A guardiã do gelo

Ignorei seus avisos mesmo, seu monstrengo!


Pra completar a monstruosidade daquela...coisa, seu corpo era negro com algumas listras vermelhas, completamente escamado, como a pele de uma cobra. No lugar de pés, possuía tentáculos. A única coisa humana nele eram os braços que possuíam dedos — embora fossem pontudos como garras. Tive medo de encarar aquele rosto por muito tempo. Era assustador ver aquilo no meio da noite.

— Os Boréades avisaram vocês, os Ventos avisaram vocês... E o que foi que fizeram? Ignoraram nosso aviso.

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Cada parte do meu corpo tremia vendo aquele monstro pronunciar as palavras. Uma língua bifurcada escapou da sua boca. Pelos deuses, de onde surgiu essa coisa?, meu cérebro não parava de questionar. Quem é ele? Hades?

— Pensei que ninguém seria suficientemente burro para continuar a jornada após tantos avisos.

Um dos tentáculos que formavam sua sustentação se alongou, vindo até mim e acariciou meu queixo, como se ele avaliasse sua presa antes de devorá-la.

Os ventos beijaram meu rosto sangrento enquanto eu forcei meu braço a se mexer e a criar força o suficiente para me arrastar um pouco para trás, querendo manter distancia daquela coisa estranha.

Cheguei para trás o máximo que deu antes das minhas costas roçarem o limite do ninho. Erguei o pescoço para olhar pra baixo e me arrependi de imediato quando percebi a que altura estávamos. Meu lábio sangrento inferior tremeu de medo.

— Minha esposa falou bastante de você — comentou o monstro, andando (não sei que palavra usar para descrever a forma como ele se locomovia) até ficar de frente para mim.

Era como se as sombras estivessem ao seu favor pois nada do seu rosto eu conseguia enxergar, apenas os olhos vermelhos eram visíveis — fora seu cabelo cheio de serpentes que chiavam, lembrando-me até da medusa.

— Você estragou anos de poções que ela havia preparado.

Enquanto ele falava, eu tentava ligar os pontos, querendo descobrir de quem se tratava. Aos poucos as coisas foram fazendo sentido pra mim. Poções... Equidna... Mãe dos Monstros... casada com...

— Tifão! — exclamei num pensamento alto.

— Monstro dos Ventos Ferozes e Violentos — completou ele seu título devagar, saboreando cada palavra.

— Desde quando você trabalha com Éolo? — questionei duvidosa (e tentando adiar minha morte).

— Desde que ele se tornou Senhor dos Ventos, é claro. Monstros geralmente não tem poderes próprios. Algum deus precisa abençoá-los.

Eu que não gostaria de descobrir o quanto Éolo o abençoou.

— Em troca, eu sou seu guardião.

— Então não há nenhuma chance de negociação? — sugeri.

— Negociação? Nada pode ser negociado, filha de Quione — sua voz se manteve áspera e seus caninos alongados pareceram brilhar.

Engoli em seco. Meu cérebro tentava pensar em alguma saída e as únicas que havia encontrado eram: 1) pular para a morte; 2) ser devorada. Vai ser mais rápido se você pular. Essa coisa com certeza vai querer te devorar e vai fazer isso bem devagar, eu não tinha nem dúvidas quanto a isso.

Forcei minhas pernas, querendo levantar, porém, os ferimentos acabaram abrindo, voltando a sangrar e reproduzindo a dor numa careta em meu rosto. Segurei na beirada do ninho, tentando me manter de pé. Se eu pudesse ver o rosto completo de Tifão, diria que ele estaria quase rindo do meu esforço.

— O que está tentando fazer? Se matar? — debochou ele.

Não respondi, apenas virei-me pra beirada do ninho e coloquei uma das pernas para fora. A cada movimento, meu coração acelerava mais de nervosismo. Fiquei me perguntando como algumas pessoas achavam tão fácil se suicidar.

Coloquei a outra perna para fora, sentando-me na beirada do ninho. Agora faltava apenas um impulso e estaria feito. Que Moros possa definir meu destino agora, pensei quase que em uma oração.

Quando forcei um impulso, xinguei ao sentir um de seus tentáculos me agarrarem pela barriga, impedindo que eu sequer começasse a cair. Não demorou muito até esse tentáculo começar a me apertar, rasgando minha pele com seu couro áspero.

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Esse aperto só parou assim que ouvi a voz de Tifão:

— Quem é você? — rugiu ele.

Virei o rosto para encará-lo, querendo descobrir se ele estava falando comigo, porém, uma figura negra se encontrava ao seu lado. Como não havia nem a luz da lua para me permitir enxergar, decidi torcer para que Moros me abençoasse.

Vi aquela sombra menor erguer algo grande, semelhante a uma lança e a apontar para a sombra maior, o próprio Tifão.

— Seu pior pesadelo — descobri que era uma garota pela voz feminina.

— Não há pior pesadelo senão eu mesmo! — vociferou o monstro, fazendo seu cabelo de serpentes chiarem.

As serpentes de imediato esticaram-se em direção à sombra menor, então outra surgiu do nada e com algo pontiagudo, foi cortando algumas das cabeças, juntamente com a outra sombra que usava sua lança para espetar algumas cabeças também.

Ouvi um biiiip, indicando que alguma das sombras havia xingado.

— Droga, uma me picou — uma sombra murmurou.

Mesmo com os cabelos agora aparados, Tifão não lhes deu trégua ao prendê-las, assim como eu, em seus tentáculos ásperos. Quando ele as trouxe para perto de mim — acho que ele está pensando em jogar nós três lá embaixo —, percebi que se tratavam de Zuhal e Quartina. Como será que eu não entendi isso antes? Era óbvio. Elas estão atrás das pedras Elementais também, raciocinei.

Aproveitando a distração de Tifão com as outras duas, fui congelando o tentáculo que me prendia, até ele se tornar tão rígido que foi fácil de quebra-lo em milhões de pedacinhos de gelo utilizando pouco da minha força.

Outro tentáculo se aproximou de mim, só que eu fui rápida o bastante para usar meu gelo e criar uma pequena adaga, coisa que eu usei para cortar a ponta que me perseguia.

Engoli em seco quando sombras maiores começaram a circundar as duas distrações — Zuhal e Quartina — de Tifão, fazendo escorrer algo pelos galhos do ninho. Meu coração voltou a martelar no peito ao perceber que se tratava de sangue. O que quer que estivesse saindo daquelas sombras, não gostaria de que ele usasse comigo.

Respirei fundo, querendo manter a calma — e a sanidade! — e por um segundo pensei em tentar salvá-las. Entretanto, mais e mais sangue escorria pela pele de ambas e eu tive que repensar sobre isso. Teria que deixar duas vítimas para trás se quisesse salvar minha própria pele.

Corri até a beirada do ninho, olhando para baixo novamente. Não consegui evitar de dar mais uma olhadela para trás, onde Tifão se divertia ao torturar suas vítimas que exprimiam gemidos longos e carregados de dor.

Balancei a cabeça, sabendo que vomitaria se continuasse a ver aquela cena. Cuspi o sangue que se acumulou na minha boca por causa dos meus lábios rasgados e pus mais uma vez os pés para fora do ninho. Antes que eu pudesse ponderar sobre essa coisa de pular algo me joga para fora e se amarra na minha barriga novamente, me fazendo gemer pelos cortes ainda estarem frágeis naquele local.

Fico nervosa ao ver que se tratava daquele tentáculo áspero de Tifão — ele realmente não queria abrir mão de mim. Logo os gemidos daquelas duas torturadas soa novamente, fazendo meu cérebro praticamente gritar para que não me deixasse ser pega por aquele monstro sombrio e gigante.

Ainda com aquela adaga de gelo na mão, a usei para cortar fora aquele tentáculo que me prendia, dessa vez sem nem olhar uma última vez para o chão. Apenas fechei os olhos e o cortei.

Porque dessa vez eu tinha certeza de que nada poderia me salvar.