O que será o Amanhã?

Troca Equivalente


O couro da cadeira do escritório de Senhor Richard rangia a cada mínimo movimento que eu fazia, o som era irritante, mas não parecia incomodar o diretor que nem sequer erguera os olhos desde que eu havia me sentado ali. A mesa que nos separava estava coberta por um monte de papeis, pilhas e mais pilhas de papeis, prontas para serem assinadas por esse homem tão atarefado. Já estava naquela sala há muitos minutos, não tinha a idéia de quantos exatamente, o único relógio de ponteiros estava na parede as minhas costas, mas meu corpo parecia estar congelado na mesma posição desde que me sentara ali, talvez pelo nervosismo e medo. Odiava deixar meus medos e nervosismo transparecerem, mas o risco de ser expulsa fazia-me suar frio.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Subitamente a caneta veloz de Sr. Richard parou de se mover e foi deixada de lado. A atenção do homem mudou da papelada que assinava para o meu rosto nervoso.

— Liza, Liza... — Os olhos cor de mel do diretor esquadrinhavam minha face, abaixo de seus olhos eram visíveis olheiras provenientes do cansaço do trabalho. Quando fora designado ao posto de diretor Sr. Richard era uma fonte de animação e energia, dizia ter milhares de projetos para por em pratica, falava em revolucionar o meio de ensino da escola e mudar o conceito dos alunos quanto ao estudo, mas isso nunca aconteceu. De fato ele tentara por em pratica o que prometera, contudo as coisas não eram tão simples, o governo o impedira de dar os passos que pretendia, e a sensação de impotência somada aos milhares de problemas da escola o sugaram lentamente. — Quando a informação chegou ate mim, não pude acreditar no que estavam me contando — declarou o diretor num misto de cansaço e o que parecia ser decepção. — Te chamei aqui, pois queria saber...hum...sua versão do “incidente” na sala da Sra. Parkington.

Após as palavras saírem da boca dele um silencio pairou sobre o local, um silencio cortante e pesado. Olhava para o rosto de Sr.Richard tentando parecer confiante, mas eu não tinha a audácia de olhá-lo nos olhos, minha falsa confiança não me permitia tal ato.

O longo suspiro do homem foi como um sinal, e quando percebi que era minha vez de falar já era tarde demais, o diretor abrira a boca novamente e disse num tom de quase repreensão:

— Espero que você entenda que não sou seu inimigo — Ele sorriu singelamente, com os lábios negros dele trazendo uma gota de animo ao seu abatido rosto — só quero que cheguemos a uma conclusão satisfatória e justa para todos.

“Uma conclusão satisfatória” pensei. Nada seria mais satisfatória para a Sra. Parkington do que me ver sendo expulsa, mas eu não a culpo, se um aluno invadisse a minha sala para roubar o gabarito de uma prova e acidentalmente descobrisse que sou obcecada pelo professor de Educação Física eu também exigiria a expulsão dele.

Sr. Richard aguardava uma justificativa ou ate mesmo um simples pedido de desculpas, antes que aquele silêncio pudesse se manifestar novamente no local, falei com a minha falsa coragem esvaziando-se de mim pouco a pouco como um balão murcho:

— A segurança da escola é fraca, foi fácil entrar.

Só quando as palavras saíram da minha boca percebi o quão estúpidas tinham sido, tive vontade de me esbofetear, um pedido de desculpas teria sido melhor ou talvez ate mesmo eu devesse ter implorado. Não sabia o que queria dizer a expressão do Sr. Richard naquele momento, podia ser a mais pura decepção ou o mais imenso descaso.

— Nenhum aluno nunca admitiu algo tão rapidamente assim — declarou ele. Se não fosse a situação isso poderia ter sido um elogio — Sinto que temos uma duvida geral, porque uma das alunas mais brilhantes que essa escola já teve invadiu a sala de uma professora a noite?

Ele já sabia a resposta, só queria ouvir-me falar em alto e bom som, como se isso fosse reverter o que aconteceu, como se fosse amenizar o estrago.

— Vou ser expulsa? — passei por cima da pergunta dele a qual ele já sabia a resposta com outra pergunta obvia.

— Quando você fez isso, acredito que estava ciente da punição que receberia se fosse pega — respondeu Sr. Richard parecendo não se importar com o fato de não ter obtido uma resposta.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Mesmo já esperando essa resposta as palavras foram como um chute na boca do meu estomago, as forças do meu corpo evaporaram instantaneamente, como se eu fosse um pedaço de papel e o diretor tivesse me soprado para longe. Agradeci a cadeira rangente de Sr. Richard por me manter longe do chão. Palavras de suplica já se formavam em minha boca enquanto lagrimas arriscavam descer pelos meus olhos, mas minhas lagrimas e palavras foram forçadas para dentro quando o diretor jogou na mesa uma pasta que encontrou na gaveta.

— Como eu tinha dito — Ele abriu a pasta e passou as folhas — Só quero que cheguemos a uma conclusão satisfatória e justa para todos.

Ele parou numa pagina qualquer e voltou a me olhar.

— Penso que podemos chegar à outra conclusão que não inclua expulsar alguém — disse o diretor enquanto indicava a folha com o dedo.

Era a ficha escolar de um aluno. Continha as informações básicas sobre ele; nome, idade, residência, ano escolar e turma. Acima de todos esses dados havia uma foto 3x4 do estudante: era um garoto de feições despretensiosas, seu cabelo era escuro e os fios estavam completamente desgrenhados, no seu rosto brilhava um sorriso despreocupado, ao ver aqueles dentes sorridentes tive uma súbita vontade de arrancar aquela pagina e jogá-la no lixo.

— O que significa isto? — perguntei ao diretor.

— Este é Gary Walsh — explicou ele — Estudante do 2° Grau assim como você, mas Gary não é...digamos...o tipo de aluno exemplar. Como você pode observar na ficha dele — Sr. Richard passou o dedo por um espaço que havia um monte de coisas escritas a caneta vermelha — Há um grave problema relacionado às notas dele.

Era simplesmente uma tragédia o que estava descrito ali, ele repetira em todas as matérias nos últimos dois bimestres e nem mesmo a recuperação ajudou-o a conseguir nota extra. Nunca havia visto tantos zeros em um boletim em minha vida.

— E o que isso tem haver comigo? — perguntei sem entender. Havia muitos alunos desse tipo na escola, não era novidade pra mim. — Esse tal Gary me parece só mais aluno preguiçoso e baderneiro dentre os muitos que estudam aqui.

— É ai que você entra. Você pode achar que não, mas Gary é um bom garoto, ele só precisa de um empurrãozinho para progredir — Sr. Richard então apontou novamente para as notas de Gary. — Ele tem notas péssimas, mas ao contrario dele, você é excepcionalmente dedicada e tem notas altíssimas — Ergui uma sobrancelha ainda sem entender aonde o diretor queria chegar. — Se ele não melhorar as notas nesses dois últimos bimestres a única coisa que lhe restara será repetir o ano. E será de grande frustração, para Gary e para o corpo docente se isso vier a acontecer.

Antes de mais indagações e mais expressões de confusão da minha parte, o diretor por fim concluiu:

— Quero que você o auxilie, seja um tipo de professora particular.

— E-Eu?

— Caso Gary consiga compensar as notas perdidas irei perdoar a sua “infração”, mas caso as notas dele continuem abaixo da media temo que sua mãe não vá gostar de saber que a filha foi expulsa da escola.

Não havia ironia e nem acidez na voz do diretor, era a mais simples sinceridade.

Tinha indignação e raiva travadas em minha garganta, prontas para serem despejadas no diretor. Não era como se ele estivesse me ajudando ou fazendo-me um favor, Sr. Richard apenas vira em mim uma oportunidade de livrar-se dos problemas dele, livrar-se de Gary.

Não havia outras opções, era isso ou ser expulsa da escola. Senti-me encurralada, meu destino agora estava nas mãos de um garoto que provavelmente não da à mínima para isso tudo.

— Tudo bem — forcei-me a dizer. — Vou ser a “babá” dele.

— Ótimo! Uma conclusão justa e satisfatória para todos os lados — exclamou o diretor e me empurrou a folha que continha a ficha de Gary. — Sugiro que você releia o relatório dele para estar a par do que vai ter que lidar.

Agarrei a folha contra minha vontade e fiquei sentada lá olhando para aquele sorriso. A vontade de amassar a folha confrontava-se com a sensação acolhedora que aquele sorriso dava-me.

— Pode se retirar agora, Liza.

O diretor chamou minha atenção e então eu levantei. Caminhei em passos rápidos para fora dali, queria sair logo, livrar-me do sentimento sufocante que aquela sala me dava.

Parei abruptamente na porta e me virei para o diretor, minha voz estava carregada de insegurança e preocupação.

— Sr. Richard, o que vai acontecer com a Meg?

O rosto do diretor adquiriu uma expressão que ate agora eu não tinha visto, em meio a sua pele negra, em meio às tantas marcas de cansaço era visível que o que ele sentia agora era a mais profunda pena.

— Infelizmente não pude dar esse tratamento especial a ela, essa não foi a primeira vez que ela fez algo desse tipo. Sinto muito...

Antes que ele pudesse dar inicio ao festival de lamentos corri para fora da sala com a ficha contra o peito e com lágrimas quentes molhando meu rosto.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.