O Jardim Vertical é como se fosse um grande anfiteatro, descendo em círculos até o centro, mas ao invés de arquibancadas cada curva possui mesas e cadeiras aveludadas. Fontes e plantas dividem os degraus em camarotes. Elas convergem até a parte inferior para fazer parte da decoração de um círculo de grama com algumas estátuas. Diante de mim e de Mare está uma área reservada, separada por sedas vermelhas e pretas. Ali há quatro acentos feitos de ferro, apontados para o centro do complexo. A área da família real, onde Cal sentará junto com seu pai, irmão e madrasta.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

— O que é esse lugar? — Sussurra Mare.

— Muito bonito, não? — Sussurro em resposta. Mare balança a cabeça positivamente. Então começamos nosso trabalho.

O trabalho tem um ritmo frenético. Apenas seguimos ordens de outros vermelhos. Sou auxiliar de cozinha, junto com Mare, nós duas resolvemos trabalhar como uma dupla, então nossas responsabilidades são limpar, ajudar os cozinheiros e, no momento, preparar a arena para o evento. Mare parece receosa em relação a pseudoarena. Meu corpo começa a pinicar, e a sensação se propaga sob minha pele. Quando eu terminar e voltar para a entrada de serviço, a Prova Real já estará prestes a começar.

Mare e eu seguimos os outros criados que subiam numa plataforma alta rodeada de cortinas, quase tropeço na escada e Mare precisa segurar meu braço. Não sei por que estou nervosa. Outra porta se abre, separando o camarote real da entrada de serviço. A Prova Real começou.

Os membros das casas prateadas entram em blocos, se dirigindo ao seus respectivos camarotes. Um arco-íris inunda a arena, alguns prateados param para conversar ou trocar abraços falsos, sem vida. Para alguns deles, isso é só mais uma festa. Para outros é a chance de ver uma membro de sua casa se tornar rainha. O pensamento me da enjoo.

De vez em quando alguém pressiona um botão quadrado de metal na mesa que acende uma luz, solicitando um criado. Quem estiver mais perto da porta atende, enquanto os demais dão um passo à frente e esperam sua vez de servir. Quando Mare chega perto da porta, um patriarca de olhos negros aperta o botão.

— Posso ir, se você quiser. — Ofereço.

— Não precisa, eu cuido dessa. — Mare sorri para mim e sai. Ela anda praticamente dançando no meio da multidão de prateados, se não estivesse em serviço provavelmente estaria roubando essa gente. Logo, será minha vez de servir alguém. Dito e feito. Outra pessoa, do mesmo camarote — que reconheci ser da família Samos — solicita um criado. Saio de meu lugar rápida e precisamente, tentando não pisar no pé de nenhum prateado.

Encontro com Mare no meio do camarote, trocamos olhares mas logo voltamos ás tarefas. A senhora que solicitou meu serviço estende o copo de água, eu simplesmente o pego e acabo encontrando Mare no bebedouro ao lado do camarote. Nós soltamos uma leve risada. Nunca esperei que ficaria amiga dela.

Uma música épica, daquelas de trailer de filme de herói, começa a tocar anunciando a entrada da família real. Estou ao lado de Mare, no mesmo patamar do camarote real, numa posição privilegiada. O rei entra bruscamente, com postura perfeita e roupa vermelha e preta, estilo militar. Duvido que ele tenha passado um dia sequer na linha de frente. Seu peito está brilhante de tantas medalhas e insígnias. Ele carrega consigo uma espada dourada, chego até a me perguntar se é verdadeira ou falsa. Em sua cabeça, a coroa flamejante, simbolo de Norta. Conheço seu nome dos meu livros, Tiberias Calore VI, o Rei de Norta, Chama do Norte.

A rainha vem atrás, Elara Merandus, ela usa um vestido leve nas cores azul merinha e branco, o oposto da sobriedade e seriedade das roupas do Rei. Ela dirige uma reverência a sua casa, Merandus. A guarda real, com suas roupas que parecem faiscar diante de meus olhos, eles são assustadores, principalmente por causa da máscara preta e o grande rifle que carregam.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

— Morte à Guarda Escarlate! — Alguém começa a gritar, do fundo dos camarotes, seguido por muitos outros.

— Já estamos cuidando da Guarda Escarlate e de todos os nossos inimigos! — troveja Tiberias, e sua voz ecoa em meio à multidão. Seu brado silencia a todos como um estalar de chicote. — Mas não é disso que viemos tratar aqui. Hoje honramos a tradição, e nenhum diabo vermelho impedirá isso. Vamos realizar o rito da Prova Real para descobrir a filha mais talentosa que se casará com o filho mais nobre. Assim, encontramos força para unir as Grandes Casas e aumentamos nosso poder para garantir o domínio prateado até o fim dos dias, derrotando nossos inimigos dentro e fora das fronteiras.

— Força! Poder! — Gritam agora os prateados. Eu diria que esse é o pior grito de guerra que já ouvi. Deveriam contratar a pessoa que fez o grito da Guarda Escarlate para refazer o deles.

— É novamente tempo de defender esses ideais, e ambos os meus filhos honram nosso soleníssimo costume. — Depois do anuncio duas figuras surgem, uma de cada lado do rei. Os dois são tão altos quanto o rei, e também vestem uniformes militares.

— Príncipe Maven, das Casas Calore e Merandos, filho da minha consorte real, a rainha Elara — Anuncia o rei. O jovem ergue uma das mãos cumprimentando a todos, é então que posso ver seus olhos azuis brilhantes e seu sorriso frio, ele é até mais bonito do que eu imaginava, mas não consigo evitar de fechar a cara quando o vejo. — E o príncipe herdeiro das Casas Calore e Jacos, filho da minha falecida esposa, a rainha Coriane, herdeiro do trono de Norta e da coroa ardente, Tiberias VII.

É então a vez de Cal acenar para a multidão, ele parece ser até um pouco mais alto do que Maven, mas pouca coisa. Ele acena e sorri, e eu acabo abrindo um leve sorriso. Como esse nome é feio.

— Tudo bem, Kenna? — Sussurra Mare, não podemos ser pegas conversando em serviço, mas como posso ignorar ela, que acabou se tornando uma amiga?

— Tudo, é que foi ele quem nos empregou. — Mare me olha confusa, até onde ela sabe nos conhecemos apenas hoje de manhã quando fomos intimadas. Inventa alguma coisa Kenna. — É que eu acho que vi você andando pela vila e acabei ouvindo a conversa de que você não tinha um emprego e não queria ir para o exército. Só isso, ai eu encontrei com ele ontem a noite ele disse que tinha um bom emprego e acabei falando que você era minha amiga, e deu no que deu.

— Então foi você, como eu poderia agradecer? Será que a gente conseguiria um emprego para um amigo meu, o nome dele é Kilorn? — Mare, sempre tentando proteger Kilorn, mas não posso deixar que ele seja contratado, ele precisa se juntar à Guarda.

— Não sei, já dei sorte de conhecer ele. — Aponto para Cal com a cabeça. — Não sei se daria a mesma sorte com seu amigo. Mas tenho a sensação de que ele não vai ser recrutado. — Pelo exército pelo menos.

Mare e eu nos encontramos na plataforma da criadagem logo depois disso. Ela não ficou brava comigo por não querer ajudar Kilorn, pelo contrário, ficou rindo discretamente da minha cara por ter confundido o príncipe com um criado qualquer. Como se ela não tivesse feito a mesma coisa. Cal possui uma insígnia da coroa em seu peito, igual a de Walsh, porem incrustada de diamantes e rubis, evito olhar para e ele e Maven, que está logo ao seu lado. Os outros criados abrem espaço para que eu e Mare cheguemos ao fim da fila.

— Todos os senhores vieram honrar meu filho e o reino, então honro os senhores — Discurssa o rei Tiberias, enquanto meus pensamentos se dissipam. Ele ergue os braços e saúda os muitos camarotes. Embora eu tente ao máximo manter os olhos no rei, não resisto um olhar para Cal. O sorriso em seus lábios não se reflete em seus olhos.

— Honro vosso direito de governar. O futuro rei, filho de meu filho, terá vosso sangue prata tanto quanto eu. Quem atribuirá para si esse direito?

O patriarca de cabelos prateados, da família Samos, urra em resposta:

— Eu quero a Prova Real!
Por toda a espiral, os líderes das diversas Casas gritam em uníssono:
— Eu quero a Prova Real!
Os gritos ecoam de acordo com alguma tradição estranha que não entendo. Tiberias sorri e acena com a cabeça.
— Que comece. Lord Provos, tenha a bondade.
O rei encara o camarote da Casa Provos. O resto da espiral acompanha seu olhar, e todos fixam-se na família vestida de dourado com listras pretas. Eles parecem até uma colmeia. Um ancião de cabelo grisalho dá um passo à frente. Ele faz um gesto com a mão, e já imagino o que irá acontecer.
De repente, a plataforma treme e se move para o lado. Mere pula, por reflexo, e quase cai em cima de mim quando começamos a deslizar. Meu coração salta à boca quando vejo o resto do Jardim Espiral girar. Lord Provos é um telec e movimenta a estrutura por caminhos projetados pelo poder da mente.
A estrutura inteira gira sob seu comando e a área do jardim se amplia, formando um imenso círculo. Os níveis inferiores recuam e se alinham com os superiores, de modo que a espiral se transforma num enorme cilindro a céu aberto. À medida que os níveis se movem, o chão afunda até quase seis metros abaixo do camarote mais baixo. As fontes convertem-se em cachoeiras jorrando do alto do cilindro até o centro, enchendo piscinas profundas e estreitas.Nossa plataforma plana para sobre o camarote real, o que nos dá uma vista perfeita de tudo, inclusive do centro lá embaixo. Tudo isso leva menos de um minuto. Mare parece maravilhada, assim como eu devo estar, ler isso acontecer é uma coisa agora ver tudo isso com os próprios olhos é outra completamente diferente.
Ele retoma seu assento, mas as mudanças ainda não estão completas. Uma luz lilás esbranquiçada cintila perto do solo do jardim; faíscas elétricas saltam das pedras de pontos minúsculos, quase invisíveis. Nenhum prateado levanta para controlar o processo. Os feixes de luz se entrelaçam e interceptam, tecendo assim uma rede brilhante a ponto de cegar. Mare parece estranha, seus poderes elétricos devem estar acordando.
A rede se cristaliza à medida que a eletricidade se expande e ramifica. E, então, tão repentino quanto surgiu, o ruído cessa. A eletricidade se detém, solidifica-se em pleno ar na forma de um escudo roxo entre o público e o chão. Entre nós e as garotas prestes a se apresentarem como pássaros no período reprodutivo.

O solo sob o circulo de estátuas se abre. Eu, Mare e os outros criados nos aglomeramos no canto do camarote para poder ver melhor quem sairá de dentro daquela câmara. Uma garota pequena, muito pequena, sai de dentro da escuridão da câmara. Os gritos de apoio ressoam pelo Jardim Espiral: uma Casa vestida de marrom e joias vermelhas aplaude a filha.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

— Rohr, da Casa Rhambos — grita a família para apresentá-la ao mundo. A garota sorri para a família, ela é bem menor do que as estátuas que a cercam, mas suas mãos são desproporcionais ao tamanho do corpo. É até engraçado. Seu olhar vai até Cal, o príncipe, na tentativa de seduzi-lo com o olhar ou com o balançar ocasional dos cabelos cor de mel. Será que ela vai dançar também? No geral, ela parece meio idiota, acho que tudo isso é meio idiota. Até se aproximar de uma estátua de pedra maciça e arrancar sua cabeça com um único e simples tapa. — Forçadora. — Grita novamente a Casa Rhambos.

A pequena garota destrói todas as estátuas, as reduzindo a pó. E pensar que tudo isso é uma demonstração de poder para que o príncipe se una à garota mais poderosa, de modo que seus filhos sejam os mais poderosos de todos. Ridículo. E pensar que Cal deve ter o dobro da minha força, que já não é grandes coisas, apenas no dedo mindinho. Ele aplaude educadamente o fim da apresentação da garotinha destrutiva. A casa Rhambos grita com a saída da garota.

Em seguida vem uma verde da casa Welle, uma ninfoide da casa Osanos, e o show continua assim por horas, cada garota encontrando a arena mais destruída do que a anterior, e todas fazendo de tudo para mostrar seu valor. Os arrepios estranhos voltam. Os berros se misturam na minha cabeça enquanto assisto a verdes, lépidas, forçadoras, telecs e aparentemente uma centena de outros tipos de prateadas exibirem-se sob o escudo. Coisas que nunca sonhei serem possíveis acontecem diante dos meus olhos. Como pode ser de verdade?

Uma animos convoca mil pombas do céu, quando elas se chocam contra o escudo de pura energia explodem. Passei a odiar aquela menina que nem conheço. A última garota, me lembro bem dela, entra na arena destruída.

— Evangeline, da Casa Samos — grita o patriarca da família de cabelo prateado. Sua voz ecoa alta pelo Jardim Espiral. O rei e a rainha se endireitam em seus acentos, é claro que Evangeline vai ganhar, desde o começo eles já sabiam. Cal baixa a cabeça e olha para as próprias mãos.

Enquanto as outras garotas usavam belos vestidos esvoaçantes, Evangeline usava uma roupa de couro preto, cravejada de metal. Então ela é gótica mesmo. Todos gritam em torcida por ela, não só sua casa, Samos. Evangeline saúda a todos levando dois dedos à fronte, primeiro para sua família e depois para a família real. O rei e a rainha devolvem o cumprimento, favorecendo descaradamente a garota. Mare nem parece notar quando chega sua vez de servir novamente, mas acabo tendo de ir com ela, pois logo em seguida a luz se acende novamente.

Descemos para o camarote que nos solicitou, não deixamos de conversar um pouco no caminho. Nos deparamos então com um clã especialmente gordo, vestido em amarelo berrante e penas horríveis, degustando um bolo enorme. Pratos e taças vazios emporcalham o ambiente. Começamos a limpar tudo o mais rápido possível. Um monitor de vídeo dentro do camarote exibe Evangeline, que parece imóvel na arena. Eles conversam entre si, algo sobre como é injusto a garota Samos, Evangeline, já ter ganhado.

Enquanto limpamos, eu e Mare ficamos de olho na arena, para ver o que Evangeline iria fazer. Ela possui um sorriso sinistro no rosto. Em seguida o metal em sua roupa passa a flutuar a destruir o ainda não havia sido destruído. Vários camarotes aplaudem, mas ela está longe de ter terminado. Rangidos e chiados ecoam até nós vindos de algum lugar subterrâneo do Jardim Espiral. Mesmo a família gorda para de comer e observa ao redor, perplexa. Todos ficam confusos e intrigados, consigo sentir a vibração bem abaixo dos pés. Medo invade minha mente, havia esquecido o que ela faz essa noite.

Com um estrondo canos se rompem do chão cercando Evangeline na forma de uma coroa estranha de metal retorcido. Ela parece rir. Por fim, deixa todo o metal cair no chão com um baque assustador, então olha para cima, para os camarotes. Ela parece até uma psicopata.

Começa devagar, uma leve mudança no equilíbrio, até que o camarote inteiro é tomado. Pratos estilhaçam-se no chão e taças de vidro rolam para a frente, esbarram no parapeito e se despedaçam contra o escudo elétrico. Evangeline está arrancando nosso camarote, inclinando-o para a frente para cairmos. Os prateados ao meu redor guincham e se agitam; os aplausos viram pânico. Todos os camarotes da nossa fileira vão com o nosso.

Lá embaixo, Evangeline — totalmente concentrada — controla tudo com apenas uma das mãos. Ela quer mostrar ao mundo do que é capaz. Posso ver quando Mare cai do parapeito e como esperado ela não é eletrocutada do escudo.

Um senhor de amarelo se apoia em mim para não cair, mas acaba me empurrando para minha morte. Vejo o escudo se estilhaçar e Mare cair, e diferente dela eu não tenho poderes elétricos que podem me ajudar agora.

Vejo o chão se aproximar cada vez mais, mas então o inesperado acontece e eu simplesmente paro no ar, como se uma rajada de vento estivesse me sustentando. A sensação era de como se eu tivesse acordado de um sono profundo que havia durado minha vida inteira. A rajada para e eu aterrisso bruscamente no chão. Vejo Mare de pé praticamente ao meu lado, ela está tão confusa quanto eu. Está tudo errado, isso não pode estar acontecendo, não pode.

Os olhos de todos estão sobre nós duas, murmúrios e interjeições ecoam pelo Jardim Espiral. Evangeline passa seu olhar de mim para Mare e vice-versa, com raiva, curiosidade e medo. Eu não deveria estar aqui, só porque pensei ter consertado a história. Droga.

— Oi — Diz Mare. Ao contrário dela estou chocada demais para fazer qualquer observação, assim como Evangeline, que responde com uma rajada de cacos mortais de metal em direção de cada uma de nós. Cubro meus olhos com as mãos na esperança de não ver os cacos me atingir, mas eles nunca chegam. abro os olhos e vejo uma parede de gelo ao redor dos cacos. O que raios está acontecendo? Mare disparou acidentalmente um raio, que além de defende-la dos cacos, quase acertou Evangeline. Viro para ela em choque, até onde sei era para apenas Mare interromper o espetáculo, agora eu também estou na lista.

Lá em cima centenas dos mais poderosos prateados também se perguntam sobre o que está acontecendo. Olho ao redor e todos estão nos encarando. Até o rei se inclina sobre a beirada do camarote; a coroa flamejante desenha-se contra o céu. Cal está bem ao seu lado, encarando-me com olhos arregalados.

— Sentinelas. — a voz do rei chama pela sua guarda pessoal, mas eles esperam mais uma palavra de ordem. — Peguem elas!

As palavras do rei parecem me atravessar enquanto dou um passo em falso e caio dentro da câmara subterrânea, Mare parece cair logo depois de mim. Nós trocamos olhares e fizemos a única coisa que poderíamos fazer, corremos.