Inquebrável

Family Tree


POV AUTORA

Rose caminhou pelo corredor e se deu conta de que era a única pessoa por ali. Olhou bem para aquela capela e para a maçaneta, cor de ouro, da porta. Respirou fundo e engoliu a seco.

Ela nunca foi muito religiosa como Janine era, mas ainda sim, conseguia ir a uma ou duas missas de vez em quando. Ela se escorou na parede e continuou olhando para os vidros da porta. Tinham grandes anjos de olhos azuis e asas brancas.

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— Quer ajuda para entrar? – perguntou um garoto, atrás de si. Rose virou-se tentando fungar e parecer normal, mas ela apenas deixou para lá.

Seus ombros relaxaram e ela sorriu para Adrian.

— Olá, Adrian. – disse, voltando a escorar-se à parede.

— Olá, bebê. – disse ele, sorrindo. Suas mãos estavam no bolso da sua calça de linho cinza e ele tinha um suéter azul marinho. Ele tirou uma das mãos do bolso, por poucos segundos, e ajeitou seu cabelo preto desgrenhado, em sinal de respeito.

Rose suspirou novamente.

— Tia Rhéa pediu para que eu viesse ver como você estava. – disse ele.

— Eu sei. – disse Rose, com a voz levemente rouca. – Eu estou bem. – mentiu.

A garota tinha seus cabelos presos em um rabo de cavalo desgrenhado, com uma calça jeans surrada e uma blusa azul de dois dias atrás completamente amarrotada.

— Posso te contar um segredo? – perguntou, ainda de pé, fitando-a.

Rose olhou de volta, para os olhos sedutores de Adrian e assentiu.

— Se está aqui sozinha é porque quer. – disse ele. – Não importa o quanto fuja de nós, nós sempre vamos encontrar você.

Rose engoliu a seco, sentindo seus olhos queimarem com possíveis lágrimas que ela andou relutando para não deixar escapar. Adrian conseguiu um resquício de sorriso de Rose e por fim, ela mordeu os lábios.

Rose tinha corrido para este lado do hospital depois de sua mãe sorrir para ela e pedir que cuidasse do que lhe foi reservado. Rose pensou por alguns segundos ter sido a herança e todo seu legado. Mas não era isso, era algo bem maior.

Então, como se o tempo parasse, as mãos de sua mãe escorregaram por seu braço tremulo e ela se foi. A máquina que estava ligada a ela, gritou. Assim, como Rose e a Tia Rhéa.

Depois de tudo parecer nublado, Rose fugiu para que não conseguisse escutar mais nenhum lamento de alguém e parou na frente de uma pequena capela em um dos corredores frios e com cheiro de gaze.

Mas não conseguiu entrar. Ela nunca ia conseguir entrar. Não depois do que tinha acontecido. Não depois de ser estraçalhada daquela forma. Rose então, respirou fundo e caminhou até Adrian.

Esquecendo aquela droga de bloqueio que a deixava com o dobro da dor.

***

POV ROSE

— Isso é tão confuso. – murmurei, enquanto enrolava o macarrão no garfo.

— Eu sei. – disse Dimitri, colocando a salada em seu prato. – O que vai fazer?

— Sei lá. – murmurei, largando meu garfo no prato. – Eu não quero que você se meta mais nessa história. Não sabemos com quem estamos lidando, sabe. Eu quero descobrir minha história, mas não prejudicar pessoas no caminho.

— Eu não estou sendo prejudicado, Rose. – disse ele. – Eu quero te ajudar. Vou pedir uma investigação. Nomes nos aeroportos nas últimas semanas e hospedagens de hotéis. Vamos acha-lo, Roza.

Eu assenti para Dimitri, enquanto mordia a boca.

Não sabia se queria acha-lo. Eu queria minhas respostas, mas tinha medo de cada uma delas. Talvez, eu não fosse o que ele queria.

Mas e aquela noite na boate? Ele me olhava como se tivesse achado algo que procurou por muito tempo. Ele tinha os mesmo olhos, o mesmo tom de pele e a mesa cor de cabelo. O que ele era?

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Eu respirei fundo e voltei a remexer minha comida.

— Sem fome? – perguntou Dimitri, depois da primeira garfada. – Vamos encontra-los, Roza.

— Talvez nem precise de muito esforço, camarada. – falei, fitando-o. Tentando parecer segura de mim. – Ele vai vir até mim.

***

Três batidas na porta me fizeram pular de mais um pesadelo.

Nesse, eu corria de alguém e não sabia para onde eu ia. Eu só queria correr e não olhar para trás. Seria a minha realidade me perseguindo?

Abri meus olhos, enquanto mais batidas delicadas sucediam à minha porta. Levantei devagar e coloquei meus chinelos. Assim que abri a porta, Lissa estava lá – com seu hobbie rosa e seus cabelos em um coque frouxo.

Ela sorriu.

Eu agradeci por ser ela – pelos shorts curtos e pela blusa regata de Mickey. Esse apartamento estava mais frequentado que o hospital no qual eu trabalhava. Eu sorri para Lissa, sem nem me importar com meus cabelos para o alto.

Como ela conseguia acordar tão plena?

— Bom dia. – disse, empolgada.

— Como consegue ser tão animada de manhã? – perguntei, indignada.

Ela sorriu.

— Eu cheguei agora. – disse, mexendo a cabeça para que eu a acompanhasse para a sala. – Tomei outro banho e tenho a agenda cheia.

— Sorte minha, que a minha cama é meu único compromisso. – murmurei, enquanto fechava a porta e ia em direção à sala com ela.

Lissa sorriu fraco e eu desviei para o banheiro – para fazer minha higiene matinal. Depois de prender os cabelos em um rabo de cavalo, eu finalmente fui até o sofá e me joguei como se não houvesse amanha.

Lissa estendeu uma xícara lilás com café para mim e sentou-se na banqueta, pegando sua xícara rosa. Ela parecia animada, enquanto eu estava totalmente cansada e louca para voltar para cama.

— Está animada com o que? – perguntei, bebericando o café.

— Com as nossas compras. – disse ela. – Eu preciso de lingeries novas para a lua de mel.

— O casamento é daqui a dois meses. – murmurei. – Pode comprar na semana do grande dia.

— Não. – assustou-se ela, como se o que eu falasse, fosse uma coisa horrível. – Eu preciso mesmo comprar algumas. Talvez testar a qualidade antes.

Eu sorri, quando ela sorriu maldosa.

— Boa sorte então. – falei.

— Você vai comigo. – disse ela. – Comprar umas também.

— Para seduzir meus pacientes com nove anos? – murmurei.

— Por quê, não?

Eu sorri.

— Me troco em meia hora. – murmurei, enquanto me levantava. – E fique a vontade para fazer mais café, vou precisar da jarra toda.

— Engraçadinha. – murmurou ela, enquanto eu sorria.

Caminhei até meu quarto e coloquei a xícara, já vazia, em cima da minha estante. Fui até o banheiro e me despi lentamente, para tomar um longo banho relaxante. Senti a água quente cair por minhas costas, depois por minha cabeça e então, eu quase voltei a dormir. Precisava tanto de boas e longas noites de sono, que não me importaria em começar pelo chuveiro.

Andei até meu quarto e escolhi uma calça jeans preta com uma blusa regata branca. Coloquei um cardigan longo e colorido por cima e logo em seguida, meus anéis e um cordão simples. Escolhi brincos pequenos e engatei em uma botinha marrom.

Fiz uma maquiagem leve e um coque frouxo. Sabia que Lissa ia rodar todas as lojas possíveis.

Quando cheguei à sala, Lissa tinha um vestido azul clarinho de gup's jeans evasê Curto com Renda. Romântica, como sempre. –pensei.

Andamos até o carro, depois de sair do elevador e começamos uma saga para procurar lojas com lingeries decentes para uma lua de mel. Lissa, pela primeira vez, experimentou cores fortes e se pegou amando cada uma delas.

E depois de sete lojas, finalmente, eu me permiti sentar. Essa não era muito grande e não era em shopping. Foi até difícil de achar, apesar de ser bem no centro da cidade. Estacionamos o carro em frente à loja e por fim, eu me joguei no sofá perto dos provadores.

Tinha uma decoração rústica – as paredes com tijolos tinham luminárias pretas, com uma luz bem forte. Uma menina morena nos trouxe suco de laranja e eu fiz questão de aceitar, enquanto Lissa se embolava com mais e mais lingeries.

Acomodei-me ao sofá, pensando em quantas nós já tínhamos comprado e em quantas ela ainda poderia comprar. Lissa abriu a cortina vinho do provador e sorriu.

Ela estava com um conjunto sem bojo em Renda, com tiras e calcinha toda em renda. Eu sorri.

— Quente. – murmurei, ainda olhando-a. Lissa sorriu e em seguida, colocou as mãos à cintura.

— Acha que ele vai gostar? – perguntou, animada.

— Sim. – falei. Observei-a novamente e mordi a boca. – Acho que te falta algo?

— O que? – perguntou, parecendo nervosa.

— Meias. – falei. – Meias pretas, talvez. – levantei-me do sofázinho e sorri para ela. – Eu já volto.

Lissa fechou novamente o trocador e eu caminhei até a entrada da loja. Desci o pequeno degrau que separa a área que estávamos da frente da loja. Tinham paredes de vidro e a iluminação do dia.

Sorri para uma das atendentes loiras com roupa preta e caminhei até as partes de meias. Tinha que achar algo legal para uma lingerie tão elegante.

Senti o olhar quente de alguém sob aquela parede de vidro que dava para o lado de fora da loja. Por alguns segundos, eu me peguei curiosa e olhei para o lado. Os carros passavam de pressa e as pessoas caminhavam naturalmente.

Talvez nem fosse nada. Talvez fosse a minha consciência me dizendo que eu era uma virgem na casa dos vinte, que estava escolhendo a melhor meia para seduzir alguém.

Peguei a primeira meia que vi pela frente e andei em passos largos até o fundo da loja onde tinham os trocadores. Entreguei para Lissa e sentei-me novamente.

Será que tinha alguém me vigiando? Será que meu pai era essa pessoa?

***

Joguei a prancheta em cima do balcão e Lizete sorriu para mim. Ela era a nova recepcionista e estava confusa com a quantidade absurda de exames e cirurgias para autorizar. Eu sorri novamente para ela e respirei fundo.

Meu plantão tinha começado há umas duas horas e a única coisa que eu fiz na minha folga foram comprar coisas do casamento com Lissa e pensar estar sendo vigiada.

— Tem mais dois pacientes para você, Rose. – disse a loira. Ela arregalou seus olhos castanhos, que contrastavam com seu terninho azul escuro. – Não parecem ser graves.

Eu respirei fundo, novamente.

— Eles nunca são. – falei, depois de dar-lhe uma piscadela. – Qual é o Box?

Lizete me estendeu uma folha e eu peguei para fixa-la na prancheta.

— Se eu não me engano, é o quarto.

Eu conferi mais uma vez, e ela estava certa. Sorri para a loira e comecei a me afastar, lenta e cansada, com saudade do gosto que a cafeína tinha e do que ela me proporcionava.

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— Até! – falei para Lizete, em um tom mais alto, por estar a uma distancia considerável.

Comecei a caminhar pelo hospital, cumprimentando outros colegas. Pensei, pelo caminho, em falar com Alberta mais uma vez sobre meu pai e que ele poderia estar me seguindo. Que ele poderia ser perigoso.

Mas ela ainda parecia relutante em falar sobre o assunto, e admito que aquilo me irritava. Eu sabia que o segredo não era dela, mas agora, não era segredo. Poderia ser minha segurança ou meu futuro.

Eu precisava de uma verdade logo.

Abri a porta do quarto Box do corredor do segundo andar do hospital e sorri para o homem sentado em cima da maca fixa com balcão. Ele tinha olhos esverdeados e uma pele bronzeada, apesar de parecer um pouco pálido. Tinha olheiras e uma respiração cansada. Fitei-o com mais atenção.

Ele tinha suas mãos em cima das pernas e uma postura perfeita. Estava com um suéter azul marinho e uma calça de linho preta. Tinha um relógio, aparentemente caro em um dos pulsos e os cabelos pretos e espetados, brilhosos e macios.

Por um momento, ele me olhou como alguém que eu conhecia muito bem. Alguém que sempre virava o rosto quando tinha que me contar algo difícil. Engoli a seco, piscando para afastar lágrimas quentes.

— Eu... – comecei, ainda sem conseguir ter uma voz firme. Eu pigarreei. – A não ser que você seja considerado criança, eu não poderei atender você.

O garoto moreno sorriu, ainda que fraco. Ele tinha os olhos esverdeados brilhando. Pude ver um franzido rápido em seu nariz, assim como eu costumava fazer quando ficava sem-graça.

— Isso não é uma consulta... – disse, com sua voz calma. – Apensar de precisar de uma.

Arregalei meus olhos por um momento breve e voltei-me novamente para a ficha dele. Lá estava escrito seu nome, endereço, telefone e todos os dados. Inclusive o nome do pai. Fechei meus olhos, enfim. Absorvi toda a informação dada em um curto período de tempo e agarrei-me àquela prancheta como se fosse um escudo.

Voltei para o garoto novamente e senti aquela sala ficar quente, apesar de todos sempre congelarem com o frio deste hospital. Senti-me sem ar também, mas fui boa em esconder isso. O garoto sorriu ainda mais.

E eu pigarrei novamente.

— Ethan... - murmurei. – Ethan Mazur.

O menino tinha um porte forte e provavelmente uma vida esportiva ativa. Ele me olhou e se levantou da maca, com um pouco de dificuldade. Parecendo mesmo fraco.

— Olá, Rose. – falou. Eu senti minhas pernas falharem, mas me mantive firme.

— Ethan... – repeti seu nome, tentando me acostumar com o som ou com o nível de familiaridade que teria em minha vida de agora em diante.

— Sim. – disse, com um semblante divertido.

O garoto respirou fundo como se fosse um sacrifício e caminhou até uma cadeira de madeira que ficava próxima a minha. Ele sentou-se novamente e assentiu para que eu fizesse o mesmo, mas eu fingi não perceber.

— Não vai sentar? – perguntou.
— Não... – respondi, ainda fitando-o. Mordi a boca. – Quer dizer... Eu... – pigarreei, escorando-me à porta. – Eu gosto desse lado do consultório. – gaguejei.

— Eu sei que é estranho. – disse ele. Ele sorriu, parecendo surpreso. – É mais esperta do que eu pensava. – ele sorriu. – Achei que fosse ter que me explicar bem mais do que estou fazendo.

Eu respirei fundo, fechando meus olhos.

— Você tem os olhos dela. – murmurei, sentindo aquelas palavras queimarem minha garganta.

Ele sorriu, parecendo feliz.

— Como me achou? – perguntei. – Vocês me vigiam?

— Sim. Mas não tenho orgulho disso. – disse ele. – Na verdade, não me orgulho de estar conversando com minha irmã pela primeira vez e de, ela estar com medo de mim.

— Medo não é necessariamente a palavra. – retruquei.

Ele sorriu fraco. O mesmo sorriso que o da mamãe.
Eu me vi petrificada por alguns segundos. Ele tinha o sorriso dela, o que fazia com que sua covinha aparecesse no processo. A mesma covinha que a dela.
Senti os olhos de Ethan em mim e eu me desencostei lentamente da porta. Caminhei até ele e puxei minha cadeira. Sentei-me nela, como se fosse uma criança prestes a levar bronca e mordi a boca.

— Você é mesmo meu irmão, não é?

Ethan assentiu e seus olhos eram mais dela, do que eu pensei.

— Espero não ter perdido todas as brigas para preservar sua virtude? - perguntou.

Eu sorri, sentindo lagrimas queimarem meus olhos.

— Acredite em mim, minha virtude ainda está bem, obrigada! – brinquei, enquanto puxava ele para um abraço.

Ethan retribuiu e ficamos ali. Não sei por quanto tempo. Mas apesar de qualquer outra coisa, eu teria minhas repostas e alguém com quem compartilhar minha vida familiar.

Eu não era mais uma garota solitária. Eu tinha encontrado o que tanto procurava sem saber como encontrar. Finalmente, eu me sentia segura.
Aquele vazio não me doía mais.