O velho olhou com desconfiança para o brutamontes que acabara de atravessar a pequena porta de vidro fumê. A passagem, já estreita, parecia ainda menor ao emoldurar o sujeito de músculos largos e orelhas de lóbulos alargados que quase precisou se espremer para entrar. Depois que entrou, o visitante ainda ficou parado por alguns segundos olhando ao redor, como se quisesse se certificar que estava no lugar certo.

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Franklin, alheio ao olhar escrutinador do velho, conferiu o papel amassado que trazia na mão. O endereço estava correto. Ele olhou de novo para as paredes, notando a iluminação baixa e estrategicamente posicionada em cada quadro e escultura que adornava o lugar. Diabos, se aquele não fosse o lugar certo, ao menos ele não sairia de mãos vazias.

— Posso ajudar? — o velho falou, pela primeira vez atraindo a atenção de Franklin.

O homem tinha a pele enrugada, marcada por tatuagens desbotadas que cobriam os braços e subiam pelo pescoço até o começo da cabeça. Franklin o encarou enquanto caminhava até o balcão e teve certeza de que, por baixo da camisa de tecido, as tatuagens deveriam preencher também todo o tronco, costas e talvez até as pernas do idoso.

— Estou procurando alguma coisa desse artista aqui — E ele deslizou o papel amassado pelo tampo de vidro.

O homem o apanhou, leu em silêncio e deslizou o papel de volta.

— Sinto muito, a última peça foi vendida há mais de um mês.

O rosto de Franklin se contraiu, evidenciando as cicatrizes que carregava em volta dos lábios. Acirrou os olhos e soltou um pesado “huumm” de desgosto.

— Por que não dá uma olhada no nosso catálogo? Talvez outra obra o agrade.

— Não é para mim, é para um amigo. Ele tem um gosto um pouco… peculiar, eu diria.

O velho riu.

— Peculiar é com o que mais trabalhamos, rapaz. Venha cá.

E ele saiu de trás do balcão, passando por Franklin e sinalizando para que ele o seguisse.

— Somos especializados em obras macabras e obscuras — o homem falou, fazendo um gesto largo com o braço como se apontando para as pinturas e esculturas na parede — Alternativas, como eu prefiro chamar. Não é qualquer um que sabe apreciar esse tipo de arte.

Franklin concordou, pensando em como Feitan definitivamente não era qualquer um. Por mais de uma ocasião o flagrou lendo livros de arte um tanto quanto controversos, em especial de um tal Trevor Brown — o mesmo nome que estava rabiscado no pedaço de papel e cujas obras estavam em falta naquela loja.

— O seu amigo gosta de algum tema em específico?

— Ele gosta de dor — Franklin respondeu. Na verdade, sabia que Feitan gostava de causar dor — Sangue, talvez.

O velho soltou uma exclamação de júbilo e sorriu ao ouvir aquelas palavras. Pediu um minuto e desapareceu por trás de uma saleta.

Voltou momentos depois com um fichário, com páginas protegidas dentro de plásticos transparentes, cada um trazendo uma folha. E em cada folha, desenhos de um vermelho intenso, alguns com traços mais precisos, outros com pinceladas grossas e esparsas que ocupavam quase todo o papel. O sentimento de horror em cada gravura era brutal.

— Maxime Taccardi é um artista incompreendido por muitos — o homem falou — O que acha?

Franklin começou a folhear o fichário sem muito interesse.

— Não sei…

Virou mais uma página e se deparou com a ilustração, um pouco borrada, de uma caveira. Vermelha, como as demais, com a fenda dos olhos ligeiramente mais escura e de uma morbidez que chegava a ser incômoda, até mesmo para ele. Lembrava em muito a caveira que estampava o guarda-chuva e a bandana de Feitan.

— Você já percebeu? — o velho perguntou, ao que Franklin levantou os olhos para ele, sem responder.

O velho sorriu de um jeito misterioso. Por um instante, Franklin teve a impressão de ver naquele rosto enrugado o mesmo olhar que Feitan às vezes fazia diante de alguma missão mais trabalhosa. Uma espécie de prazer raro, quase um deleite.

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— Os desenhos são feitos com sangue, meu rapaz…

(...)

Foi Shalnark o primeiro a reparar. Os outros já estavam um pouco alegre demais para se dar conta — cortesia da cerveja de Uvo, entornada sem cerimônia aos goles pela maioria.

— Feitan e Franklin se tiraram! — ele bradou animado, apontando para os dois únicos ainda sem presente.

— Dois dos meus mais antigos companheiros — Chrollo falou — Um bonito desfecho.

A reação foi um uivo espontâneo de vivas e salves, uma exaltação exagerada que refletia o espírito de união do grupo e que certamente era ampliada pelo álcool (com exceção de Hisoka, que optou pela sobriedade naquela ocasião e cuja quietude destoava fortemente dos demais).

A troca entre os dois foi rápida; Feitan não era do tipo eloquente, e Franklin não pretendia delongar ainda mais a conclusão daquele amigo-secreto. Ficou particularmente satisfeito quando viu os olhos apertados do amigo brilharem com a explicação sobre a obra de arte presenteada, e se divertiu enquanto estudava a arma que acabara de receber em troca.

Ao redor, a Trupe estava em festa, ainda mais barulhenta do que o normal. O primeiro barril de cerveja já se encontrava praticamente no fim, o amargor da bebida aquecendo os ânimos naquele frio fim de dezembro.

Aquelas celebrações estavam ficando cada vez mais raras com o passar dos anos, e Franklin se sentia agradecido pela iniciativa de Chrollo em organizar o evento natalino — ainda que muitos ali nem sequer acreditassem em Natal.

Uvogin já arrastava o segundo barril para substituir o primeiro, vazio. Abriu a tampa com uma arrancada forte e um riso tão forte quanto. Alguns podiam dizer que já estava bêbado quando se dirigiu ao Danchou em seguida, mas Franklin sabia que não. Uvo estava mais sóbrio do que nunca quando gritou para Chrollo:

— Ei, Danchou!

Chrollo se virou.

— Quando vai ser o próximo?

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.