Em uma de suas lembranças mais remotas, Deirdre encontrava-se ajoelhada na praia de Avalon, usando um graveto para rabiscar na areia úmida. Mesmo após tanto tempo, ela ainda conseguia visualizar a imagem que estava representando: uma espada comprida, com uma palavra que nem ela mesma entendia e pensava ter inventado registrada em sua lâmina. Estava profundamente imersa em seu desenho, até ser interrompida pela voz severa de Nimuë, que chegava por trás dela:

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— Deirdre! Eu lhe procurei por todo lugar. O que está fazendo?

A menina virou a cabeça, fitando a mãe com uma expressão atordoada.

— Desenhando…

A mãe se aproximou e olhou seu desenho com algum desinteresse.

— Ficou bonito. Mas venha, preciso da sua ajuda para buscar as roupas do rei.

Deirdre deixou de lado o galho e seguiu Nimuë a passos rápidos até o chalé onde viviam. No centro dele, havia um baú entalhado em mogno que guardava vestimentas nobres, belíssimas e muito pesadas. Deirdre o abriu e pegou um manto azul-escuro com detalhes em dourado, enquanto a mãe se encarregava de levar uma cota de malha e uma coroa cravejada de rubis e diamantes. Deirdre arquejava sob o peso daquele simples tecido bordado a ouro, embora a mãe já estivesse acostumada e não parecesse se esforçar muito. Então elas caminharam lentamente até a sepultura do Rei Arthur.

Parecia um longo e tortuoso trajeto, embora a distância medisse apenas alguns metros. Incomodada com o silêncio, Deirdre deixou escapar uma pergunta insolente:

— Mamãe, por que precisamos trocar a roupa de um morto todo dia?

— Por respeito. Ele não está morto, apenas dormindo, e um dia voltará a reinar sobre todos nós.

— Mas como ele pode estar dormindo desde antes do meu nascimento? Tem certeza de que isso não quer dizer que ele está morto?

A mãe franziu o cenho, e a filha imediatamente se calou.

Quando elas alcançaram a entrada da gruta onde Arthur jazia, Nimuë tirou o manto dos braços de Deirdre e pediu, em tom levemente autoritário, para que ela fosse brincar longe dali. A menina insistiu em acompanhá-la em sua tarefa.

— Você quer mesmo ver o “morto” sendo despido? - perguntou a mãe, tentando dissuadi-la.

Deirdre balançou a cabeça negativamente. Mas ela, com aquele misto de curiosidade e medo típico da infância, queria.

— Certo, então fique aqui. Vá colher alguns amores-perfeitos. - sugeriu Nimuë, indicando um arbusto repleto de flores bicolores antes de adentrar rapidamente a sepultura escura e úmida.

Deirdre era uma menina esperta e estava habituada a descumprir regras e quebrar ordens, provavelmente por ter uma mãe tão mandona. Ela esperou o suficiente para que Nimuë começasse a realizar seu dever mórbido e se distraísse. Então seguiu o mesmo caminho que a viu tomando.

Quase se arrependeu quando descobriu o quão assustador era aquele lugar por dentro. A única luz vinha de algumas tochas acesas nas paredes de pedra; ratos, aranhas e lacraias percorriam o chão, e era possível ouvir o eco sinistro de diversas vozes oriundo da câmara central.

Deirdre avançou bravamente, embora estivesse tremendo. Alguém com certeza notaria se ela saísse correndo dali. Finalmente, ela alcançou o local onde o rei desfrutava de seu sono eterno. Tomando cuidado para permanecer oculta nas sombras, ela viu que sua mãe não era a única ali – várias outras sacerdotisas, irreconhecíveis em suas longas capas negras, estavam ao fundo, entoando cânticos. Não parecia uma simples troca de roupa.

Nimuë retirou delicadamente o véu branco que cobria a face de Arthur. Deirdre estremeceu, esperando ver uma caveira horrenda, mas era apenas o rosto sereno e barbudo de um senhor que de fato parecia adormecido. Suas bochechas estavam até coradas! Mas a menina não conseguia perceber se ele estava respirando.

Nimuë inclinou-se sobre ele e disse algumas palavras em uma língua que Deirdre sabia ser bretão. Parecia que estava compartilhando um segredo com o morto, e Deirdre ousou aproximar-se um pouco para tentar ouvir.

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De repente, ela escorregou em um tapete de musgo e caiu sentada no chão, causando um estrondo que ecoou por toda a câmara. A mãe encarou-a com seus olhos verde-água arregalados de susto e raiva.

Deirdre não se lembrava do que acontecera após aquilo. Provavelmente sua mãe a arrastara pela orelha para fora da sepultura, e ela preferiu esquecer.