Moon Lovers: The Second Chance

Melhor filho, Melhor mãe


Em meio a correria daquelas semanas turbulentas, se adaptando ao cargo de liderança da empresa e tendo de tomar decisões as quais nunca se viu preparado para tomar, Eujin acabou negligenciando uma parte muito importante de sua vida: as visitas e os passeios constantes na companhia da mãe.

Depois de se sentir abandonada por vários dias, Ji Eun Tak não pôde mais manter a pose de mãe compreensiva e tratou de passar a mão no telefone, convocando a presença de seu filho mais velho para o dia seguinte, no horário do almoço, estivesse ele muito atarefado ou não.

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Eujin, do outro lado da linha, riu da imposição da mãe, uma mulher incrivelmente paciente até em seus piores dias, mas achou por bem acatar a ordem porque ouviu um timbre atipicamente incisivo na voz dela.

Assim, na tarde seguinte, estacionando diante do jardim muito bem cuidado da casa de Eun Tak, uma construção térrea de bom gosto e contemporaneidade erguida sobre uma planície com vista à cidade, o atual CEO da Wang S.A encaminhou-se para a entrada da residência.

— Mais alguns minutos e eu ligaria para Hansol exigindo que tirasse meu filho do cativeiro — a senhora Eun Tak brincou, abrindo a porta principal para recebê-lo.

— Mamãe!

Eujin exclamou, cheio de saudades, e enlaçou a mulher num abraço caloroso. Ainda no embalo do afeto, aplicou um beijo estralado na bochecha dela ao passo que esta retribuía os mesmos gestos com igual empolgação.

— Cheguei muito atrasado? — ele perguntou, olhando preocupado para a tela do celular, ao se desgrudarem.

— Tive de requentar nossa comida umas duas vezes, mas o que importa é que você chegou para requentar pela terceira — ela sorriu lhe lançando um nada convincente olhar reprovador.

— Opa! Estamos aí pra isso — o rapaz sorriu também, e esfregou as mãos para mostrar disposição.

— Entre de uma vez, menino — ela o puxou para dentro e fechou a porta às costas deles.

Dentro da casa, Eujin não teve de assumir o fogão para aquecer o almoço deles como ameaçado. Sua tarefa, após lavar as mãos muito bem, como a mãe ensinara e supervisionava numa divertida brincadeira nostálgica entre os dois - “Estou lavando entre os dedos, olha aqui, olha aqui” - ele ergueu a mão ensaboada e chacoalhou diante dela soltando respingos de sabão em seu rosto. - “Eujin, pare de gracinhas” - e deixar o terno no cabideiro do hall, era cuidar da arrumação da mesa para que a mãe pudesse chegar com a refeição.

Diferente das mães dos seus outros irmãos, até mesmo a senhora Chang Ru, a mãe de Sook, que nascera de uma família extremamente rica e luxuosa, Eun Tak costumava dispensar empregados como serviçais e cozinheiros se pudesse dar conta do recado sozinha.

E ela cuidava disso muito bem. Cozinhava maravilhosamente bem e, como sempre costumava dizer, sua mão não caía quando precisava lavar a louça, por exemplo. Nem as de Eujin e Sun, criados para conseguirem exercitarem os músculos das mãos e das pernas caso o luxo um dia desse adeus às suas vidas.

— Esse cheiro que estou sentindo é do que estou pensando? — ele perguntou animado, por cima do ombro da mãe, tão logo deixou a mesa impecável — É Bulgogi? Humm, se é…

— O senhor não anda merecendo que eu lhe prepare seu prato predileto, mas aqui estou eu, te mimando um pouco para variar.

— Por que não mereço? — objetou espantado, pegando a travessa das mãos dela — Eu não sou um bom filho não, é? Eu sou impressionantemente incrível, isso sim. E, comparado a algum dos meus irmãos, eu sou praticamente o filho mais perfeito da Coreia. Digo mais, a senhora salvou algum país para me ter como filho, Ji Eun Tak?

— Pare de falar tanta bobeira e coloque essa travessa na mesa de uma vez — a matriarca o repreendeu, embora risse de leve — E em que mundo o melhor dos melhores filhos fica três semanas sem ver a própria mãe?

Eles se sentaram confortavelmente para almoçarem, cada um de um lado, e Eujin aguardou a mãe servi-los com uma refrescante dose de suco de abacaxi primeiro. Enquanto isso, continuava lutando por sua defesa:

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— Apenas ando poupando a senhora de me ver com cara de maluco… Passei até uma noite em claro, na semana passada, ensaiando para uma reunião importante — conforme falava ia intensificando as expressões de pobre moço injustiçado.

— Tá bem, vou fingir que anda tão atarefado que nem se encontrou com sua namorada também — ela soltou, fazendo o herdeiro Wang arregalar os olhos.

Encarando a mãe com surpresa, esperou-a preencher o próprio prato com o sortilégio de alimentos adiante e começou sua tacanha defesa.

— Sun andou abrindo o bico? O que ele falou? — as perguntas vinham carregadas de um sussurro misteriosamente cuidadoso. Na cabeça, uma nota mental para esganar o fofoqueiro irmão mais novo na primeira boa oportunidade assim que o encontrasse na mansão, mais tarde.

— Sun não me disse nada — Eun Tak balançou a cabeça em negativa, o semblante sereno, mas, por dentro, controlando um acesso de riso. Eujin era tão ou mais transparente do que água de nascente e, mesmo que a informação não tivesse chegado pela boca de outra pessoa, a mulher descobriria com mais alguns minutos de conversa.

Os sinais eram claros. Primeiro de tudo, Eujin nunca fora capaz de mentir para ela (ou para ninguém que o conhecesse melhor). Seu rosto o entregava descaradamente, a boca retraída, os olhos ligeiramente abertos, uma veia ameaçando saltar na têmpora esquerda.

Segundo, como a mãe dela sempre dizia, pessoas de caráter não tem vocação para mentira, portanto ele era um péssimo mentiroso. Se pressionado um pouco, gaguejava fácil e desviava os olhos.

Terceiro, alguém apaixonado atravessa a pior das tempestades com mais disposição, e o filho, embora ostentando um aspecto tenso, não parecia tão sobrecarregado como ela esperava encontrar.

— Se ele não disse, então por que está falando uma coisa dessas? — a boca retraída, os olhos ligeiramente abertos… Só faltava a veia saltada.

— Foi Shin quem me disse — ela respondeu de súbito. A seguir, colocou um pedaço de comida na boca e mastigou frugalmente observando-o absorver a nova revelação.

— Q-quando? Co-como Shin disse isso a… a senhora? — gaguejou assim que reencontrou sua voz.

— Eu liguei para você dia desses, numa tarde de semana, e foi o seu irmão quem me atendeu. Aparentemente você havia esquecido seu celular em um dos escritórios e Shin, por acaso, me viu chamando loucamente do outro lado da linha. Então ele atendeu e, já que meu filho tinha sumido, conversei um pouquinho com esse meu outro filho. Foi uma ótima conversa… E muito produtiva.

— Hum… Eu não acredito — Eujin encostou-se na poltrona, indignado — Agora ele deu para atender meu telefone e contar coisas da minha vida para minha mãe? Shin anda abusando dos privilégios de irmão mais velho… E logo ele falando que eu ando namorando? Logo ele que não tem o mínimo de perspicácia para perceber o quanto está apaixonado…

— Shin está apaixonado? — Eun Tak suspendeu seus hashis por um momento, pasma.

— Perdidamente.

— Quem é a moça? Uma pessoa boa? — Que seja alguém bom, por favor. Esse menino já sofreu tanto com pessoas que não mereceram seu amor.

Por enquanto é só uma suspeita, mamãe. Mas ela é boa sim… Se for quem eu penso, ela é a melhor.

— Quanto mistério… Foi-se meu filho e veio Sherlock Holmes no lugar? — Eujin riu — Mas me diga, vamos… Como é essa sua namorada para se tornar mais primordial que as visitas a sua velha mãe?

O rapaz finalmente surrupiou um punhado de Bulgogi e enfiou tudo de uma vez na boca para se livrar das explicações. Ocupando as bochechas com o alimento, tão bom quanto ele supunha, e revirando olhos de êxtase pelo sabor, acabou desviando de dois tapinhas carinhosos que Eun Tak tentava aplicar-lhe no ombro, repreendendo para ele parar de comer feito um “viking esganado”.

Mais tarde, após almoçarem, limparem a mesa e lavarem a louça, todas as tarefas sendo executadas enquanto as pautas sobre como estava Sun, a liderança na empresa, as coisas na casa de Eun Tak e os negócios do padrasto sendo esclarecidas, mãe e filho se acomodaram na belíssima sala da casa com vista para os jardins e se sentaram no sofá cem vezes mais confortável que o da Mansão da Lua – Ah Ra tinha uma estranha mania de sobrepujar aparências no lugar do conforto – para continuarem conversando. Eujin não demorou a deslizar para o lado, deitando e encostando a cabeça no colo de Eun Tak para pedir o famoso e terapêutico cafuné da senhora Ji. Enquanto os dedos da mãe massageavam seu couro cabeludo, ele, sabendo que agora vivia uma relação mais séria, enfim comentou:

— Ela se chama Nahm Hye, mamãe.

— Nahm? Como Nahm Corporation? A empresa?

— Hã? — olhou para cima, para a mãe, ligeiramente confuso pela alcalose metabólica pós-almoço. Então, captando a referência dela, o nome da segunda maior empresa automobilística da Coreia do Sul, anuiu — Sim, se escreve igual.

— Interessante. Nahm Hye é um nome e tanto. Gostei de como soa.

— Soa como a garota mais bonita e inteligente que eu já conheci. Sério, mamãe… Ela é demais.

— Nossa… Tem alguém muito apaixonado além de Shin — Eun Tak observou esfregando a cabeça do filho com mais força — Assim fico com ciúmes — ralhou brincando.

— Ah!, mãe, é sério… Não é uma garota apenas. Alguém para sair e passar o tempo quando se está entediado. Eu me sinto bem com ela, me sinto… completo.

— Oh… — ela se consternou. Não via Eujin falando daquele jeito sobre uma garota, com tamanha gravidade na voz e peso nas palavras, desde a jovem empregada com quem se relacionara na casa do pai. Naquela época, não tão longe assim, Eun Tak teve de ajudar muito o filho, ainda um rapaz recém-saído da adolescência, a seguir em frente carregando aquela decepção — Parece algo mais… mais consistente então…

— Eu sei o que a senhora vai falar — ele resmungou — Para eu tomar cuidado, não criar muitas expectativas e agir com mais razão do que emoção. Vai dizer que sofri demais aquela vez e posso não estar preparado para outro tombo. Que ela pode ser só alguém legal e não minha futura esposa. Eu sei de tudo isso, mas…

— Não ia falar nada disso — a mãe balançou a cabeça numa suave negativa, encarando-o bondosamente — Esse é você falando e dando justificativas para o seu subconsciente.

— Caramba, mulher — bufou, depois de um segundo de perplexidade — Às vezes esqueço que estou conversando com uma psicóloga em formação. Pare de me analisar…

— E quem pode ter uma mãe psicóloga? Você deveria estar me agradecendo — retrucou, puxando um dos fios do cabelo dele, que gemeu — Falando sério agora, filho… Eu não estou aqui para te dar todos os breques. A impulsão faz parte da idade e, por mais que eu diga e repita, não posso controlar algo inerente à natureza humana. Eu já passei por coisas semelhantes antes… bem, antes do seu pai.

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“Vou ficar triste em te ver machucado caso esse romance não vá adiante? Com certeza. Você puxou a mim e nunca consegui me decidir se isso foi bom ou não. O certo é que nós dois confiamos demais nas pessoas e nos entregamos além da conta se eles nos derem corda para tal. E, sabe? Sinceramente, quem sai perdendo não é quem ama, mas quem não aproveita a chance de ser amado. É assim que sempre é.”

Eujin olhou para a Eun Tak, que estava com os olhos marejados ao falar. Não era a psicóloga falando realmente… Era a mãe. Ele sentiu uma vontade absurda de se sentar em seu colo e lhe dar um abraço forte nela, mas se segurou até que ela terminasse seus conselhos acalorados.

— … Ame o quanto tem de amar. Seja feliz até onde conseguir com essa moça, nem que tenha de se arrepender daqui um mês, um ano, um século. Faça. Faça e se tudo acabar mal eu estarei aqui para consolar você. Sempre aqui.

— Ah, mamãe! Pare com essa covardia… — ele se sentou e arrematou a mulher entre seus braços — Pare de ser a melhor mãe do mundo. Eu só vim aqui para almoçar, não para chorar e sentir muito mais orgulho de você.

— Eu só achei que deveríamos estar quites — ela disse tão logo o aperto do seu garoto mais velho afrouxou a pressão em seu tórax — Melhor filho, melhor mãe.

***

— Quando vou poder ser inserido nas reuniões novamente, Gun? — indagou Jo Han Rok incisivamente para ele.

Gun olhou com desprezo para o homem que ele próprio havia inserido dentro de seu patrimônio e amargou não poder apenas ignorá-lo. Em algumas reflexões chegava muito perto de se arrepender da parceira firmada com Nam Seong, o presidente da Busan Yong Motors¹, também conhecido como o terceiro maior concorrente da Wang S.A no mercado automobilístico nacional. Em outras, ele sentia que aquele continuaria a ser seu maior trunfo diante do pai quando o momento do lançamento do projeto chegasse.

Sendo Gun, o mais dedicado dos filhos, a solucionar o problema do motor do novo projeto, Hansol não teria argumentos, principalmente perante os acionistas empolgados, contra colocá-lo à frente dos negócios.

— Eu estou falando com você — o insuportável engenheiro selecionado por Nam Seong acenou para o herdeiro, a mão balançando na frente do seu rosto, como se ele tivesse obrigação de responder prontamente ao idiota.

— Não sou surdo — ele respondeu entredentes.

Estavam em um restaurante discreto que servia comida tailandesa, longe de possíveis olhares inconvenientes, numa das salas reservadas do estabelecimento. Era fim de expediente e tudo o que Gun queria era se livrar daquele homem, mas ele o abordou a caminho da saída dos escritórios, pedindo para falarem em privacidade.

Uma garçonete deslizou a porta de madeira e entrou no reservado, colocando as bebidas diante dos clientes. Depois, num gesto educado, deixou o recinto sendo ignorada pelos dois homens.

— Então me responda… Quando vai conseguir me colocar nas reuniões? Esqueceu da sua parte no acordo, Sr. Wang? … Ou seu irmão mais novo tem mais autoridade que você naquela empresa?

Gun semicerrou os olhos, encarando o sujeito com todo o desprezo reunido. Provocações como aquelas vinham de todos os lados, mas vindo da boca de um desconhecido, de alguma forma, tornava tudo pior.

Sua vontade era de abrir o jogo, mesmo que isso significasse dar o braço a torcer, mesmo que isso significasse a destruição dos seus planos, e contar ao Sr. Han Rok que Eujin agiu muito bem ao cortá-lo das reuniões. Não era intenção de Gun, em nenhum momento, dividir os segredos do P02 com a Busan Yong Motors, apenas enrolar o presidente por tempo suficiente para ter seu motor infalível e depois traí-los.

— Acontece que eu lembro de ter combinado com o seu chefe, lembro bem, de que passaria para vocês informações atualizadas e em primeira mão quando tivesse a oportunidade. Vocês estão sendo apressados.

— E o senhor, muito confiante — Jo Han Rok apoiou os dois cotovelos sobre a mesa, se inclinando para ele. Havia qualquer coisa fria e imperscrutável no olhar do homem — Acha mesmo que confiamos na sua palavra?

— Pois é tudo que vocês tem! — abriu os braços em sinal de rendição e riu cinicamente — Se continuar forçando a barra, meus irmãos perceberão… Se forçar mais ainda, meu pai perceberá. Se meu pai perceber, há grandes chances dos nossos negócios acabarem antes de se tornarem sólidos. Vocês querem e eu também, então não encontro motivos para prejudicar essa negociata.

— Você está rodeando… Apenas isso…

— Tudo bem. Querem uma prova? Amanhã eu reunirei dados importantes para vocês terem a maldita prova da minha palavra — apontou para si com veemência — Coloco tudo na sua mão até a hora do almoço, só não peça um encontro às escondidas para poder me ameaçar — se levantou da mesa — Diga isso ao seu chefe, aliás. Não sou um homem que se possa encurralar ou humilhar. Sou um Wang.

E, terminando sua frase, abotoou o terno na altura da cintura e abandonou Jo Han Rok no restaurante, antes que os pedidos de jantar pudessem chegar quentes e saborosos para a mesa.

Na rua, se sentindo sufocado perto de tantas pressões e viradas inesperadas contra ele, Gun afrouxou o nó de sua gravata, entrou em seu carro e começou a dirigir sem rumo para espairecer. Sua mente continuava perturbada, nadando por mágoas recentes que nada tinham a ver com sua candidatura a CEO da empresa do pai.

Ele pensava em Na Na. E em Na Na e Taeyang.

Ao que tudo indicava, aquela porta havia se fechado. Analisando os últimos acontecimentos, as coisas que havia dito para a ex-namorada, o vexame de ter seu pedido de casamento recusado, as evasivas dela como se eles não houvessem sido íntimos algum dia e, por fim, a estocada final, diante de todos os irmãos… Pior, sendo arquitetada por Eujin, Shin, certamente por Taeyang, para que Na Na pudesse viajar em total privacidade e liberdade, sobre o aval de todos ainda, numa espécie de momento íntimo com Taeyang.

Entrando numa avenida movimentada da cidade, Gun começou a se dar conta de que a família toda estava se unindo para derrubá-lo. Nem Jung merecia mais sua confiança, todo risos, amabilidades e conversas demoradas no quarto de Shin. “Ele é nosso irmão, oras. Não vejo nada demais” teve a petulância de responder uma vez, ao ser questionado por ele.

Então, expondo todos os fatos, resgatou na memória o exato instante em que tudo começara a desandar. O evento X que fez aquele bando de idiotas do qual compartilhava o mesmo sangue acreditarem ser melhor do que ele… A volta de Shin, essa era a maldita resposta.

O cão vira-latas entrou em cena e a plateia se compadeceu de suas feridas, suas sarnas, seu imenso coraçãozinho carente, pressuroso por alguma atenção, um afago nos pelos sujos e um lar para chamar de seu. Todos estavam entusiasmados pela chegada do bichinho novo e não pareciam se enjoar com facilidade.

Por fim, mais uma questão rancorosa e repleta de desapontamento arrulhou como um sopro amargo no fundo da alma. Por que seu pai continuava fazendo isso com ele? Por que?

Os pensamentos incômodos foram bruscamente interrompidos por uma buzinada enlouquecida e uma freada brusca. Gun pisou no freio por instinto, ou seu carro bateria de frente contra o para-choque de outro veículo.

O motorista inclinou a cabeça para fora da janela, gesticulando raivosamente na direção do herdeiro enquanto ele se dava conta de que havia entrado na contramão da agitada via. Logo, outros carros foram parando atrás do primeiro e uma sinfonia de buzinas impacientes se iniciou.

Se sentindo derrotado, o Wang manobrou o volante para voltar na direção correta e fez um grande esforço para se concentrar apenas na viagem de volta para a Mansão da Lua.

***

Enquanto lembrava de todos os conselhos que lhe foram dados pelos irmãos e por Ha Jin, Sun, deitado desleixado sobre a cama, pensava em como seria o tal encontro com Doh Hea. Por mais que tentasse, não conseguia ver nada além de uma garota chata que fazia de tudo para chamar sua atenção, desde praticar seus esportes favoritos até os jogos de computador.

Ela era bonita, sim, e seu empenho em agradá-lo em tudo proporcionava conversas divertidas, às vezes, mas não passava disso, e ele sentia-se frustrado por ser obrigado a sair com uma pessoa que tinha certeza que não nutria absolutamente nada em comum com ele.

— O que está fazendo? — Jung, que invadira o quarto sem pedir permissão, deu um crock na testa do mais novo — Por que está com essa cara de pobre coitado?

— Você é um brutamontes mesmo — Sun ralhou esfregando o local atingido — Quem lhe deu permissão para invadir meu quarto assim?

— Desde quando preciso de sua permissão para fazer o que bem quiser? — Jung perguntou empurrando o irmão, deitando na cama também.

— Desde que esse quarto me pertence? — o outro respondeu irritado — Por que insiste em me irritar?

— Porque é incrível ver a sua cara irritada — o sorriso debochado estampando o rosto — Mas vamos falar do que realmente importa... Quando vai chamar Doh Hea para sair? Estou começando a duvidar que goste de mulheres porque...

— Ah... Cala a boca! — Sun lhe deu um golpe de punho fechado sobre o estômago, pegando o irmão de surpresa — Já disse que vou chamar quando achar que devo.

— Cara... Essa desculpa não cola mais — Jung esfregava o estômago — É melhor você chamar a garota de uma vez antes que perca a oportunidade.

— Que oportunidade? Hea é uma chata irritante que não tem nada de atrativo.

— Tem certeza que é isso mesmo o que acha dela?

— Ah... Claro! Ela é muito forte, é estranha…

— E te intimida… Pode te bater a qualquer momento…

— Vá se ferrar…

— Que boquinha podre… Tem que lavar com um bom desinfetante — Jung se moveu para o irmão tentando mexer em sua boca.

— Ah... Para com isso...

— Admita que gosta dela e está tudo certo...

— Não gosto dela. Ela é pegajosa e faz aquele monte de coisas...

— Que você gosta...

— Eu sei. E você também sabe que faz só para que eu goste dela.

— E se ela simplesmente gostar de esportes e games de fato?

— Esgrima e boxe? Isso é lá esporte de meninas — falou frustrado — Ela tenta ter assunto comigo e, para isso, fica fazendo coisas que eu gosto como pretexto.

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— E é só isso o que acha dela? Acha então que tudo o que ela faz é por e para você?

— Sim... — fechou a cara.

— Sun, você precisa olhar as coisas por outro ângulo. Nem tudo o que uma garota faz na vida é para agradar a quem ela gosta. Talvez você esteja se valorizando demais e esquecendo de ver as muitas qualidades que ela tem.

— Ah é? Você acha mesmo? — o mais novo continuou debochado.

— Acho sim, e você realmente se engana por isso. Doh Hea é uma garota legal. Nosso pai conhece a família dela há séculos e ela sempre esteve por aqui. Ela sempre esteve perto de você, é verdade, mas se tornou uma garota muito inteligente e bonita, não acha? E tem uma ótima personalidade, você não pode negar.

— Eu sei… Eu sei. Mas é igualmente irritante...

— O que aconteceu? Por que está mais azedo que de costume?

— Ah... Não estou azedo.

— Sei... Discutiu com sua namoradinha virtual?

— Não fale dela. Nem mesmo um "a".

— Sun... De verdade, você acha mesmo que vale mais a pena nutrir um sentimento por uma pessoa que você nem mesmo sabe se é uma garota, porque a internet engana, do que dar uma oportunidade para uma boa moça, cheia de qualidades e de carne e osso?

— E por que não vai você então se encontrar com ela?

— Porque quem perdeu a aposta foi você. Se fosse comigo, já teria falado há muito tempo.

— Sim... Sei bem. Quanto tempo faz que você fica cercando a Ha Jin e não fala nada?

— Lá vem você — foi a vez de Jung se irritar — Fique sabendo que já fiz várias coisas sobre isso...

— Tipo o que? Pegar uma cadeira para ela sentar no fiasco do jantar de noivado do Gun?

— Não fale...

— E ainda teve que ver ela sentar ao lado do Shin — Sun gargalhou daquela pequena vitória — Até mesmo Shin está na sua frente no que diz respeito à Ha Jin. Você não é ninguém para me dar lições de moral ou tentar me mostrar como conquistar uma garota.

— Ao menos eu tentei... — Jung falou exasperado, a face avermelhada, o semblante igualmente entristecido — Eu já percebi que não é de mim que ela gosta... Faz um tempo...

— Ainda bem. Estava mais que na cara.

— Mas...

— Mas nada. Tome os mesmos conselhos que me deu, fale com ela e resolva sua situação.

— Cara... Você é uma peste — falou ao sentar-se sobre a cama — Eu te odeio.

— Vamos lá... — Sun sorriu — Já que é tão macho e decidido, vamos fazer um trato: Sei que estou em falta com a minha palavra na aposta, mas se você resolver seus problemas com a governanta, chamo Hea para sair no final de semana seguinte.

— Não pode apostar comigo. Você já perdeu a aposta.

— Eu sei — Sun sorria confiante de sua vitória — Mas estou definindo prazos. Se falar com Ha Ji, saio com Hea em seguida.

— Seu filhote de...

— Não me xingue. Somos irmãos.

— Aish… Está certo, então.

— E só para que saiba… Midori está chateada comigo…

— O que houve? Como você conseguiu fazer uma garota virtual ficar chateada com você? — Jung perguntou curioso.

— Falei para ela sobre a Hea…

— O que? — Jung ralhou irritado — Como pode ser tão idiota?

— E eu iria mentir?

— O que disse?

— Ela perguntou porque eu estava distante e falei que precisava levar uma garota para sair… Ela ficou chateada, falou que eu fizesse o que quisesse e saiu do chat.

— Mas é um imbecil mesmo… Como fala de uma garota para outra? Mas talvez seja melhor assim… Você para de se distrair com uma bonequinha virtual e passa a ver as de carne e osso que estão na sua frente.

— Falou o senhor das mulheres…

— Não sou… — falou se levantando da cama — Mas tento, e com uma garota de verdade. Vou falar com Ha Jin, vou dizer sobre tudo o que senti e percebi, vou ser franco, e você — apontou para o mais novo — trate de se preparar… Seu encontro com Doh Hea se aproxima.

Em seguida, pegou um dos travesseiros e lançou com força contra o irmão. Sun resmungou irritado enquanto o irmão saía de seu quarto pensando se aquela nova aposta realmente fora uma boa ideia.

***

Sentado à mesa de estudos de seu quarto, Shin tentava manter-se concentrado às leituras da noite, mas o barulho dos irmãos mais novos no corredor dos quartos e o pensamento na governanta irritante não deixavam que focasse do importante.

Levantou-se de uma vez, fechando o livro com irritação e se jogou sobre a cama. Pegou um dos travesseiros e pressionou sobre o rosto, cansado por não conseguir manter o foco e por seus pensamentos desconcertantes, a imagem daquela garota molhada da chuva perambulando na sua cabeça.

— Obrigada pela carona, senhor — Ha Jin falou com grosseria tão logo desceu da moto do patrão, lhe devolvendo o capacete.

— Não precisa agradecer… Não foi uma experiência agradável, de fato.

— É… Realmente não foi — ela respondeu com azedume, surpreendendo-o.

— Acho que vou desistir de você — Shin rebateu frustrado, prendendo o capacete recebido no braço — Não dá para esperar gratidão e educação de quem não os têm.

— O que? — Ha Jin, encharcada, olhou indignada para ele. A chuva havia, finalmente, cessado — Não dá para ser grata por algo assim — apontou para si mesma em seu estado deplorável.

— Quando voltar a precisar da minha ajuda, vou pensar duas, ou melhor, vinte vezes antes de me disponibilizar a fazer algo por você. É uma mal agradecida que não consegue entender o que as pessoas fazem por você.

— Ah é? Pois eu agradeço que pense bastante antes de me oferecer esse tipo de ajuda. Realmente, acho que não preciso delas.

— Mas… Você é… Ah, que língua ferina essa sua. É tão gelada quanto essa noite. Afiada como uma espada de dois gumes.

— Fico verdadeiramente agradecida pelos elogios. O senhor é, certamente, um homem muito gentil e que sabe ser amável com as mulheres. Foi muito gratificante poder ouvir todas essas palavras recheadas de carinho e respeito. Obrigada — fez uma vênia profunda, o tom de voz era debochado e o olhar, altivo.

— Você… Você… Sua… O que eu faço com você? — estava irritado por ouvir todas aquelas palavras e, ainda mais, por continuar querendo calá-la com seus próprios lábios — Por que você é assim?

— O senhor não pode fazer nada comigo — “Queria realmente que fizesse” — Mas o que pode fazer por mim é parar de me colocar em situações de risco. Se o senhor ficar doente e vier me acusar, farei de conta que não sei de nada e vou ignorar tudo sobre o que me acusarem.

— Aigo… Como pode?

— Agora, se me der licença, vou para minha casa. Estou toda molhada e congelando graças ao meu maravilhoso patrão — concluiu e começou a caminhar em passos rápidos e pesados para a sua casa, sem olhar para trás.

Shin, contrariado demais por todas as coisas que ouviu naquela noite, não conseguia tirar de sua mente dois fatos irritantes ocorridos na presença da governanta: O primeiro, era a raiva que sentia por ela tê-lo ignorado ao dizer que nada do que aconteceu no último sábado teria acontecido se ela estivesse sóbria. Em sua cabeça, a governanta o diminuiu e lhe fez ser alguém sem importância. Ela lembrava do quase beijo e o ignorou ao afirmar que aquele momento não passou de excesso de soju.

O segundo, e esse seria o mais complicado de conviver, era aquele sentimento estranho que sentia ao se aproximar dela. A imagem do seu corpo molhado sob a blusa transparente. Sua consciência pesada por não alertá-la daquela situação e a dificuldade para aceitar que desejou, e continuava desejando - agora, sóbrio - beijar a governanta.

...

“Ela lembra de tudo o que aconteceu no karaokê e não falou nada. Ela resolveu me ignorar. Aquela garota atrevida que não respeita seus patrões… Ou melhor, que não respeita seu patrão. Esse tratamento arredio é reservado apenas para mim. Com meus outros irmãos ela é sempre simpática, cheia de sorrisos e bem-feituras. Aquela… Aish!”

Virou-se sobre a cama, focando o celular esquecido acima da escrivaninha. Virou-se para o outro lado. Aquela rotina irritante com o aparelho desde que salvou o número da petulante também começava a lhe tirar do sério. Concentrou-se em pensar sobre outras coisas. Focou em outros problemas.

Não conseguiu.

Voltou a focar o celular mais uma vez. Fechou os olhos e respirou profundamente, tentando controlar o braço que se movimentava por conta própria e aproximava a mão do aparelho. O pegou de uma vez, levando-o até diante dos olhos, deslizando o dedo sobre a tela, o desbloqueando.

Abandonou novamente o aparelho, dessa vez ao seu lado, sobre a cama, mas continuando a olhar para ele. Bufou e o tomou novamente, deslizando os dedos pelo visor em busca de nada em especial, tentando enganar a própria mente sobre procurar a garota entre aquela lista de nomes do aplicativo instalado insistentemente pelo irmão mais novo dias atrás.

Até mesmo aquele aplicativo estava provocando irritação no pobre homem. Havia descoberto que a governanta também estava presente entre sua lista de contatos, mesmo que não soubesse que, do outro lado da cidade, estava sendo observada.

Observar. Era o que ele fazia agora. Parado, deitado sobre a cama, olhava a foto daquela petulante, sorrindo despretensiosamente em sua imagem de perfil, provavelmente feliz e satisfeita por todas as vezes que foi insubordinada com ele. Se perguntava se ela estaria conversando com alguém naquele momento. Um namorado, talvez? E seria por isso que sempre o tratava com descaso?

“Será que ela realmente tem um namorado e por isso nunca deu espaço para Jung? E por esse mesmo motivo sequer me trata com educação? Essa… Não pode ser. Não é possível que tenha um namorado. Quando o veria já que ela passa a maior parte da sua vida aqui? Mora com ele? Não, não… Não poderia. Ela sempre está com aquela amiga louca dela. Ela não tem um namorado. Não pode ter.”

Respirou profundamente, observando a foto, tentando tirar aqueles pensamentos e sentimentos estranhos de dentro de si. Tocou de leve, com o dedo indicador, a foto que, aumentada, tomava toda a tela do celular. “Ela é realmente bonita. Não é a toa que Jung se apaixonou por ela. Mesmo que tenha uma língua afiada e seja insubmissa, não posso negar que tem muitas qualidades.”

— Você chegou bem em casa?

Shin arregalou os olhos ao ouvir sua própria voz pronunciando aquela pergunta. Se sentiu estúpido por estar conversando com uma foto.

Largou o celular sobre a cama, a foto dela ainda na tela, e focou a janela do quarto, a cortina aberta. Lá fora, uma chuva forte castigava a noite. “Deveria mandar uma mensagem para ela perguntando se está bem? Não, claro que não, seu louco. Ela não sabe que você tem o número dela. O que ela vai pensar se, do nada, receber uma mensagem dessa? Ela deve estar bem, sim, e deve estar aquecida. Já deve até estar dormindo.”

— Acho que as coisas são um pouco corridas para você, governanta — falou para si mesmo, enquanto observava as grossas gotas de chuva escorrerem pela janela — Você sai tarde daqui, passa um tempão no ônibus e tem que estar cedo no outro dia de volta nessa casa. Acho que é meio cansativo… Fico me perguntando se todo esse esforço faz bem para o seu coração. Mas o que você está fazendo, seu idiota? Com quem está conversando?

“Pare de pensar nessa garota. Ela não está nem aí para você.” Bateu no rosto com as duas mãos, uma tentativa de despertar daquele devaneio. Pegou o aparelho e o bloqueou, descartando-o sobre a escrivaninha mais uma vez. Levantou-se e se direcionou à cozinha. Um bom copo de leite, era disso o que precisava. Dormir como uma pedra, parar de pensar sobre essas coisas sem sentido. Parar de se portar como um louco. Concentrar-se em manter a governanta longe de seus pensamentos.

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