Kaidan 2068 - Contos em Cyberpunk

Renascido em alta velocidade


Algumas vozes discutem baixinho. Estão mexendo em alguma coisa, tentando quebrar algo bem resistente, mas o ambiente escuro não permite ver o que é.

Vocês podem me chamar de Ben... Hoje eu atendo por esse nome.. — O som da voz rompe o silêncio do estacionamento escuro em alguma cidade subterrânea próxima à costa. Os ideogramas japoneses quase totalmente ocultos, pela falta de iluminação, entregam pelo menos essa informação.

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O som de um fósforo riscando leva o olhar a se aproximar do clarão inflamado por ele. Por um curto instante a figura é revelada, o rosto coberto por um o gorro felpudo de um casaco escuro, a feição cansada de alguém que já entrou em muita confusão.

Barba por fazer, a cicatriz no olho direito, e a chama ardendo em seus olhos.

Um trago longo. Apenas a ponto flamejante do cigarro se mantem visível.

O sutil som do assopro da fumaça se destaca em meio ao silêncio.

Mas.. — Um curto movimento seguido da brasa ficando várias vezes mais incandescentes.

Se vocês continuarem a mexer na minha moto vão conhecer o nome que eu carregava no passado.. — Falou com a voz presa, terminando por expelir a fumaça que retinha dentro de seu corpo.

Sons de correntes e do que parece algo pesado batendo no chão ecoam no estacionamento escuro.

Isso facilita a vida pá nois tio— Falou alguém de forma jocosa e debochada.

Agente vai te arrasta nessa moto, pesco?— Outra voz, um pouco mais grave, ameaça.

—--

Alguns minutos depois dois seguranças entram correndo no local, que tem, por sessões, suas luzes acesas.

Ei!— Grita um deles.

Pare de bater nesses caras!— Exige o segundo.

A figura encapuzada socava repetidamente um homem com aparência oriental, que parecia não estar mais acordado. Ao seu lado, outro rapaz com a mesma aparência se contorcia de dor, enquanto segurava com uma das mãos, a outra, que parecia estar virada ao contrário.

Ben olha para o lado, deixando apenas uma pequena parte do seu rosto a vista, o suficiente para os seguranças repararem em um sorriso um tanto quanto perturbado.

Um último soco, e o corpo do delinquente cai no chão feito bosta.

Você ia mata-los!—O segurança mais baixo grita.

Matar? Você sabe que se eu quisesse matar, eles já estavam mortos, né seu guarda?!— Agora era Ben que usava o tom jocoso dos delinquentes.

Coma iluminação ligada era possível ver o rosto de Ben, que assim como todos ali, entre acordados e desmaiados, era oriental. Olhos escuros, cabelo comprido e bagunçado, que se misturava com o capuz felpudo, como se fossem feitos de pequenas penas.

O segurança mais alto, e um pouco gordo, saca uma espécie de pistola.

Ben sabe que aquilo ali é taser, já viu muitos daqueles.

Não me obriga a usar isso, cara.. — Falou relutante.

Ben fica de frente, revelando que apenas traja o sobretudo com capuz, uma calça jeans surrada e um par de coturnos. Ele está sorrindo orgulhoso do que fez, mas mostra que não pretende oferecer perigo, erguendo os braços.

O segurança baixo vai se aproximando com cautela, as luzes piscam, e tanto ele quanto outro se assustam, recuando.

Vira de costas e encosta na moto!— Grita o que tinha sacado a arma não letal.

Era o que o motociclista queria. Nas costas o escudo de sua antiga casa, os Noventa e Nove Demônios.

Porra!— Os seguranças exclamam em unisono.

É rapaziada, agora que vocês já viram, ta na hora deu ir — Fala Ben, um segundo antes das luzes da moto de três eixos ligarem sozinhas, fazendo barulho e iluminando poderosamente todo o lugar.

A dupla da segurança se assusta, e seus olhos são ofuscados.

Não conseguem ver nada por alguns momentos, mas podem ouvir em alto e bom som, o barulho do potente motor da moto acelerando e levando o motociclista para longe dali.

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Do alto a moto pega uma autovia vazia pelo tarde horário da noite, deixando pra trás um rastro vermelho, enquanto cruza o asfalto negro.

Cada vez mais próximo, é possível ver o sobretudo se debatendo graças à alta velocidade, o cabelo sendo jogado furiosamente para trás, e um par de óculos de proteção, impedindo que o vendo cegue o motociclista.

Visto de frente, a forma da moto é perfeita para cortar o vento, fazendo atingir grandes velocidades.

"..É bom pensar nos velhos tempos.."

Em alta velocidade Ben ergue seu tronco, saindo da posição semi deitada que a moto exige.

"..Me faz sentir mais vivo.."

Ele abre os abraços para sentir a velocidade.

"..Me faz lembrar de como eu sou de verdade.."

E então tira com cuidado seus óculos de proteção.

"..Um monstro, solto num mundo monstruoso.."

Abre os olhos lentamente, só vendo os vultos que a alta velocidade faz com que a cidade a sua volta pareça.

"..Um dos Noventa e Nove Demônios.."

E então ele começa a gritar com toda a força que seus pulmões permitem.

A porra de um demônio!— A voz transmite ódio, fúria, angustia e força.