Durante o Fim

Segundo Dia - Hugo


Ora observando o pai, ora observando a mãe, e na maior parte do tempo olhando por cima do ombro para o caminho percorrido, procurando se precaver e avisar a família caso alguma adversidade os atravessasse na mesma violência da hora anterior.

O pai seguia na frente, calado, os ombros rígidos, o olhar impassível, dividindo o matagal para que os três pudessem seguir por uma trilha mais decente. A mãe, que não falava nada além do muito essencial, pegava Hugo pela mão, incentivando-o a prosseguir pela íngreme planície.

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A família, a despedaçada família, deixou a lanchonete algum tempo depois de Hugo chamar o pai no banheiro, e seguiram na direção das demais pessoas, beirando a estrada.

Durante o percurso sinistro, debaixo de uma garoa rala, não precisaram tomar uma longa distância para avistar o destino da minivan. O veículo que salvou suas vidas do primeiro ataque fora abatido. Abandonado próximo a lama, com os pneus furados e arraiados, do capô erguendo fumaça, e todos os vidros quebrados. Não havia ninguém nos bancos, mas uma grande quantidade de sangue manchava os assentos.

ー Gente idiota… ー rosnou Rose, raivosa ao ver o estado do carro que, no fim das contas, não levou pessoa alguma à lugar nenhum.

ー Vamos seguindo, crianças ー Hermione os incentivou, evitando olhar na direção da minivan.

O garoto encarou o banco de trás, soturnamente, tendo uma onda de temor ao lembrar-se do que houve quando estava sentado ali.

ー Falta muito para Jacksonville? ー a mãe prosseguiu, não nomeando a pergunta a nenhum dos três, mas implicitamente perguntando ao pai.

ー Alguns quilômetros, Hermione ー Rony respondeu sem preâmbulos, a voz aparentemente zangada, sintonizada no tom que Hugo escutava antes de tomar uma bela bronca ー Eu aconselho sair desse acostamento e cortar caminho pelo morro. É mais escondido também.

ー Vá na frente abrindo o mato ー a mãe rebateu com frieza. Nem aprovando e nem discordando da ideia dele.

ー Como quiser ー o pai falou secamente, subindo o aclive à direita para abandonar o asfalto.

No meio da relva o andar era penoso e o garoto tinha a impressão que eles nunca chegariam a lugar algum. Além do mais, o céu era um tapete tingido de negro, salpicado de minúsculos pontos luminosos, que bem poderiam ser camuflagens de uma futura ameaça invasora.

Tudo estava escuro demais para o gosto de Hugo, e mesmo atrelado a mão da mãe e conseguindo distinguir o pai e a irmã compartilhando daquela caminhada, ele se assustava constantemente com vultos dispersos pela planície. Outras famílias tendo ideias semelhante a deles e andando silenciosamente à certa distância.

O menino veio sentindo um misto de exaustão e temerosidade. Os sentimentos foram se esticando gradativamente e então se tornaram insuportáveis demais para ficarem somente com ele.

ー Mãe, tô com medo. Tô cansado ー Hermione parou de andar, agachou na altura dos olhos dele e acariciou as bochechas do filho, carinhosamente.

ー Eu sei, meu amor. Eu sei… ー havia água querendo brotar para fora dos olhos dela ー Só mais um pouquinho, eu prometo.

ー Vem com o papai ー Rony surgiu ao lado deles, tomando o garoto pelos braços e erguendo-lhe o corpo do solo, ajeitando no seu colo.

Houve um instante de hesitação ao ser carregado. Hugo teve a impressão que o pai gemeu baixinho, mas então ele ajeitou o garoto nos braços e prosseguiram morro acima, mantendo o ritmo.

ー Dorme filho, fecha os olhos ー Hermione sugeriu quando seus olhos cruzaram com os do garoto, que abraçava Rony pelos ombros e observava a morena e a irmã avançando logo atrás.


Hugo deu uma última espiada em Rose, ela parecia tão forte e destemida, e resolveu seguir os conselhos da mãe. Na segurança do colo do pai, o menino fechou os olhos e apagou quase que no mesmo instante.