Durante o Fim

Primeiro Dia - Hermione


Os gritos de Hugo eram muito mais agudos que os de Rose. Hermione subiu para o segundo andar abocanhando os degraus de dois em dois para ir resgatar seu caçula mais rápido.

Ela nunca vira aquilo! Era como se os Estados Unidos tivesse virado um pára-raios ambulante. Ou isso ou Deus finalmente resolveu virar a plaquinha da Terra para "Em reforma". Qualquer que fosse o caso, seu instinto maternal fazia ela correr em busca de suas crias antes de pensar em se proteger.

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Com o peito doído de dó, a morena encontrou seu menino debaixo dos lençóis da cama, tremendo. Hermione puxou a coberta azul celeste com desenho de discos voadores e ergueu Hugo de lá, passando o corpo dele pelo seu braço. Abraçou-o então, bem forte, para fazer o desespero ir embora dele.

ー Estou aqui, já passou ー aplicou um beijo no alto da cabeça dele.

.

Se Rony estivesse em casa poderia carregar Hugo, com seu corpo bem alimentado de nove anos, facilmente para o andar de baixo, mas com Hermione ela tinha de convencê-lo a vencer seus pavores e descer as escadas.

ー Cadê o papai? ー foi a primeira preocupação dele depois do consolo da mãe.

ー Ele já está chegando ー respondeu a morena prontamente.

ー Ele não deveria ter saído de casa ー o filho observou, ansioso.

ー Vamos lá embaixo esperar por ele. É mais seguro.

Hugo estava certíssimo. Ronald, ela bem conhecia aquele homem, deixou-os sozinho para poder esfriar a cabeça e a desculpa encontrada na rua caiu-lhe como uma luva. A bronca que Hermione sentia por isso não diminuía o desassossego no peito. O cabeça-dura, desprotegido ao relento no meio dessa chuva infernal de descargas elétricas, seria mais do que ela poderia suportar, em breve.

Mãe e filho começaram a descer as escadas cautelosamente e o tempo não mostrou mais seus sinais agressivos. Chegando ao patamar, a morena encontrou tudo silencioso e Rose ainda debaixo da mesa. De lá, ela informou as boas novas:

ー Acho que a eletricidade acabou igual no condomínio da Mary.

De fato, a televisão era uma tela morta e todos os aparelhos digitais tinham seus visores desligados. Voltando-se para o filho, ela observou Hugo ir sentar-se debaixo da mobília junto a irmã, de boa vontade. Hermione foi convidada pelas crianças a se unir no chão, mas antes precisava conferir seu aparelho celular no sofá. Como lá fora tudo ficara repentinamente silencioso ela correu para o objeto. Quem sabe houvesse alguma mensagem de Rony.

ー Eu carreguei esse troço antes de sair de casa! ー exclamou, chocada, ao ver seu smart phone não ligar de forma nenhuma ー Rose, me passa o seu.

ー Ele parou também, do nada ー a adolescente deu de ombros, confusa.

ー O que há com o mundo hoje? Preciso falar com o pai de vocês para nos deslocarmos logo para o abrigo no porão… ー e completou em pensamento “e saber se ele continua inteiro”.

Caminhou resolutamente para a janela mais próxima, na mente mil e um planos de emergência que não colocasse seus filhos em risco. Afastou as cortinas devagar, espiando para confirmar se os vizinhos enxeridos bateram em retirada para os seus lares. A rua, de fato, ficou deserta, mas se esquadrinhasse com atenção nas esquadrias dos imóveis delimitaria silhuetas por trás de cortinas e vitrôs, exatamente como ela fazia agora, estudando o próximo ataque da natureza.

O olhar de Hermione foi além: ela voltou-se para o céu. E, de repente, ele não era mais o mesmo céu dos seus outros cento e vinte e quatro mil dias de vida naquele planeta. Uma sensação esponjosa de que algo maligno espreitava-os por detrás das nuvens produziu um arrepio pelo corpo todo dela.