O Garoto da Calça Rasgada
Capitulo 3
Algumas semanas se passaram sem qualquer tipo de contato com Nathaniel. Apesar de me sentir um idiota por não ter coragem, eu também acabei o esquecendo graças a uma garota recém-chegada chamada Priya. Ela era tão bonita que eu levava algumas cutucadas na costela para parar de encará-la. Precisava dizer que ela virou um novo amor platônico?
Foi sorte ela ter caído na nossa sala, e mais ainda por Gabrielly ter sido a primeira a puxar assunto, e assim conseguimos mais um integrante para o grupo. Além de bonita, ela era interessantíssima, inteligente e falava sobre qualquer coisa. Eu ficava quase hipnotizado quando conversávamos, e aparentemente ela gostava de ter aquela atenção.
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Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!Como de costume, esperamos Armin no corredor, e Nathaniel saiu primeiro e ficou na porta. Não me dei ao trabalho de saber se ele estava mexendo no celular ou fazendo qualquer outra coisa.
Armin chegou e me despedi de meus amigos. Andamos rumo à sala, e só quando entramos é que percebi que Nathaniel não estava com o celular.
Tirei meus materiais da mochila e a professora começou a anotar a matéria na lousa.
— Me empresta uma caneta, Castiel?
Parei com a caneta na folha, sem ter certeza se ouvi direito, já que foi um sussurro. Erguendo a cabeça, encontrei Nathaniel me encarando, virado na cadeira na minha direção. Estranhei, mas procurei uma caneta em meu estojo e entreguei a ele.
— Obrigado — agradeceu, sorrindo, e se arrumou no lugar.
Por que ele não pediu para o amigo dele, Kentin, ou Armin? Estranho.
Tinha sido a primeira vez em que eu o olhei diretamente nos olhos. Eles tinham uma cor de caramelo claro. Sua expressão amistosa não saiu da minha cabeça.
Após o término da aula, ele me devolveu a caneta e agradeceu de novo, e daquela vez não correu para ir embora. Guardou as coisas na mochila com a mesma preguiça que eu sempre tinha, como se imitasse meu ritmo.
Não nos falamos de novo, e eu saí da sala primeiro. Fui para a casa pensando naquilo, e me lembrei de que teria que fazer compras. Apenas troquei de roupa, coloquei ração para Dragon e fui ao supermercado. Não comprei exatamente tudo o que eu precisava, já que não aguentaria levar tantas sacolas, e o processo levou menos de uma hora.
Passei pelo parque na volta, e um movimento, atrás de uma árvore, chamou minha atenção. Um par de All Stars imundos balançando no chão. Parei, pensando se devia checar. E se fosse Nathaniel, o que eu falaria? Se ele estava ali, sozinho, provavelmente era porque não queria companhia, não?
Mesmo cheio de dúvidas, circulei a árvore, de fato encontrando Nathaniel, de olhos fechados, com algumas manchas vermelhas no rosto e um corte no lábio inferior. A cena foi tão chocante que eu reagi automaticamente, chegando mais perto.
— Nathaniel?
No mesmo instante, ele abriu os olhos e me encarou, como se levasse um tempo até me reconhecer.
— Castiel? O que tá fazendo aqui? — perguntou, franzindo o cenho.
— O que você tá fazendo aqui? Andou brigando?
Ele deu uma risadinha irônica.
— Por aí.
— Por quê?
— Tentaram me roubar. — Deu de ombros, como se fosse a situação mais comum do seu dia a dia.
— Você tá bem?
— Sim. Alguns socos na cara não são suficientes pra acabar comigo.
Apesar da pose, ele parecia exausto.
— Por que não vai pra casa?
— Se eu for pra casa assim, meu pai me deserda. Não que eu me incomode com isso. — Ele passou a língua pelo machucado e fez uma leve expressão de dor, que logo tentou conter.
— Não tem outro lugar pra ir?
— Não.
Observei seus machucados, imaginando o quanto deviam estar doendo. Só gelo ajudaria na sensação.
— Vem, eu vou te ajudar. — Deixei as sacolas no chão e estendi a mão direita em sua direção.
— Eu não pedi sua ajuda — afirmou, desviando o olhar.
— Não perguntei se você quer — respondi no mesmo tom.
Nathaniel riu, mesmo que não tivesse um pingo de graça.
— Não quero sua ajuda — reformulou, estranhamente em um tom gentil.
— Se não pode ir pra casa, vai fazer o quê?
Ele observou o parque por alguns segundos, suspirou e me encarou novamente.
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Por que tanta teimosia? Ele não ia morrer se aceitasse ajuda.
— Anda logo, não tenho a noite toda. Meu cachorro tá me esperando.
— Você tem cachorro? — Nathaniel riu.
— Qual o problema?
— Nenhum. — Suspirou e levantou, se apoiando na árvore. Assim que ficou de pé, colocou uma mão na barriga e se curvou levemente para frente.
— O que foi?
— Levei um soco no estômago. —Deu um sorrisinho. — Isso dói.
— Vai aceitar minha ajuda? — perguntei, começando a achar que ele era maluco.
Ele me olhou, considerando.
— Só porque preciso levar meu rosto.
— Que seja. — Peguei as sacolas de volta. — Vem.
Nathaniel me seguiu em silêncio, parecendo cansado e com dor demais para falar alguma coisa. Abri o portão de casa, o deixei passar e entramos. Dragon estava fazendo sua festa, mas parou ao notar que eu não estava sozinho e encarou meu convidado com extrema atenção. Deixei as sacolas do mercado em cima da mesa da cozinha.
— Uau, ele é enorme — comentou Nathaniel, impressionado. Ele estava com medo ou era impressão minha?
Antes que Dragon ameaçasse rosnar, o peguei pela coleira e o prendi na lavanderia. Não era justo, mas eu gostaria de evitar mais machucados. Ele ficaria lá até se acostumar com o cheiro do visitante.
— Você mora sozinho? — perguntou Nathaniel da cozinha.
— Tecnicamente, sim — respondi assim que voltei. — O banheiro fica na segunda porta do corredor.
Ele acenou brevemente e foi até lá.
Comecei a guardar as compras em seus devidos lugares. Quando acabei, ouvi um barulho estranho, mas que me era familiar, e fui até o corredor. Com surpresa, percebi que era o chuveiro.
— Quem te deu permissão pra tomar banho?! — berrei, batendo na porta do banheiro.
— Eu tava muito sujo — respondeu Nathaniel, simplesmente.
— Você devia ter pedido!
— Tenha um pouco de consideração por quem apanhou de três caras, vai.
Parei com o punho encostado na porta, assimilando a informação. Ele não tinha especificado quantas pessoas tentaram o assaltar, e imaginar três marginais para cima dele era de cortar o coração. Por mais que ele pudesse saber se defender, não teria como. Não era justo.
Soltei um suspiro e voltei à cozinha, pensando se devia tentar conversar com ele sobre aquilo. Ele não parecia ser alguém fácil de se lidar, ainda mais sabendo que sua teimosia era grande a respeito de problemas. Enquanto isso, decidi começar o jantar.
Cinco minutos depois, escuto a porta do banheiro ser destrancada e Nathaniel apareceu na cozinha, vestindo somente as calças e com a toalha sobre a cabeça, esfregando os cabelos para secá-los, o que me fez sentir o cheiro automaticamente.
— E você ainda usa o meu shampoo. Não tem como ser mais folgado, não?
Ele deu um sorriso torto.
— Foi você que ofereceu ajuda.
— Oferecer ajuda é uma coisa, você ir tomando banho sem pedir é outra. — Me virei de volta para o balcão, querendo parar de observá-lo.
— Eu realmente tava muito sujo, tá? E eu nem demorei. Pago sua conta de água, se quiser.
Balancei a cabeça em negação e continuei a trabalhar. Uma das cadeiras da mesa foi arrastada.
— Aquela sua amiga nova, a morena... Vocês estão ficando?
Aquela pergunta me pegou de surpresa.
— Não.
— Mas você gosta dela?
Minhas bochechas esquentaram e abaixei mais a cabeça, sabendo que estava corando.
— Não.
— Então por que ficou vermelho? — perguntou Nathaniel, com humor na voz.
— Porque eu não gosto de falar da minha vida pessoal.
Ele riu e levantou, indo encostar no balcão ao meu lado.
— Quer ajuda? — indagou despreocupadamente. Nem parecia que tinha levado uma evasiva.
— E você por acaso sabe cozinhar?
— Posso não ser um chef, mas sei me virar.
— Ferver água não é saber se virar. — E ele gargalhou, mesmo eu tendo usado um tom irritado. — Por que perguntou da Priya?
— Por nada. — Deu de ombros. — Isso tem um cheiro muito bom, o que é?
— Comida — falei, mexendo o conteúdo da panela com uma colher.
Nathaniel fez um bico, o que o fez parecer uma criança, com a toalha na cabeça. E assim que pensei aquilo, ele puxou a toalha e jogou os cabelos para trás com a mão.
— Espero que meu cabelo fique brilhoso igual o seu. As meninas adoram meu cabelo, sabe?
Meu cabelo era brilhoso?
— Ah, é? — perguntei, desinteressado.
— Uhum. Até que você fica bem de cabelo grande. Combina com você. — Nathaniel pegou uma pequena mecha de cabelo entre os dedos, como se o analisasse.
As pontas dos meus cabelos estavam próximas da base do pescoço. Eu nunca fui desleixado com ele, sempre cuidei muito bem e recebia elogios com certa frequência, mas nunca me importei muito. Então por que aquelas palavras me fizeram corar?
— Sai, invejoso. — Empurrei sua mão, de leve, para longe. Eu até poderia ter gostado do contato, mas nunca dei liberdade a ele.
Ele riu, achando graça, e se afastou.
— Melhor eu ir.
— Não vai comer? — indaguei, desacreditado.
— Não. Melhor ir pra casa... — Nathaniel foi até o banheiro e voltou com o resto de suas roupas. Calçou os sapatos e vestiu a blusa. — Dá pra ver alguma mancha de sangue? — Indicou sua camiseta.
Analisei a peça, sem encontrar nada.
— Não.
— Beleza. — Puxou novamente o cabelo para trás, parecendo incomodado com o jeito que os fios lhe caíam sobre a testa. — Deixei a toalha no banheiro.
— Tudo bem... Tem certeza que não quer ficar pra comer?
— Tenho sim.
Acompanhei Nathaniel até o portão, e ele parou na calçada, aparentemente sem jeito.
— Hmm... Obrigado — agradeceu rapidamente, de olho no chão.
— Por nada.
Nathaniel me deu um rápido sorriso e saiu andando. Talvez ele tivesse dificuldade em demonstrar sentimentos.
Fechei o portão e entrei, indo soltar Dragon, pensando em quão estranho tudo aquilo tinha sido.
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