Na testilha contra a vida, a solidão se tornou minha cúmplice.

Em datas passadas, tudo o que eu era, simplesmente me assombra. São tormentas de um mundo cinzento que eu não gostaria de reviver, mas que sou obrigado.

Dia após dia.

Talvez até o meu último suspiro.

Outrora: mercenário barato, crápula, cercado de pessoas de mesmo nível. Hoje: funesto, tendo as únicas coisas a me rodearem os corpos itinerantes dos mortos-vivos, carnívoras, ainda mais mortais que eu.

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Eu presenciei metrópoles ruir perante a morte, vi pessoas se perderem de entes queridos e crianças que imploravam por socorro. Eu não pude ajudar. Eu não quis. Contentava-me enlouquecer com meus próprios demônios, portanto, não ousaria preocupar-me com um outro alguém para ter que escolher entre mim e ele… sempre seria eu. Tornar-se-ia fatal pensar com o coração e, depois de tantas aventuras pelo qual enfrentei, não seria agora que partiria.

Depois de uma longa manhã caminhando ao esmo, escolhi uma casa aleatória em busca de comida e ou água, desviando de um morto à porta, cujo qual relutava consigo mesmo para se manter de pé. Forçado a fazê-lo ceder ao seu destino, fiz uso de uma faca e exterminei os seus resquícios de vida, fincando-a em sua cabeça.

Entrei.

Agora, parado e com os olhos vazios, tive certeza que todas as casas e todas as ruas se assemelhavam: a destruição tornou-se rotineira em cada canto do mundo.

Agachei-me assim que entrei no hall e encontrei a fotografia de uma família. Os antigos moradores eram um jovem casal e suas duas meninas. Pareciam tão felizes. Tão… vivos. Admirei-os até chegar na cozinha, onde encontrei alguns enlatados. Coloquei-os na bolsa e me acomodei na poltrona empoeirada da sala.

Talvez o pai, aquele belo homem alourado, sentasse ali durante seu lazer, segurando uma de suas filhas no colo, enquanto lhes contava histórias fantasiosas ou lembranças de sua infância. A mãe, certamente com a outra criança, sorria e concordava, confortavelmente sentada ao lado, empolgada e feliz por fazer parte daquele momento íntimo.

Enxuguei a lágrima antes que pudesse atingir minha bochecha. Descera tão gélida quanto minh’alma, fazendo-me lembrar que eu vivi um dia remoto como aquele. Que eu me sentei num sofá familiar, e que nunca, nunca mesmo, reencontrei aquele alguém que fora parte de mim.

A maldita solidão me afetava até vendo um porta-retratos trincado!

Não me assustei com o eco que veio de fora, provavelmente era um deles, murmurando palavras que eu nunca entenderia. Levantei-me em um salto e suspirei fundo, atirando a família feliz para o meio do entulho e voltando para minha triste e solitária caminhada. Talvez tenha passado horas, dias, semanas… Não me lembrava bem ao certo, havia deixado de contar o tempo quando tudo aquilo começou... Quando eu perdi a minha identidade.