Laços

Ah, não...


Me olhei pela enésima vez no espelho.

Havia escolhido uma calça jeans normal, uma blusa de mangas compridas de algodão, larguinha e preta e um cachecol de onça mais fininho, só pra dá um acabamento mesmo. Nos pés, uma botinha cano curto.

Até porque ninguém vai usar salto em show, né, meu povo? É no mínimo, insano.

Me olhei mais uma vez, analisando se aquela escolha estava boa.

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Aliás, por que tô tão preocupada com isso? Eu só vou sair com o Castiel.

Comecei a rir de mim mesma, saindo da frente do espelho e abri a porta, já suspirando. Querem apostar que alguém vai falar alguma coisa? Cheguei na sala e as meninas me olharam imediatamente e as duas ao mesmo tempo. Eita, pleura.

— Eu disse - Bia foi a primeira (Não disse?). Olhei pra ela com cara de “quê?” - Eu disse que isso ia dar amor - ela complementou e Ester desatou a rir.

— Ihhhh, nem vem, Bia, nem vem - respondi, querendo rir daquela arrumação toda.

Até parece.

— Juízo, hein? - Ester entrou na dela e eu só pude revirar os olhos - Nesses shows sempre tem umas rodinhas punk.

— Cuidado pra não se perder do Castiel, hein? - Bia de novo.

Ouvi uma batida na porta e fui atender pra ter que sair daquele tiroteio de ironias.

— Segura na mão dele, viu? - ela continuou e destranquei a porta, encontrando Castiel parado há alguns centímetros dela.

— O que deu em vocês, hein? - perguntei a fim de acabar com a conversa antes que ele escutasse.

E saí logo, fechando a porta atrás de mim.

— Oi, vizinho - brinquei com ele, enquanto caminhava na sua direção.

— Achei que a princesa ia ficar a noite toda se arrumando - comentou, enfiando a mão no bolso da jaqueta.

— Até parece, né - falei com um riso divertido, me aproximando dele.

Caminhamos até o elevador e eu o acionei.

— Até que deu resultado - ele comentou de repente, me lançando um olhar desviado e sorriso meia boca.

— Seu ridículo - disse em um tom divertido.

E olhei de relance pra ele. Castiel estava... diferente nessa noite.

Pra minha surpresa, havia prendido o cabelo, não como naquela noite da pizza, mas igual àquele dia em que eu o vi pela primeira vez.

Ele me devolveu o olhar de repente e eu me assustei, ficando desconcertada em um tiro.

— Que você tá olhando, garota? - perguntou com seu riso clássico e senti meu rosto queimar.

Ah, meu Deus. Pega em flagrante! Que eu respondo agora?

— Até que você não tá tão mal - respondi, entrando no elevador e tentando ser indiferente.

Mas sinceramente, não dava. Ele realmente estava bonito.

Usava um jeans preto e justo com uma camiseta preta de uma banda qualquer e a clássica jaqueta vermelha, junto com um par de botas. Sem falar no perfume, né? Esse é um capítulo à parte.

E ele riu de novo. Daquele jeito.

— Por que o Lys não veio, Castiel? - perguntei e fiz um bico, enquanto o elevador terminava de parar.

A verdade de tudo é que, segundo Castiel, só havia me chamado pra ir com ele porque Lysandre não poderia acompanhá-lo. Vai entender.

— Ele tá num encontro - disse e empurrou a porta do elevador, passando primeiro.

— Sério?! - eu perguntei toda animada, saindo no hall do prédio e Castiel me lançou um olhar estranho.

Eu e minha empolgação desmedida.

— Ele disse que era só um jantar de amigos - soltou um riso malicioso e enfiou a mão no bolso da jaqueta de novo - Ele acha que me engana - comentou mais pra si mesmo, encarando a rua.

— Quem será a mademoiselle escolhida? - brinquei e Castiel voltou a me olhar com um riso divertido.

— Sua coleguinha de apartamento - respondeu tranquilamente, como se estivesse me falando do tempo.

— O QUÊ? - fiz um escândalo, chamando a atenção do ruivo do meu lado, das pessoas que estavam no ponto de ônibus e acho que até do cachorro da senhorinha que passava pela gente - Opa, desculpa - comentei, tampando a boca de repente. E logo depois tirei minhas mãos dela - A Ester? - sussurrei, olhando Castiel com os olhos arregalados.

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Ele sorriu meio de lado, divertido pelo meu susto.

— Ahhhhhhhhhhhhhhhh, meu Deus! - me manifestei e dessa vez, em voz baixa, colocando as mãos na boca com toda satisfação - Nem acredito - falei extremamente empolgada e Castiel me olhou, estranhando.

O meu shipp é real, gente! Beijos!

— Por que essa euforia toda? - perguntou com um rosto intrigado.

— Eu estava torcendo pros dois - comentei com um riso de canto a canto na boca.

— Tá dando uma de cupido agora? - perguntou sarcástico.

— Nem precisou, pelo visto - falei e ele riu de canto de boca.

Andamos alguns quarteirões, conversando sobre como deveria estar sendo aquele jantar. Era tão estranho como a conversa entre a gente parecia fluir. Mesmo entre ironias, sarcasmos e alfinetadas. Então Castiel soltou uma gargalhada, chamando minha atenção pra ele. Os cabelos semi presos e aquele sorriso escancarado que eu nunca havia visto... Eu não sei, mas algo estava diferente nele. Ou será que... sou eu? Simplesmente não sei responder. O que eu sei é que estar com ele me faz bem. Coisa estranhamente estranha se tratando de ser Castiel quem ele é, mas, tudo bem.

E enfiados em conversas, risadas e “elogios”, chegamos no lugar onde ia ser o show.

Só então é que fui ver que, na verdade, aquilo não era bem um show...

— O Encontro Regional de Motoqueiros? - perguntei animada ao ler a faixa em cima dos portões de abertura.

Ele me lançou um sorriso, começando a andar pra dentro do evento e eu ri ainda mais, acompanhando os passos dele.

Okay, vamos esclarecer as coisas: sempre quis ir num encontro desses.

Começamos a caminhar pela arena, onde várias pessoas estavam por ali conversando e exibindo suas “máquinas”. Observava cada detalhe daquele lugar, enquanto o meu álbum preferido de Evanescence tocava no fundo. Ai, meu Deus, isso é o paraíso.

Castiel ia mais à frente, caminhando devagar com a mão no bolso, cumprimentando um e outro com um aceno de cabeça. Me adiantei, andando apressada e fiquei ao seu lado, o encarando com um sorriso muito aberto estampado no rosto. Ele me olhou.

— Que é, garota? - perguntou parecendo irritado, mas eu via um resquício de sorriso brotar em seus lábios.

— Castiel, isso aqui é demais - comentei de maneira alegre, parecendo uma criança de tanta empolgação - Sério mesmo - complementei - Obrigada por me convidar - agradeci, enfiando as minhas mãos no bolso do jeans e continuando a olhá-lo com o sorriso.

Ele abriu seu sorriso clássico e tocou nos meus cabelos, bagunçando eles com os dedos. E eu ri com seu gesto, voltando a olhar pra ele quando senti que seus dedos pararam. Então ficamos nos olhando de uma maneira que... nem eu e nem ele havíamos feito antes. Senti os olhos de Castiel esquadrinhar meu rosto de repente e, por mais que eu tentasse tirar meus olhos do dele, não conseguia...

— Ora, ora... - ouvimos uma voz atrás de nós e nos viramos em um impulso - Se não é... o famoso Castiel?

Uma garota se aproximava com um sorriso descarado no rosto, enquanto se equilibrava no salto fino da sua bota.

Mas que é es...?

— Cindy - nem precisei perguntar. Castiel a chamou, abrindo também o sorriso dele. Sim, aquele sorriso.

A loira da calça de couro, camiseta branca, jaqueta marrom e batom vermelho escarlate parou na nossa frente, mascando seu chiclete.

— Então, ruivinho... - ela soltou entre uma mascada de chiclete e outra - Parece que descobrimos o motivo do seu sumiço - comentou com certa diversão, percebendo o braço quebrado de Castiel.

— Ah, acontece com os melhores motoqueiros - ele respondeu com suas típicas respostas egocêntricas e Cindy lançou um sorriso de lado.

— Fico feliz que nem isso te faça parar - ela completou com satisfação na voz.

— Como se eu pudesse - ele rebateu com um riso tão descarado quanto o dela.

Gente, alguém me atualiza: o que tá acontecendo aqui? Arqueei uma sobrancelha com aquela conversa e Cindy percebeu meu movimento, se voltando pra mim.

— E essa loirinha aí, quem é? - ela perguntou com um sorriso desdenhoso, enquanto me encarava de cima a baixo.

Então se virou pra Castiel, fazendo uma bola com seu chiclete.

— Saindo com universitárias de novo, ruivo? - completou, me fazendo arregalar os olhos de surpresa.

Quê?! Espera... QUÊ?!

Olhei pro Castiel no mesmo momento e ele virou o rosto pra mim, abrindo seu sorriso desdenhoso/meia boca/clássico.

— Não dessa vez - respondeu, voltando o rosto pra Cindy com um sorriso igual ao dela - Essa aqui é a Stelfs, minha vizinha - me apresentou.

É impressão minha ou esses dois parecem iguais?

— Humm - Cindy fez lançando um olhar pra cima de mim - Cindy - se apresentou.

Como se eu já não soubesse disso. A vontade que tive foi revirar os olhos. Mas me detive.

— Ninguém quis assinar seu gesso ainda não? - Cindy recomeçou o assunto com Castiel.

Ele riu, tirando o braço da tipoia e depois da jaqueta e encarou o gesso.

— Eu sei que você quer ser a primeira - o escutei oferecer e desafiá-la e a loira estourou a bola de seu chiclete.

Castiel sorriu, Cindy sorriu e eu fiquei ali, encarando os dois.

— Não ia perder essa oportunidade - escutei Cindy dizer.

E nos próximos segundos, ela tomou o braço engessado de Castiel e o beijou, marcando o gesso com o batom vermelho dela. Eu simplesmente fiquei estática, pensando no que seria aquilo. Castiel soltou uma gargalhada gostosa e olhou a marca dos lábios dela.

— Não esperava menos de você - soltou satisfeito, fazendo com que Cindy respondesse com um piscar de olho cúmplice.

Meu estômago parecia embrulhar a cada fala deles. Como eles são ridículos.

— Mas me conte... - a loira retomou a conversa, começando a andar e puxar Castiel pelo braço bom, levando-o com ela.

Eu olhei os dois se afastarem e fui atrás, parando ao lado deles. Cindy permanecia atada no braço de Castiel e os dois conversavam distraidamente, me fazendo parecer uma idiota ali. Olhei pros dois pra ver se eles se tocavam que estavam me deixando de fora da conversa, mas nenhum deles pareciam me notar. Bufei, ficando com raiva disso.

Será que... eu tô sobrando por aqui?

Esses pensamentos me atropelaram de súbito. E eu parei.

Eu acho que... eu tô sobrando aqui.

E de repente senti um peso no estômago. Como eu não havia percebido o papel de trouxa que eu estava fazendo até agora?

— Ei, garota, - escutei Castiel me chamar a uma distância considerável, enquanto olhava pra mim - Anda logo ou vai se perder - Cindy havia soltado seu braço, mas continuava perto dele.

Ergui meu olhar pros dois. Se ele quer ficar com ela, não sou eu que vou atrapalhar.

— Castiel, eu vou pra casa - respondi, tentando parecer uma resposta casual, mas a verdade é que sentia algo estranho dentro de mim.

— Quê? - ele retornou, vindo na minha direção.

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O vi se aproximar muito rápido, sem tirar os olhos de mim. Mas Cindy continuou parada lá.

— Que história é essa? - perguntou com uma preocupação na voz que eu nunca havia visto.

— É sério - comentei, tentando desviar meu olhar do dele e cruzei os braços.

Mas que diacho de sentimento é esse dentro do meu peito?

— O tempo tá meio feio - olhei pro céu, vendo o quanto ele estava fechado mesmo - E provavelmente vai chover - um trovão estourou bem no momento em que falei e ri, apontando pra algum lugar aleatório como se dissesse: “eu tenho razão” - Tá vendo - comentei e voltei a olhar Castiel.

— E a gatinha tem medo de água? - ele me alfinetou, sorrindo daquela maneira de sempre, mas dessa vez não quis rebater.

Eu só queria sair dali.

— É, eu não quero me molhar - disse séria e ele se espantou por não ter respondido à sua ironia - Tchau, Castiel - me despedi de repente, tentando fugir daquela conversa que não ia me levar a nada.

Meu cérebro parecia que ia enlouquecer. Eu não queria dizer a ele os motivos de eu estar indo embora. No mínimo, ele riria de mim. Além do mais, saber que ele preferia estar com ela que comigo... me atingiu mais que eu esperava.

Me virei e comecei a andar na direção contrária com as mãos no bolso, quando ele me segurou pelo braço.

— Stefany - chamou meu nome e me voltei pra ele, sentindo seus olhos cinzentos sobre mim.

— Castiel, por favor - disse, começando a ficar nervosa com aquilo - Eu só quero ir embora - falei, suplicando com o olhar - Tá tão difícil assim? - ironizei, percebendo que minha raiva começava a transparecer.

Ele ficou em silêncio por alguns segundos, me encarando. E só então soltou meu braço.

— Se é isso que você quer - disse irritado, deixando seu braço pender do seu lado - Let it go - me indicou a saída com a mão.

Eu não vou ficar aqui.

— Obrigada - agradeci, sentindo que o clima entre a gente parecia estranho.

Na verdade, essa noite parecia estranha.

Dei as costas pra ele e caminhei rápido pela arena, me desviando aqui e ali das pessoas que apareciam na minha frente. Escutei outro trovão alto e me assustei. Tentei andar mais rápido, esticando as mangas da minha blusa e as prendendo entre os dedos com força.

Droga, Castiel. É assim que você faz com seus amigos? Trocam eles por qualquer uma que apareça por aí?

Suspirei.

Então comecei a sentir gotas sobre mim.

Que maravilha.

Cruzei os braços, me encolhendo, enquanto elas se tornavam mais espessas e constantes, começando a me molhar. Iniciei uma corrida, saindo pelo portão do evento.

Por que eu tô me preocupando com isso?

Andava pela rua com impaciência, enquanto a chuva caía sobre mim com violência. Meus cabelos começaram a encharcar, escorrendo as gotas de água pelos meus ombros e descendo até a blusa, molhando ela toda. Apertei os braços ainda mais no meu colo e abaixei a cabeça, sentindo a água descer por meu rosto.

Castiel não tinha direito de me deixar no vácuo. Ele não podia ter me largado assim, tão fácil. Mas, do que você tá reclamando, Stefany? Você é SÓ a vizinha legal e tapa buracos dele. É isso que você é. É isso que você sempre será.

Senti meus olhos se encherem de água. Eu estava inteiramente molhada. Mas não era por isso que eles se encharcavam. Tirei o cabelo da cara, jogando ele pra trás, enquanto rezava pra chegar bem em casa. Virei a última esquina que tinha, me aproximando da portaria do prédio.

Mas o que você esperava, hã? É o Castiel, afinal de contas.

Subi as escadas da portaria em um atropelo e passei reto pelo Jonh (o porteiro), preferindo subir as escadas de emergência. Eu não queria que ninguém me visse assim. Puxei a porta, fechando-a logo atrás de mim e comecei a subir os degraus, sentindo as lágrimas correrem pelo meu rosto.

Castiel não é maior de idade e “vacinado”? Ele não é livre pra ficar com quem ele quiser? Então...

Segurei meus próprios braços com força, enquanto corria, da maneira que meu corpo deixava, escada acima.

Por que isso me machuca tanto assim?

— Stefany? - escutei meu nome ser chamado por aquela voz que eu conhecia.

Droga. O que você tá fazendo aqui? Só... me deixa em paz!

Continuei subindo os degraus, chegando na segunda leva deles. Ouvi passos ecoarem atrás dos meus e senti meu coração acelerado por isso.

Vai embora, Castiel. Eu não quero conversar com você.

Nesse momento, eu já não consegui disfarçar meu choro. Ele simplesmente brotava de dentro de mim, de modo que muitas lágrimas caíam sem mesmo que eu percebesse. Ai, que saco. Chorar logo agora?

Por que isso me machuca assim?

Pisei no encontro entre as duas levas de escadas, me preparando pra subir o próximo, quando senti meu braço ser segurado com força. De novo.

Por quê?

Minha respiração deu uma súbita parada no momento em que meu corpo, em um solavanco, se virou com tudo pro Castiel. E seus olhos caíram sobre os meus. Mais uma vez. Sua respiração arfante, os cabelos molhados, a jaqueta amarrada na cintura e salpicada de água, a camisa colada em seu corpo e o gesso derretido pelo banho de chuva.

Ah, não...

Me olhava em um misto de irritação e preocupação. Olhos aflitos e confusos.

... Eu havia me apaixonado pelo Castiel.

E um barulho alto de estouro se fez. Depois disso, tudo escureceu.