurramos as cadeiras de volta no lugar e fomos para a saída.

— Tem um seguindo essa mesma rua, à esquerda. Depois vire a esquina e verá um prédio amarelo. — Nessa hora já estávamos passando pelo jardim.

— Obrigada. — Passamos pelo portão da faculdade e nos despedimos, antes de cada um seguir pra um lado.

Sorri ao lembrar da tarde de hoje. Pelo menos não estava tão de mal humor como quando cheguei.

Quis colocar uma música pra ir ouvindo no meio do caminho. Apalpei os bolsos e parei pra procurar na mochila, só que não encontrei os fones. Voltei pra biblioteca, mas também não os achei lá.

Ah, não, só pra piorar o meu dia de novo! Era brincadeira com a minha cara! Odeio essa Lei de Murphy e quero matá-la!

Sai bufando de lá e fui logo ao mercado fazer compras.