A guardiã do gelo

Os malucos da floresta amaldiçoada


Não sei por quantas horas andei seguindo aquela trilha de cinzas. Só sei que ela acabou me levando a uma parte meio sombria daquela gigantesca floresta. Era mais densa ao qual estávamos antes e sons estranhos vinham de dentro dela. É aqui mesmo que você quer que eu esteja, Malek?, em vão tentei me comunicar com ele. Pouco depois de ter começado a caminhada, perdemos o contato.

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Durante o trajeto, eu tive sim esperança de que Utae me seguisse, porém, ao criar coragem para olhar pra trás, descobri que estava sozinha naquilo. Utae havia me abandonado para seguir o próprio caminho. Isso doeu seriamente no meu coração, afinal, eu ainda o considerava um irmão. Passei a mão no colar. Faltava apenas uma pedra. Eu ainda poderia voltar e procurar a pedra Elemental, mas não queria fazer isso sozinha. Preferia ir atrás do Malek para que ele fosse comigo até o fim.

Esperava ao menos que ele estivesse vivo.

— Não, não, não... por favor... — uma voz feminina implorou.

Engoli em seco, sentindo o medo correr pelas veias. Escolho uma árvore para me esconder. Aquela floresta sombria fazia eu ter desconfiança de tudo que eu ouvisse — ainda mais uma voz vindo do nada.

— Só um pouquinho de luz solar. Vamos, vamos... — agora foi uma voz diferente, num murmúrio.

— AAAAAAAAAAH, ONDE É A SAÍDA DESSE LUGAR! — o grito masculino fez um arrepio subir pela minha coluna.

Afinal, de quem eram aquelas vozes?

Por sorte eu havia discutido com Utae pela manhã. Havíamos acordado cedo. Provavelmente ainda faltava bastante para escurecer e se isso acontecer e eu ainda estiver nessa floresta, não sei o que será de mim. Ela parece abrigar alguns monstros que eu não gostaria de ter o prazer de conhecer.

Quando as vozes pareceram desaparecer, respirei fundo e decidi seguir caminho. O rastro de Malek já tinha desaparecido e agora meu guia era o relógio já que a direção que o rastro antes indicava era a mesma o tempo todo. Ele dizia para seguir em frente. Havia um pontinho marrom bem mais adiante. Só podia significar um monstro pois as pedras Elementais tinham cores vibrantes ao invés de foscas.

Não demorou muito até eu me deparar com uma garota de cabelos coloridos, abaixada no chão, mexendo na terra escura com os dedos delicados. Pelo seu cabelo com cada mecha sendo uma cor do arco-íris, soube que ela era filha da deusa Íris — e da equipe contrária à minha. Uma tatuagem de arco-íris enfeitava sua bochecha.

— Por favor... — a voz dela era idêntica à primeira voz que eu tinha ouvido. Ela só podia ser a dona da mesma.

— O que você tá tentando fazer? — questionei cautelosamente.

A garota pareceu se assustar ao me ver. Ela se levantou apressada e deu passos hesitantes para se afastar de mim.

— Q-Quem é você? — perguntou ela.

Embora me olhasse fixamente, continuou dando passos para trás até acabar tropeçando numa pedra e caindo de bunda no chão. Decidi caminhar na sua direção, mas ela começou a gritar e isso fez meu coração dar um pulo pelo susto. Mãos da cor da terra agarraram seus pulsos e tornozelos e enfim a puxaram para debaixo da terra numa velocidade sobrenatural.

O que diabos acabou de acontecer aqui?, questionei a mim mesma, completamente assustada. Será que são as mesmas coisas estranhas que pegaram Malek?, a pergunta ficou um tempo vagando pelos meus pensamentos até porque, o Malek tinha sumido mais ou menos nessa velocidade.

Enquanto a minha cabeça ainda estava em choque por causa do ocorrido, decidi que deveria continuar o caminho. Não poderia ter medo. Eu tinha três dos quatro elementos. Não seriam mãos marrons que me capturariam daquela forma.

Nisso, acabei encontrando outra garota. Ela estava séria e tinha um lindo cabelo loiro que ia até o seus pés de tão longo. A mesma olhava para a copa das árvores, parecendo observar algo. Enfim ela ergue uma mão e um raio de luz sai dos seus dedos. Entretanto, as copas secas e estranhas parecem sugar para si aquele brilho extra. De fato não havia nenhum raio de luz bonito por ali, apenas uma iluminação que deixava tudo mais tenebroso.

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— Com licença — digo para chamar sua atenção. — O que você tá fazendo?

— Tentando dar vida a esse lugar, mas me parece impossível. — Ela suspira de maneira frustrada. — E você? O que faz aqui?

— Procuro um amigo.

— Ele foi trazido pra cá?

Afirmei com a cabeça.

— Sinto muito — diz, realmente sentida. — Há uma hora dessas já deve estar morto.

— Então o que você tá fazendo aqui?

— Não sei qual objetivo seguir nesse jogo, então... acabei achando esse lugar. Eu gosto dele. Eu moro nele. E todos dias tento muda-lo.

Arqueei uma sobrancelha. Será que mais Jogadores ficaram como ela? O tempo todo "parada" enquanto uma enorme batalha ocorria em outras equipes?

— Você ficou aqui o jogo todo? — eu ainda estava surpresa.

Assim que ela abriu a boca para dizer algo, as mãos marrons agarraram seus tornozelos e acabaram a puxando para terra aos poucos, como uma areia movediça.

— SOCORRO! — berrou.

De imediato eu corri para segurar suas mãos e tentar tirá-la de lá. Eu fazia toda força que podia, mas isso não causava efeito algum. Ela continuava sendo puxada com velocidade para debaixo da terra. Quando sua cabeça afundou na mesma, resolvi largar suas mãos para não acabar sendo levada junto. Suas mãos se moviam desesperadas, tentando se agarrar cegamente em algo. Porém, como nada acharam, acabaram entrando no buraco com o resto do corpo.

Adrenalina começou a correr descontroladamente pelo meu corpo e consequentemente, meu coração acelerou-se. Não estava entendendo o que estava acontecendo. Duas garotas haviam acabado de serem engolidas pela terra. Tome cuidado, Kary. Você pode ser a próxima, pensei, olhando com bastante atenção para todos os lugares, querendo ter certeza de que estava segura.

Então um garoto passou correndo por mim. Ele gritava a cada passo que dava e isso só me deixou mais agitada. O garoto tropeçou em algo e as mãos marrons se apossaram dele rapidamente. Afinal, o que estava acontecendo? Que lugar horrível era aquele?

Não tive tempo para pensar direito pois as mesmas mãos marrons estavam se agarrando aos meus tornozelos. Soltei um grito, assustada. No desespero, invoquei o poder do fogo e usei contra aquelas coisas estranhas. Elas pareceram não gostar pois se agitaram e voltaram de onde vieram, me deixando em paz.

Nota mental: as coisas marrons não gostam de fogo.

Continuei procurando pela floresta, querendo ter uma noção de onde poderiam ter levado Malek. Se ele tinha sido sequestrado por aquelas mãos marrons, então eu teria que ser deixada ser levadas por elas...

Kary? Kary? Kary? Tá viva?, um alivio preencheu meu coração ao escutar a voz de Malek na minha cabeça. A única certeza de que ele ainda estava vivo. Estou aqui, respondi.

Ele: Onde você está? Conseguiu seguir a trilha?

Eu: Consegui.

Ele: Então está na floresta?

Eu: Sim, estou procurando por você.

Ele: Ache a caverna. Aproveite que elas não estão aqui.

Eu: Elas quem?

Ele: As deusas... não... ah...

Silêncio total em questão de segundos.

Eu: Malek? Malek?

Nenhuma resposta. Suspirei alto. Pelo menos ele tinha conseguido me dar uma pista antes de desaparecer de novo. Alguém estava bloqueando totalmente nosso contato mental. Deusas. Eu já devia suspeitar. Uma delas deve estar impedindo nosso contato, finalmente cheguei a conclusão.

Caminhei, ainda na esperança de conseguir encontrar alguma coisa e fiquei agradecida por aqueles Jogadores estranhos terem desaparecido. Porém, um silêncio enorme se instalou na floresta e eu suspeitei de que alguma coisa estivesse errada porque antes tinha pelo menos uns sons estranhos e agora nada se ouvia.

Os galhos estalando ao se quebrarem debaixo dos meus pés eram o barulho mais alto no momento.

Odiava quando as coisas ficavam silenciosas demais. Só contribuía para a minha desconfiança de que algo estava errado — e quando a gente menos espera, algo acontece.

Demorou um tempo até eu finalmente achar a caverna que Malek estava falando. Pelo menos eu achava que era aquela caverna. Seu interior se encontrava completamente escuro e eu me perguntava o motivo de não ter guardião algum a protegendo.

Pinicados no meu estômago foram o indicador de que aquele era o lugar certo. Junto com esse incômodo veio as tochas nas laterais se acendendo de repente. Engoli em seco. Alguém com certeza devia estar me vigiando nesse momento, mas salvar Malek era a coisa mais importante. Sendo vigiada ou não, teria que continuar caso quisesse o encontrar vivo.

Adentrei a caverna hesitantemente e quanto mais passos eu dava para dentro, mais tochas nas laterais se acendiam. As tochas começaram a ficar distantes e isso significava que as paredes estavam se alargando aos pouquinhos. Logo meu caminho se dividiu em dois e eu parei, agoniada por ter que escolher um dos caminhos. Sabe-se lá o que me aguardava no fim de cada um deles.

Decidi ir pelo caminho da direita primeiramente e xinguei ao chegar no fim dele e descobrir que não possuía saída alguma, apenas abria a possibilidade de escolher entre outros dois caminhos. Se todos os túneis tivessem a mesma coisa, então eu teria que arranjar um plano para conseguir desvendá-los.

Olhei para os lados, tentando ver alguma diferença entre os túneis. Nada. Estava escuro demais para enxergar os detalhes... Faço uma chama surgir em meus dedos ao lembrar que agora possuía essa capacidade. Então observo as paredes e mesmo assim nada de diferente havia nelas. Logo decido verificar o chão. Se eles levaram todas aquelas vítimas, então o chão que eles usam deve ser o mais pisoteado, ou seja, mais solado, aquele meu pensamento tinha que fazer sentido.

Abaixei, olhando com atenção. Minha análise chegou ao fim quando apertei o solo. O túnel da esquerda estava mais solado que o da direita. Decidi seguir minha intuição e entrar no da esquerda. Pela terceira vez o túnel se dividiu em dois e o da esquerda continuou se mostrando mais utilizado que o da direita, por isso decidi arriscar mais uma vez.

Arqueei uma sobrancelha ao sair num lugar diferente ao invés de outros dois túneis. Era uma sala escura. Respirei fundo, arriscando andar um passo pra frente até que algumas tochas se acenderam de supetão, revelando uma mesa imensa de jantar feito de pedra. Nela haviam quatro cadeiras, sendo duas já ocupadas.

Um monstro horrível sorria, mostrando todos os caninos para mim. Seus olhos estavam completamente esbranquiçados, carentes de pupila e íris. Apenas a esclera faziam ainda parecer de fato um olho. A pele pálida destacava os cabelos castanho-escuros, parecendo que foram feito de galhos de árvores secas e retorcidas. Só sabia que era uma mulher por causa do formato do corpo.

Na outra cadeira tinha uma mulher muito mais bonita e com feições conhecidas. Não era nenhuma novidade aqueles cabelos e olhos negros. Ela levantava uma taça acinzentada na minha direção com um líquido dourado dentro. Hécate sorria.

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— Chegou bem na hora do jantar, Kary.

E bem na mesa estava Malek, amarrado e amordaçado, olhando desesperado pra mim.