Prezado Sr. Pai, Eu te odeio!

Todo mundo pode ser mãe? É claro (QUE NÃO!)


— E o que você fez? – Diana perguntou, enquanto abria o pacote de pipoca doce que havia comprado mais cedo.

— Eu não fiz nada! – lamentei. – Eu fiquei lá, estatelada, encarando aquele lobo em pele de cordeiro, até que a coordenadora chegou com o Nicolas e o troglodita foi embora. E ainda teve a coragem de dizer “Foi um grande prazer conhecer a famosa Alice” – imitei fazendo careta.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

— O que acha que vai acontecer amanhã? Quer dizer, acha que Nicolas vem? – dei de ombros.

— Eu não sei mais de nada. Nunca achei que um cara tão lindo, seria um retardado! – Diana riu. – Quê?

— Os mais bonitos são os mais perigosos, pró Alice! – advertiu.

— É, talvez. Mas se aquele cara aparecer aqui amanhã e tentar alguma gracinha, ele vai se ver com Alice Monteiro!

Mas ele não apareceu. Ao invés disso, Nicolas chegou até a sala acompanhado de uma senhora de cabelos grisalhos e olhos tão castanhos quanto os do pai do garotinho.

— Bom dia. – cumprimentou.

— Bom dia! – eu e Diana respondemos em uníssono.

— A senhora é a professora? – assenti com a cabeça. – Nossa, tão jovem! Eu também era professora, mas na minha época eu fiz magistério. – ela sorria, enquanto falava da antiga profissão, provavelmente relembrando as memórias dos dias que ficaram para trás – Deixa eu parar de tagarelar e ir logo! Cuidem bem do meu netinho, por favor! – assenti e observei a velha senhora sair pela porta. Será que ela é a mãe do troglodita? Mas ela parece ser tão gentil...

— Nicolas, vem cá! – a voz de Diana me tirou dos meus pensamentos – Cadê sua babá? Ela foi embora?

—Diana! – repreendi.

— Ah, qual é! Aposto que você também quer saber. – mordi o lábio e suspirei. Por fim me agachei junto à Diana. – Sabia! Então Nick, sabe onde está a sua babá?

— A Paula?

— Sim. A Paula!

— Paula foi embola, porque dormiu na cama do papai e ele bigou com ela. E depois ela bateu no papai. Papai disse que ela não gostou que ele bigou com ela. – arregalamos os olhos, e Diana começou a gargalhar.

— Obrigada, pequeno! – Diana agradeceu e se levantou, fiz o mesmo. – Caramba, é por isso que amo crianças! Elas contam tudo. – riu.

— Estou impressionada. – anunciei – Além de mal-educado, rude, egocêntrico e prepotente, ele ainda é cafajeste. Será que esse cara tem alguma qualidade?

— Bem, ele é rico, e pelo que Mariela falou, quando saiu da secretaria e veio correndo pra cá, ele também é extremamente lindo! – bufei.

— Não achei ele tão bonito assim. Os olhos dele são muito juntos e suas sobrancelhas são muito grossas, parece até que ele nunca ouviu falar de pinça. – forcei o riso.

— Para alguém que “nem olhou direito” – disse enquanto fazia o sinal de aspas com as mãos – você parece ter notado características bem especificas dele, hein! – Han? Pelo o amor do Senhor, alguém dá um remédio pra essa menina...

— Pft! Não achei nada! É normal notarem defeitos, não é? Eu achando ele bonito e gostoso? Nunca! E vamos parar com essa conversa, porque já está me dando dor de cabeça! É... Nicolas! Porque não brinca com os carrinhos dessa vez? – perguntei, ao ver o garotinho pegando blocos de montar.

— Eu gosto de montar! Que nem o papai. – sorri e deixei que ele brincasse de construtor. Me aproximei de Diana e sussurrei ao seu lado.

— Sabe o que eu mais odeio nesse cara? – Diana me lançou um olhar questionador, prossegui – O fato de parecer que ele odeia o Nick.

— Ué, mas ele não veio aqui ontem, buscá-lo? Pais ricos que odeiam os filhos, não vem pegá-los na escola...

— Sei lá. O jeito que ele falou no telefone, não é o tipo de coisa que um pai amoroso fala.

— Talvez ele só estivesse meio estressado no dia. – supôs.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

— É... – sibilei, enquanto Diana se afastava em direção ao Nicolas. – Eu espero. – desejei, num sussurro.

Os minutos passaram rápido e se transformaram em horas. As horas por sua vez viraram dias. E os dias converteram-se em semanas. E logo, as semanas anunciaram a chegada de um novo mês escolar. Fevereiro havia chegado ao fim, e o mês do outono deu as caras. Na sala, os alunos haviam se desenvolvido incrivelmente bem. A maioria já sabia escrever o próprio nome e o dos pais, e alguns já conseguiam reconhecer todas as letras do alfabeto, além de não embolarem mais as palavras quando as falavam, porém o único que ainda possuía dificuldade para fazer essas coisas era o Nicolas. Infelizmente, a previsão de Diana, de que o troglodita era na verdade um pai bonzinho, parecia incorreta a cada dia que passava. O homem não apareceu mais na escola depois daquele dia. Os diários do Nicolas não eram assinados, e nem suas atividades eram feitas. Suspirei, enquanto caminhava pelo corredor até a sala da coordenadora, para mais uma coordenação pedagógica. Bati de leve, e logo uma voz me convidou a entrar. Obedeci.

— Bom dia. – cumprimentei, enquanto entrava na sala e sentava na cadeira que ficava em frente à mesa da Sra. Ferraz.

— Olá, Alice! – retrucou, alegre. – Temos boas notícias para hoje?

— Temos boas – ela sorriu com a resposta – mas...

— Esse mas sempre vem acompanhado de coisas ruins. Ainda sobre o Nicolas? – assenti – Bem, me diga logo as boas notícias, afinal hoje é sexta.

— Bem, o Gabriel parou de chorar na entrada, o que é um grande avanço. Os gêmeos Caio e Marina continuam a trazer somente salgadinhos, pipoca e doces para o lanche, apesar de eu já ter conversado com a mãe deles...

— Mas e nos dias do lanche coletivo?

— Bem, eles comem a comida que a escola fornece...

— Ah! Que bom, pelo meno...

— Mas depois comem o lanche deles. – interrompi, estragando a breve felicidade da coordenadora.

— Meu Deus... Aqueles meninos já estão a ponto de estourar. Mas enfim, como está a Geovana?

— Está bem. A mãe dela tem a trazido com mais frequência, porque ela está conseguindo passar a manhã toda acordada, e ela está sendo mais aceita pelas garotas da sala. Ela até correu com a Bia e a Malu no parque hoje – sorri tristemente, ao me lembrar da Geovana e sua triste síndrome.

— Por falar na Bia, como ela está se comportando? – A srta. Ferraz perguntou.

— Ah, Aurora. Sua filha está sendo um problema. Ela está batendo, xingando e comendo o lanche dos colegas! Gente, você não sabe o que ela fez ontem...

— Como é? – disse, levantando. Ri com sua reação.

— Calma! Calma! – respondi, levantando as mãos. – Estava brincando! Não precisa estrangular sua filha! – gargalhei. – Desculpa! Eu não aguentei. A Bia está sendo uma garota incrível, como sempre foi.

— Alice, você quer levar uma bronca da diretora, porque você acabou de mentir para a sua coordenadora? O que fez foi muito errado! – Aurora Ferraz me lançou seu pior olhar, e eu senti vontade de desaparecer como a carruagem da Cinderela.

— M-Me p-p-perdoe! – supliquei – Eu fiz brincando, não sabia que voc... que a senhora... quer dizer senhorita iria... – e ela começou a gargalhar. A gargalhar alto. Tá Alice, você fez uma tremenda burrada. Okay, duas opções: ou você vai ser demitida nesse exato momento, ou a coordenadora é psicopata, e tá tendo um momento psicopatia, onde ela pode fazer alguma loucura, mas não deve te demitir do trabalho dos sonhos... Nas duas opções eu estava lascada, mas é claro que iria torcer para a melhor, não é? Que ela seja psicopata! Que ela seja psicopata!

— Estou brincando, Alice! Devia ter visto sua cara. – e a doida continuou rindo... Tá, com certeza essa mulher é psicopata.

— Han? Então, quer dizer que a senhora estava me zoando? – indaguei, engolindo seco.

— Claro. Pimenta nos olhos dos outros é refresco ne? Mas continuando, e como está a Yui?

— I o quê? – Gente, com certeza, psicopata...

— Yui! Sua aluna, a pequena Einstein... Acorda Alice, sai do país das maravilhas! – brincou. Ri para evitar possíveis assassinatos.

— Muito engraçada você. A Yui, ne? Bem... – Respira Alice! É uma ordem. – Ela tá bem. – comecei, tentando regular minha respiração e as batidas frenéticas do meu coração. – A Yui continua inteligente como sempre. Ela faz todas as atividades sem dificuldade, não troca mais as letras na hora da fala, e mantém boas relações com todos na sala, exceto com...

— Deixa eu adivinhar, o Nicolas? – perguntou, retoricamente.

— A pequena guarda rancor, sabe... – suspirou.

— Como ele está? – quis saber.

— Adoraria falar outra coisa, mas infelizmente, não poderei fazer isso. O Nicolas continua sendo um garoto que sente necessidade de carinho e atenção. Isso é notável. Ele ainda não conseguiu se desenvolver na escola, porque ele não tem apoio em casa. É de dar dó, quando eu pego o classificador dele e vejo todas as atividades em branco. E ele tem medo das garotas. Talvez pelo fato de todas as babás dele serem horríveis, porque pra mim o Mauricio Mal Educado está mais interessado em garotas de programa que vão se deitar e d...

— Alice... – repreendeu.

— Desculpa, sei que a vida do pai dele não interessa... Mas enfim, qualquer garota que se aproxime, ele bate. Se os garotos não querem brincar com ele, ele bate. Se ele quer falar e não o escutam, ele bate. E sabe o pior, ele não faz isso para machucar, porque seus tapas não são fortes, mas ele quer chamar atenção. E acho que a única forma que ele consegue chamar a atenção daquele pai, é de um jeito negativo.

— Entendo. – ela apoiou um dos cotovelos na mesa e descansou a cabeça na mão direita. – E como está sendo a sua relação com ele?

— Bem...

— Bem?

— Sei que é errado, mas eu estou cada vez mais apegada a ele. Hoje quase fiz as atividades de casa com ele, porque os coleguinhas de sala mostram os deveres feitos e ele fica com aquela carinha, sabe?

— Sei. – disse, balançando a cabeça – Entendo que esteja se aproximando dele e não tenho nada a falar disso. – sorri, soltando um leve suspiro de alegria – Mas, preciso que você entenda. O Nicolas não é seu irmão, seu sobrinho e muito menos o seu filho. Ele é seu aluno, e só, é necessário que você saiba manter essa relação. Você não deve realizar suas atividades de casa, isso é algo que a família deve fazer. E se não faz, não é sua culpa e muito menos sua obrigação. – assenti, sentindo um peso no meu coração – Eu sinto muito, Alice, sei o quão difícil é estar em sua situação. Eu ligarei para o Sr. Mauricio e marcarei uma reunião pedagógica. Te direi o dia, para que também possa participar. Isso é tudo que eu posso fazer agora.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

— Okay. – falei baixinho. Fingi um sorriso e levantei da cadeira acolchoada. – Vou voltar agora, muita coisa para fazer.

Sai da coordenação e andei até a sala a passos lentos. Nicolas era o tipo de garoto carinhoso, inteligente e bom, porém precisava de alguém. Talvez se a mãe ainda estivesse aqui... Não Alice, pare com isso, não é da sua conta, além disso não dá para ressuscitar os mortos assim. Balancei a cabeça tentando afastar os pensamentos estranhos. Quando entrei na sala do grupo 4 B, encontrei todos os alunos brincando, todos tinham alguém menos o Nicolas. Sentei ao seu lado.

— Tudo bem, pequeno príncipe? – perguntei enquanto pegava algumas peças do quebra cabeça e juntava.

— Não. Ninguém quer blincar com eu. Nicolas é mau? – seus olhos castanhos me encaravam tristemente.

— Eu sou ninguém? Estou chocada! – brinquei, segurando sua mãozinha e beijando-a – Vou te contar um segredo. – aproximei meus lábios de seu ouvido e sussurrei – Eu te amo! – o pequeno Nicolas riu e me deu um longo abraço.

— Eu também te amo, pló Alice! Pló quer ser minha babá?

— Ora, bobinho, você já tem uma babá!

— Mas eu não gosto dela, ela não me deixa blincar, e só quer ficar com papai. Acho que ela quer ser babá de papai.

— Bem provável... – resmunguei.

— Então pló Alice quer ser minha mamãe? Papai disse que ela foi embola e nunca mais volta. Você pode ser a mamãe do Nicolas!

Abri a boca, procurando as palavras, mas nada saía. Realizar o sonho de um garotinho de 4 anos, mentindo para ele, ou salvar o emprego dos sonhos dizendo a verdade? A escolha era óbvia.

— Tá. Posso ser sua mamãe, mas é um segredo nosso, tá bem? – Nicolas abriu seu maior sorriso e plantou um beijo na minha bochecha. – Eba! Agora Nicolas também tem uma mamãe! – comemorou.

Abracei o pequeno e comecei a orar, e a implorar para que o Senhor tivesse piedade de mim. Onde foi que você se meteu, Alice?