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Seis


Jane e Maura acabaram no hospital. Eram seis horas da manhã quando Jane decidiu que deveria avisar Kendra sobre o estado da loira. A febre não cedia, e a mulher parecia estar ainda num sono profundo - pelo menos ela não estava acusando Jane de maltratá-la, tentando a todo custo se defender inutilmente dela, mas ao mesmo tempo a morena estava apavorada com a situação. Quando Maura finalmente dormiu, ela afastou o cobertor da outra porque se lembrou de uma vez ter ouvido que durante uma febre muito alta, uma pessoa poderia sofrer convulsão caso o corpo se aquecesse demais. Ela decidiu que seria melhor manter o corpo da outra mais frio, então. Maura tremia em seus braços, e Jane, por algum motivo, não conseguia apenas deitá-la novamente no sofá. Ela continuou segurando-a por muito tempo, sentindo os ossos do corpo magro cada vez que corria a mão pelas costas dela numa tentativa de oferecer qualquer tipo de conforto. Em certo ponto, a detetive concluira que aquela febre poderia ser demais para o corpo já lesado da outra. Ela ligou para Kendra, nem se preocupando com o horário. A voz sonolenta da outra orientou que chamasse uma ambulância e a encaminhasse com urgência para o hospital - algo certamente estava errado.

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E agora Jane sabia o que era.

'Como assim infecção?' Jane rosnou e sua voz recoou no corredor largo do hospital. 'Eu achei que ela tinha ficado tempo suficiente aqui para vocês notarem isso antes.' Ela colocou as mãos na cintura e se inclinou para frente, confrontando a enfermeira. A outra mulher era mais baixa, loira, olhos castanho-claro. Embora fosse menor do que Jane, ela tinha o mesmo espírito forte e não mostrava nenhum medo perante a detetive.

'Detetive Rizzoli, eu posso te garantir que nós a examinamos com todo o cuidado. Fizemos todos os testes -' A enfermeira começou a dizer, mas Jane já balançava a cabeça.

'E vocês perderam um corte que poderia estar infeccionado? Jesus Cristo.' A outra jogou as mãos ao lado do corpo, inconformada. Fazia três horas que ela estava ali na espera. Ela tinha tomada o café aguado do hospital enquanto médicos faziam testes e mais testes na loira. Kendra tinha chegado uma hora depois dela, e Jane contara à ela sobre tudo: desde a maneira como acordara com Maura dizendo coisas sem sentido, ao modo como a segurá-la e lhe dera remédio. Ela se sentia culpada, ela disse à Kendra, porque por um momento pensou que o corpo da outra tinha entrado em colapso por conta dos gestos dela. 'Bobeira', Kendra rebateu e desde então as duas esperaram juntas, num silêncio desconfortável, não por causa da presença uma da outra, mas porque ambas estavam preocupadas com a terceira mulher. Quando uma enfermeira finalmente chamou por elas, Kendra foi convidada a entrar no quarto primeiro. Maura já tinha sido diagnosticada e medicada. Jane ficara do lado de fora do quarto dela, esperando a oportunidade de poder visitá-la - e de descontar a raiva também.

'Ela já está sendo tratada com anti-bióticos. Por incrível que pareça, casos de infecções causadas por simples machucados são mais comum do que você pensa, e o tratamento -'

'É exatamente por isso que vocês deveriam ter pensado nisso antes. Vocês se quer leram a ficha dela? O sistema imunológico dela tá comprometido. Não é preciso ser nenhum gênio para saber disso, e mesmo assim -' Jane disparou, mas agora era sua vez de ser interrompida.

'Detetive Rizzoli.' A voz de Kendra soou fria e alta. Ela fechou a porta atrás de si - a porta do quarto de Maura - e lançou um olhar gélido para ela. 'É melhor você se recompor, caso queira permanecer aqui. Não vou hesitar em chamar a segurança do hospital e pedir para remover você daqui se esse transtorno continuar.' Ela levantou uma sobrancelha desafiando-a a desobedecê-la.

Jane retraiu-se imediatamente. Ela se virou para enfermeira, suspirou e murmurou um pedido de desculpas. A mulher saiu a passos duros, sem respondê-la ou olhar para trás.

'Todo mundo comete erros, Rizzoli. Você sabe disso, não sabe?' Kendra a alfinetou, lançando um olhar para suas cicatrizes.

Jane fechou as mãos em punhos ao se lembrar do próprio erro, o maior de sua vida: seguir uma pista sobre um serial killer; uma que quase a levou de encontro com a morte. Ela desviou o olhar e engoliu em seco.

Kendra juntou as mãos na frente do corpo e abaixou a voz. 'Ela está acordada, e está ouvindo você gritando aqui. Não soe como uma ameaça, Jane.' Ela alertou, e a morena concordou com a cabeça, agora parecendo mais perdida do que nunca. 'Respire um pouco. Quando você estiver mais calma, entre. Ela provavelmente gostaria de vê-la.'

'Ela mal me conhece.' Jane rebateu. 'E eu acho que traumatizei ela ainda mais, Kendra. Eu te disse, não consigo fazer isso.' Ela murmurou, infeliz.

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'Você não entendeu.' Kendra resgatou a conversa de minutos atrás e sorriu gentilmente. 'Não é que ela não quer ser tocada, Rizzoli. É só que ela vai precisar confiar em você primeiro.' Kendra piscou para ela, e Jane se perguntou se ela estava também tendo alucinações. Sinalizando com a cabeça, a outra se retirou e a deixou-a sozinha.

Ela tomou três golfadas de ar, lentamente e se escontou na parede. Talvez ela tenha gritado demais, porque agora não havia sequer um barulho no corredor e ela imaginou que todas as pessoas tinham se calado para ouvir a cena que ela tinha armado. A voz que veio se manifestar depois, era a da própria Kendra, do outro lado da porta.

'Ela só estava tentando te defender, no próprio jeito dela.' Uma pausa, agora a voz mais baixa, como se contando um segredo. 'Ela me contou que tomou conta de você de madrugada. E eu quero dizer, te abraçou e segurou.' Jane a amaldiçoou. Ela pensou em gritar fofoqueira do outro lado, mas achou melhor não se entregar. Continuou escutando a conversa, fazendo uma nota mental de não ser tão detalhista da próxima vez ao narrar algo para Kendra-boca-aberta.

'Oh.' Veio a voz surpresa de Maura, mas tão fraca como na noite em que chegara na casa de Jane - tão baixa que a morena poderia não ter ouvido.

'Eu sei que ela parece assustadora,' Jane torceu o nariz aqui, 'mas ela é leal, Maura. Você pode confiar tua vida nela. Eu confiaria.' Jane sorriu com a última parte, e lamentou não ter pensado em gravar a conversa antes, apenas para pode usar como chantagem depois.

Elas ficaram quietas, então. Jane se certificou de que não tinha mais o rosto vermelho - nem de raiva e nem de vergonha, porque ela não queria que Maura soubesse ou se lembrasse que ela tinha ninado a mulher na noite anterior. E, mais ainda, que ela não se lembrasse o quão ridícula e desesperada ela parecia por não saber o que fazer. Quando se sentiu confortável o suficiente, ela decidiu bater na porta para anunciar sua entrada. Dois pares de olhos a encararam de volta. Tão logo ela deu dois passos, Kendra se levantou da cadeira próxima à cama da loira e se despediu.

'Eu preciso trabalhar em tanta coisa hoje. Maura, fico feliz que você se sinta melhor, e Jane,' ela se virou totalmente de frente para a outra, 'ela é tua responsabilidade agora.' E lhe lançou um olhar significativo - mantenha sua raiva sob controle.

A morena levantou uma mão para se despedir. Ao estar sozinha no quarto com Maura, ela se remexeu sobre os pés. Timidamente estudou outra na cama. Ela parecia tão pequena e machucada. Tão vulnerável ao mundo ao seu redor. Jane limpou a garganta para falar. 'Você se sente melhor?' Ela murmurou, temendo parecer idiota demais - Kendra acabara de dizer exatamente aquilo.

'Sim. Obrigada.' Maura disse com toda educação, mas ainda não parecia confortável o suficiente perto da outra.

Talvez porque você se comporte como uma louca de hora em hora, pensou Jane consigo mesma. Ela suspirou e tentou ser mais amigável, então. 'Você me deu um susto ontem a noite.' Ela disse e riu baixinho. Droga, ela estava fazendo aquilo direito?

'Não foi minha intenção.' Maura disse baixo também, timidamente. Ela olhou para a cadeira e de volta para Jane, como num convite sútil para que se sentasse.

'Você se importa?' A morena quis se certificar; a cadeira estava próxima demais da cama.

A outra piscou os olhos cansados e balançou a cabeça em não. Jane tomou o posto, sentou-se ali mesmo, perto demais da outra. Ela estudou a mão esquerda carregadando uma agulha conectada à um tubo transparente. Agora que ela notara, Maura tinha alguns fios conectados em seu corpo. Um para medir as batidas cardíacas, outro para o soro, e mais outro para o remédio, ela calculou.

'Não dói.' Maura sussurrou, o olhar seguindo a mesma direção do que o de Jane; o tubo em sua mão.

Jane imaginou quanta dor Maura tinha suportado antes para poder dizer isso. É verdade que depois de aplicada as agulhas eram nada mais do que um pequeno incômodo, e não dor, mas as circunstâncias que a trouxeram ali apareciam toda vez que ela se mexia e os tubos acompanhavam seu movimento.

'Oh, eu sei.' Jane mostrou uma mão cicatrizada e viu Maura piscar os olhos pesadamente ao estudar a cicatriz.

'O que aconteceu?' Ela perguntou curiosa, mas a detetive duvidava de que ela iria se lembrar dessa conversa mais tarde. Os medicamentos estavam prestes a apagá-la.

'Isso não é uma história para a hora de dormir, Maura.' Jane murmurou.

Maura tentou um sorriso e respondeu com um tanto de amargura. 'Vamos sonhar nossos próprios pesadelos, então.' E a resposta deixou Jane se sentindo uma completa idiota. Idiota e solitária.

No momento em que voltou sua atenção para a loira, ela tinha os olhos fechados. Jane esperou por longos minutos, até que dediciu que a outra estivesse num sono profundo e, sem censura, tomou-lhe a mão.

Ela não queria se sentir sozinha, e não queria que Maura se sentisse também.