Prezado Sr. Pai, Eu te odeio!

Parques de Diversão podem ser assustadores!


— Como pretende fazer isso? – Emma perguntou, enquanto apoiava a cabeça nos dedos da mão e me lançava um daqueles olhares que fazem os cãezinhos travessos correrem para debaixo da cama. – Vai gastar quase seiscentos reais para comprar chocolate?
— Não é quase seiscentos. É quase quinhentos, se eu achar ovos baratinhos... Ah droga! – suspirei enquanto enterrava a cabeça nas mãos e lembrava de todos os meus pecados. Senhor, foi porquê eu comi aquele chocolate do meu pai e disse que foi o cachorro? Desculpa, papai, desculpa, Reinaldo!
— Você é maluca, Alice. – Disse, enquanto levantava e ia em direção à geladeira.
— Tá, agora me diz uma novidade! – observava, enquanto minha amiga tirava algumas carnes de hambúrguer do freezer.
— Além disso, por quê inventou de dizer ao garoto que era mãe dele? Sabe que se a Aurora descobrir você é demitida na hora, né?
— Eu sei! – lastimei, me debruçando sobre a mesa. – Emma, colesterol alto mata?
— Bem, se for muito alto...
— Então, capricha na gordura, amiga! Se for para morrer, que seja para morrer feliz!
— Um hambúrguer não vai te matar, Alice. – declarou, entediada.
— Então adiciona bacon e cheddar! Ah, e um refrigerante bem grande!
— Ta me achando com cara de palhaço? – perguntou, cruzando os braços.
— Vai mesmo recusar o último pedido de sua “melhor amiga”? – destaquei, fazendo aspas com os dedos. Minha amiga revirou os olhos e começou a fritar as carnes. O cheiro de fritura e pão quente me fez fechar olhos e relaxar um pouco. Limpei a mente e me foquei no aroma gostoso que emanava da cozinha e no ruído que os poucos carros restantes na rua faziam. Antes que a Emma pudesse colocar o prato com um hambúrguer super recheado na mesa, meu celular vibrou, indicando que alguém queria perturbar minha refeição. Deslizei o dedo pelo visor, meio que em contragosto e vi que era a Diana, ela havia mandado pelo menos quatro mensagens seguidas. Decidi lê-las.
“Pró Alice, você não vai acreditar em quem eu estou vendo agora mesmo!”
“ Ah, esqueci. Boa tarde!”
“Mas, enfim, o seu filho está aqui! Kkk Sozinho! Quer dizer, tá com aquele pedaço de mal caminho, né!”
“Se não entendeu o recado, é sua chance de gastar menos dinheiro com presentes!!”
“Beijos, Allie! Ah, já ia esquecendo. Estamos no Iguatemi, eles estão no Playland. Agora vou correr, porque minha sessão vai começar. Boa sorte!”
— Meu Deus! – gritei, fazendo com que a Emma pulasse e derramasse um pouco de refrigerante em minha calça.
— Nossa! Desculpa, espera vou pegar um pano.
— Não precisa. – declarei, já levantando. – Emma, se você comer o meu hambúrguer, vai descobrir como é a vida após a morte! – falei, enquanto pegava minha bolsa, guardava meu celular e minha carteira dentro dela e saia apressadamente em direção à porta.
— Espera, mas o quê? Onde você vai?! – gritou, implorando por uma explicação.
— Salvar minha vida! – exclamei, finalmente saindo da casa da minha melhor amiga.
Felizmente o trajeto da casa da Emma para o Shopping Iguatemi levava aproximadamente 10 minutos à pé. Já era outono, mas Florianópolis continuava com um clima quente típico do verão. Caminhei apressadamente pela calçada, buscando sempre o caminho mais fresco e sombreado, e em pouco tempo já estava avistando a grande construção creme e alaranjada, cujos espelhos forneciam um aspecto de grandeza.
Meu corpo inteiro vibrou quando passei pelas grandes portas e senti o ar condicionado se espalhar pela minha pele. Enquanto tentava estabilizar minha respiração e as batidas do meu coração, caminhei a longos passos até chegar num hipermercado que vendia diversos ovos de páscoa. Procurei por um dos maiores e que vinham com brinquedos dentro, optei pelo de super-heróis. Em pouco tempo alcancei o caixa e paguei pelo chocolate. Recusei o saco plástico que o funcionário me ofereceu e subi para o parque.
Quando cheguei no parque no terceiro piso, senti o meu coração palpitar e então eu percebi algo que eu não tinha pensado ainda, quando a Diana me mandou a mensagem, ela disse que o Nicolas estava com o troglodita, ou seja, ele não está sozinho, o que me leva à conclusão, em que mundo vou entregar um ovo da Páscoa enorme para um garotinho de quatro anos, sem que o pai dele perceba? Droga, Alice! Dar mancada está começando a virar rotina, hein, inteligente! Então, como qualquer adulta sã e bem resolvida, decidi fazer o que parecia mais certo. Me virei e preparei meu psicológico para comprar mais 13 ovos de chocolate super caros e valorizados.
— Mamãe! – a voz fina e conhecida de um garotinho fez com que meu corpo virasse num ângulo de 180 graus. Os braços finos do pequeno se lançaram ao redor do meu pescoço assim que eu me agachei, e repeti o mesmo movimento da criança. Imediatamente, um sorriso bobo surgiu em meus lábios e uma sensação gostosa e familiar se apossou de minha alma.
— É seu filho? – um homem grandalhão perguntou, e eu assenti imediatamente, não se por felicidade ou por medo do que uma resposta diferente poderia causar, vai que ele vira o Hulk. – É melhor que a senhora tome mais cuidado, é perigoso deixar crianças sozinhas no shopping.
— Sim, senhor! – bati continência, tentando aliviar o clima. Ao invés de sorrir e rir, como uma boa pessoa, o cara fechou a cara, bufou e saiu andando. – Tchau para você também. – sussurrei e me virei para o meu filho – Oi, meu príncipe. Cadê papai?
— Papai sumiu quando que o Nicolas entlou na piscina com bolinhas. Agola Nicolas não sabe onde papai tá, mas Nicolas achou mamãe e agola não está mais com medo!
— Own, meu querido, não se preocupe, logo logo seu papai vai aparecer. – Depois de encontrar uma nova sirigaita, quer dizer, babá. – Ah! Olha só o que mamãe comprou! – entreguei o chocolate para o pequenino e me alegrei quando vi seus olhinhos brilhando e um grande sorriso emoldurado em sua face. Mal percebi o que estava acontecendo até que uma lágrima caiu em meu braço.
— Mamãe está tliste? – perguntou, enquanto observava minhas lágrimas caindo incessantemente.
— Não, pequeno príncipe. Mamãe está chorando por quê está muito feliz!
— Nicolas também precisa chorar?
— Não! – respondi, rindo, enquanto enxugava as lágrimas de alegria. – E então, você gostou? – o garotinho se lançou sobre mim e me abraçou apertado.
— Nicolas ganhou o melhor presente do mundo! Te amo, mamãe!
— Mamãe!? – levantei subitamente e fiquei tonta. Balancei a cabeça e tentei me concentrar em qualquer outra coisa, mas o único que tomava minha visão, e me fez ter um mini ataque cardíaco, foi o homem alto e de barba mal feita, que segurava um pacote de pipoca na mão direita e esperava uma boa explicação para o que estava acontecendo ali. E era exatamente isso o que eu não tinha.

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