Além de mim

Capítulo 13


Capítulo 13



O GATO

Aqueles poucos minutos foram os melhores da minha vida. Saber que era retribuído com a mesma intensidade de meus sentimentos trazia-me uma sensação única e inédita. Minha felicidade não cabia em mim. Na verdade, eu não sabia que tinha tanta capacidade para amar alguém daquela forma. Nem mesmo o infinito era o suficiente para todo aquele amor e alegria que eu sentia.

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Se o tempo parasse naquele instante, eu poderia viver aquele momento por toda a eternidade e sem reclamar.

Mas a felicidade dura pouco.

Até que tudo desabou.

Tudo por causa de um erro, uma insistência e um ato impulsivo. E na primeira oportunidade, fui capaz de estragar tudo.

Eu era mesmo um idiota supremo.

Ladybug provavelmente me odiava com todas as suas forças. A maneira como me olhava, não sabia definir se era de decepção, surpresa, raiva. Pode ter sido uma mistura de tudo. Como se não bastasse não ter mais a minha mãe por perto, agora estava perdendo a única mulher que havia me restado para amar. Talvez para sempre.

E o pior de tudo foi saber que ela sempre esteve a uma carteira de distância de mim. Tão próxima que eu nem fui capaz de perceber. Eu fui cego, tolo e idiota.

Minha ignorância era a minha perdição.

Eu não poderia imaginar que Marinette era a Ladybug, apesar das semelhanças gritantes entre ambas. Era como um véu que tampava os meus olhos e que me impossibilitava de enxergar o que estava a minha frente. Mesmo que eu tentasse forçar a vista, só conseguia ver um grande borrão. Foi só então que tudo começou a fazer sentido, desde a noite da proposta até aquele exato momento em que a via chorar diante de mim.

Durante todo esse tempo Ladybug me amava. Marinette me amava e eu a rejeitei porque havia escolhido seu alter ego.

Eu nunca me senti tão idiota em toda a minha vida.

Se houvesse uma faca em minhas mãos, faria questão de me perfurar. Seu eu tivesse uma arma, daria um tiro na minha cabeça. Se eu pudesse, daria alguns passos daquela torre e me jogaria sem pensar duas vezes. Tudo porque eu a fiz chorar mais uma vez.

Novamente eu era o motivo de suas lágrimas, de seu sofrimento.

— Eu me apaixonei pelas suas duas metades, e você só amou uma parte de mim.

Aquilo me destruiu. Cada soluço que ela soltava era um caco quebrado de meu coração.

Tentei argumentar com o intuito de consertar o meu erro, mas nada que eu dissesse surtiria algum efeito. Ela estava arrasada, fazendo-me chorar junto a si. Eu tremia assustado e desesperado, sentindo o grande peso da culpa em minhas costas. Ela também tremia pelo choro compulsivo enquanto agarrava sua Kwami com todo o cuidado em seu peito.

Marinette insistia em dizer que nada entre nós foi real, que tudo o que passamos foi uma ilusão, uma mentira.

Mas ela estava terrivelmente enganada.

— [ ...] Mesmo sem saber toda a verdade, você tem uma grande importância para mim. Eu lutei muito para que esse amor fosse recíproco, então, por favor, não diga que não foi real.

Eu não conseguia mais parar de chorar. Seria inútil continuar tentando convencê-la do contrário. Nada seria o suficiente para fazê-la entender que o meu amor era puro e verdadeiro, seja por Ladybug ou Marinette. Ela não confiava em mim e nos meus sentimentos, e isso era a pior coisa que eu poderia tolerar.

— Todo esse amor só nos levará ao sofrimento.

E foi assim que ela me abandonou. Suas últimas palavras eram facas que me marcavam, fazendo minhas feridas sangrarem e a dor pulsar, dilacerando o que ainda restava de meu ser. Eu havia perdido a única razão que eu ainda tinha para existir. Doía tanto, que chegava a ser insuportável.

Será que eu seria capaz de viver sem o seu amor? Provavelmente que não.

Estava ajoelhado na borda, olhando para o ponto de seu desaparecimento entre as luzes da cidade. O olhar perdido, sem rumo e sem vida. Sentia-me como uma estátua, sem conseguir me mexer e as lágrimas sendo derramadas como pequenas cascatas, as gotas se desfazendo em meu queixo. Fiquei naquela posição por vários minutos absorvendo todos os acontecimentos. Era como se a realidade tivesse jogado um balde de água fria, fazendo-me acordar de um sonho muito bom e que havia durado tão pouco.

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— Garoto, eu sinto muito. – Plagg flutuava ao meu lado, pronunciando-se pela primeira vez desde que eu desfiz a transformação, finalmente fazendo-me tomar consciência de sua presença.

Eu não disse nada, fungando e enxugando o rosto, o choro que finalmente estavam sessando. Levantei-me agarrando a camisa, sentindo as batidas fortes em meu peito aos poucos se acalmando, ainda sentindo a garganta sufocada pela angústia.

O vento frio daquela noite tornava-se cortante, e o céu não parecia mais tão bonito quanto antes. Era escuro e sombrio, dando um ar sinistro e ofuscando a beleza de Paris. Não conseguia ver as estrelas, talvez pelo fato de meus olhos estarem embaçados e ardidos. A lua crescente já havia desaparecido entre as pequenas nuvens que começavam a surgir. Abracei o meu corpo que agia de forma instintiva, sentindo a pele arrepiar-se.

— Adrien, precisamos sair daqui. Está frio e você pode acabar pegando um resfriado. – Plagg alertou. Assenti cabisbaixo, colocando o anel e o brilho verde me cercando enquanto proferia as minhas palavras de transformação.

Aquela máscara.

Depois de vesti-la, senti um gosto amargo na boca. Foi por causa dela que minha vida conturbada começou a desandar ainda mais.

Não que culpar o Chat Noir fosse me ajudar em alguma coisa, sabendo que a culpa era de quem se escondia por trás dele.

Eu via a minha vida como um trem que corria acelerado pelos trilhos. Uma hora teria que passar por uma curva, tangenciando-a e destruindo tudo em seu caminho. O problema é que eu não fui capaz de prever. Meu ato impulsivo poderia ter sido evitado, e eu não estaria naquele estado lamentável.

Atravessei a cidade pulando de telhado em telhado até chegar á minha casa. Assim que desfiz a transformação, sentei-me na cadeira giratória da escrivaninha, com as mãos no rosto e jogando a cabeça para trás, odiando-me profundamente por todo o ocorrido.

Finalmente entendia aquele sentimento que tanto me martirizava. Será que foi isso que Marinette sentiu durante todo esse tempo? Essa dor que tanto machucava de dentro para fora? Se for, não teria como eu me sentir pior. Eu merecia aquilo. A rejeição e o abandono.

Todo aquele sentimento de afeição e carinho incomum por Marinette talvez fosse uma justificativa, apesar dos laços fortes que eu tinha pelos meus amigos. De alguma forma, mesmo que eu não fosse capaz de perceber, era possível diferenciar o que eu sentia quando estava com ela e o que eu sentia quando estava com Nino ou Alya. Era uma sensação familiar que me envolvia, como um toque delicado, um afago ou até mesmo um abraço caloroso. Não sabia bem como descrever. Comecei a pensar sobre isso logo depois que fizemos as pazes.

Algo bastante semelhante ao que sentia quando estava com Ladybug. Era como se estivéssemos estranhamente conectados.

— Por que eu nunca percebi isso antes? Por que eu nunca notei que eram a mesma pessoa? - lamentava-me, jogando a cabeça para trás, a voz saindo abafada pelas mãos que tampavam o rosto. Estúpido, idiota, patético, xingava a mim mesmo de todas as formas possíveis.

— Não tem razão para ficar se martirizando. Aliás, a culpa não é sua. - Plagg flutuava ao meu redor, tentando me confortar. Olhei para ele, franzindo o cenho e com vontade de me matar.

— Mas é claro que é! Não fui capaz de enxergar os sinais que estavam tão claros. Plagg, esse tempo todo a Ladybug era a Marinette! - acabei falando mais alto do que pretendia devido ao desespero.

Dei um suspiro pesado. Ele sentou-se na escrivaninha, encarando-me com o olhar preocupado.

— Esse é o poder do miraculous. É como um feitiço de camuflagem, sabe? Mesmo que você sinta uma certa familiaridade com o outro portador, ainda assim não poderá reconhece-lo. Essa é a única maneira de proteger as suas identidades.

Não consegui tirar os olhos dele, encarando-o com tamanha indignação e irritação que sentia. Ele só me falava isso agora? Por mais que eu gostasse muito do meu kwami, às vezes eu sentia vontade de esganar aquele ser minúsculo por me privar de informações tão importantes.

— Plagg... - falei num tom baixo e irritadiço. - Por que você não me contou isso antes? Por que não falou isso no dia em que recebi o miraculous?

— Eu não podia, Adrien. Se eu te contasse, você desconfiaria de todos. É perigoso demais, e eu não podia arriscar a identidade da Ladybug.

Fiquei em silêncio absorvendo toda aquela informação. Esfreguei as mãos sobre o cabelo, jogando-o para trás, sentindo o nervosismo me sobrecarregar. Plagg se remexeu na mesa, inquieto com mais alguma coisa, chamando a minha atenção. Ele tremia aflito, roendo suas pequenas unhas felinas.

— Tem mais uma coisa que eu não te contei...

Estava completamente atento com cada movimento que ele fazia. Aquilo me assustava, fazendo-me pensar apenas no pior.

— Por favor, Plagg, o que mais você esconde de mim?

— É sobre... a Marinette...

Arregalei ainda mais os olhos, esperando por alguma explicação.

— O que tem... a Marinette? - Perguntei entredentes, a voz entrecortada.

— É que... Quando vocês vestem as suas roupas, somos capazes de sentir as suas emoções. Eu consigo compreender a sua dor, porque eu também senti. O caso da Marinette é muito delicado, pois toda a sua negatividade enfraqueceu a sua kwami, desfazendo a transformação. Ela está muito magoada, e eu me preocupo que ela tire os brincos. – Plagg dizia tudo sem parar para recuperar o fôlego. Deu uma rápida pausa para respirar, em seguida voltando a falar. – Os miraculous também protegem vocês dos akumas, e se ela os tirar, as chances de ser corrompida são grandes.

Levantei-me da cadeira em um pulo. Acabei batendo a perna na quina da mesa com força, causando uma dor aguda e que provavelmente deixaria um hematoma. Mas aquilo não importava, pois o meu medo estava alcançando proporções absurdas.

— Eu devia saber disso. É uma coisa que você devia ter me contado! Não pode esconder isso de mim, Plagg! – Berrei com vontade de jogar as coisas pro alto, por todo o pânico que se instalava em mim. Hawk Moth estava sempre atento a qualquer chance de akumatizar alguém, e se ele a encontrasse, tudo estaria perdido. Plagg mordia os lábios com seus caninos afiados, e um pequeno rastro de suor atravessando sua testa. Os olhos felinos estavam comprimidos pela culpa e preocupação.

— Me desculpe, Adrien. Só consegui pensar nisso agora.

Andei em direção à janela, abrindo-a e sentindo a brisa gelada invadir o quarto. Debrucei-me na batente, sendo envolvido pelo brilho verde mais uma vez naquela noite turbulenta. Era tarde e algumas ruas estavam pouco movimentadas. Saltei da janela, esgueirando-me entre as sombras, camuflado na escuridão.

Conhecia muito bem o caminho.

Em direção ao meu destino.

Precisava vê-la e ter certeza de que estava bem, que minha Lady... Que minha princesa estava segura. Caso contrário, teria que enfrentá-la. E não era exatamente o que eu queria.

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Assim que avistei a casa de Marinette, apoiei-me na janela do quarto. Meu coração já estava acelerado e pesado em meu peito. Meu corpo já começava a tremer de temor e dúvida. Se eu a encontrasse, não saberia o que seria capaz de fazer. Estava disposto a qualquer coisa para tê-la em meus braços e em segurança. Infelizmente eu era um ser rodeado de desventuras. Um gato azarado cheio de lástima e calamidade. Fazia jus ao meu próprio codinome e poder, Chat Noir, o herói das catástrofes.

Poderes que deveriam ser a minha benção, uma válvula de escape, uma máscara que me livrava daquela realidade que eu tanto fugia, no fim das contas foi o que ajudou na minha ruína.

Não é que eu não gostasse mais de ser o Chat, mas todo aquele mistério, a insegurança e não poder saber as nossas verdadeiras identidades estava acabando comigo. Eu queria descobrir quem era aquela garota que eu tanto amava, e queria que ela conhecesse a minha outra face.

Mas eu só estraguei tudo. De novo.

Assim que vi as luzes do cômodo apagadas, senti algo apertar-se em meu peito numa sensação estranha, como um pressentimento de que algo estava muito errado. Graças à minha visão noturna, conseguia enxergar através do breu do quarto. Ela deveria estar dormindo, foi o que pensei, tentando me acalmar. Mas algo incomum chamou a minha atenção. No meu campo de visão, conseguia ver um pequeno objeto na mesa da escrivaninha que brilhava levemente numa tonalidade avermelhada. Forcei um pouco a vista para identificar o que era.

Estava tão próximo da janela, que o vidro ficava embaçado pela minha respiração quente. Acabei levando um susto tão grande que quase me desequilibrei do bastão que estava preso na janela. Um pequeno vulto vermelho surgiu do nada, batendo no vidro aos gritos. Era a kwami da Marinette.

— Chat, você precisa me ajudar! – A voz saía abafada. Apoiei as mãos na batente, encontrando uma abertura e abrindo a janela que estava destrancada. Olhei por todo o cômodo procurando pela garota de cabelos negros.

— O que houve? – Perguntei mesmo que no fundo eu já soubesse a resposta, sendo atingido pela preocupação que os olhos azuis transmitiam. Aproximei-me da escrivaninha, identificando o objeto brilhante e compreendendo o que acontecia.

Então os nossos medos haviam sido concretizados.

— Marinette... Ela... Por favor, você precisa encontrá-la.

Encarei a pequena criatura, assentindo com determinação. Peguei os brincos e os apertei, cerrando os punhos, as garras perfurando as palmas de minhas mãos devido a força que eu usava, sendo dominado por algum tipo de aura sombria. Meus dentes se destacavam, cortando os meus lábios com fúria. Sentia o ódio me sucumbir, fazendo com que um rugido zangado saísse de meus lábios, contendo uma imensurável vontade de gritar.

Hawk Moth pagaria muito caro por ter mexido com o meu bem mais precioso. Faria o que fosse necessário para fazê-lo sofrer todas as nossas dores. Não mediria as forças, eu mesmo iria acabar com ele.

— Não se preocupe. Eu vou encontrá-la custe o que custar. - Sussurrei, olhando para a Kwami assustada.

Virei-me para a janela, olhando para além da cidade.

Onde quer que Hawk estivesse, o fim estava próximo.

Marinette, me aguarde. Estou a caminho.