Oposto Complementar

Capítulo 6


Harry está ao volante, para a minha surpresa, já que ele veio somente uma vez com seu carro na semana passada. Eu observo a paisagem do lado de fora da janela, totalmente absorta e feliz pelo fim da noite de ontem. Quer dizer, Harry assistiu a um filme de drama comigo, cujo eu chorei horrores e o fiz pegar outro com a vizinha que foi muito boa em nos ceder PS: Eu Te Amo. E mesmo resmungando em um momento ou outro, ou durante o filme inteiro, para ser mais honesta, ele acabou comentando sobre o enredo de cada um. Ainda me acompanhou até em casa, esperou-me escovar os dentes, trocar de roupa e quando deitei, recebi um beijo de boa noite na minha testa. Se existe alguém mais protetor que ele, eu desconheço.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Harry entra no estacionamento da Carter Construction Company, para na sua vaga e eu retiro o cinto. E antes que eu faça, ele abre a porta para mim e me oferece a mão. Eu seguro-a, firme, e tento não babar pelo homem à minha frente, enquanto arrumo a alça da bolsa na curva interna do cotovelo: Harry usa um terno azul marinho com camisa interna preta e gravata de mesma cor, um sobretudo e tem os cabelos soltos e úmidos. Ele pediu-me para penteá-los e eu poderia passar horas do meu dia fazendo isso.

Seu sorriso é encantador e eu admito que Harry é um homem muito lindo. E eu ainda não decidi como amo vê-lo. Eu não tenho ideia da áurea que emana dele, mas a confiança me deixa um pouco desnorteada. Ele pega a bolsa carteiro de couro preto no banco de trás e nós vamos, de mãos dadas, em direção ao elevador.

— Bom dia, senhor Carter, senhorita Vidal.

— Bom dia, Donald. — Harry acena com a cabeça.

— Bom dia, Don.

O negro alto e forte sorri para mim, mas logo volta a ficar sério ao ver que Harry o olha. Eu me aproximei demais de alguns funcionários aqui na última semana e Don havia se mostrado um homem íntegro e divertido demais. Nas vezes em que vim aqui, buscar algo no carro do senhor Carter pai, acabei ficando uns minutinhos para jogar conversa fora.

Entramos no elevador e Harry aperta o botão para a cobertura.

Don? — Seu tom de voz me faz olhá-lo, de cenho franzido.

— Eu não entendi. Desculpe.

— Que intimidade é essa com um funcionário?

— Você o chamou pelo nome.

— E você, pelo apelido.

Algumas pessoas se juntam a nós e eu olho o painel acima das portas, encontrando o número 7.

— Qual é o problema? — Solto sua mão e cruzo os braços. — Eu tenho que desrespeitá-lo por ele ser um segurança?

— Não. Claro que não. Mas não achou muita intimidade?

— Não. Ele me chama de Lala.

Lala? — Ele arqueia uma sobrancelha e eu ignoro a incredulidade em seu tom dessa vez. E eu quase sigo o pessoal que sai no décimo quinto andar. Quase porque Harry segura em meu bíceps. — Andar errado, meu doce.

Empino o nariz e espero pelos restantes. Quando, enfim, se abrem, eu saio e ele me segue. Minha calça é vermelho sangue, de modelo skinny, mas não tão justa. Minha camisa de alcinhas é branca e eu uso um cardigã de listras horizontais pretas e brancas. Meus scarpins são pretos, de bico fino e salto alto. Eu devo admitir que me sinto poderosa.

Amelia se coloca de pé e Harry desce a mão até a minha e entrelaça nossos dedos.

— Bom dia, senhor Carter, senhorita Vidal.

— Bom dia, Amelia.

— Bom dia. — Sorrio.

— O senhor não me mandou os projetos que pedi que analisasse. — Ela volta a olhá-lo e eu faço o mesmo no exato momento em que Harry faz uma careta.

— Eu esqueci completamente, Amel. Desculpe.

— Algum problema? — Sua expressão é tomada pela preocupação.

— Não. Nenhum. É que eu estive com a Laila durante o fim de semana... — Ele me olha e sorri, o que é impossível não retribuir. — Eu farei isso agora mesmo.

— O senhor tem duas horas livres.

— Perfeito. Obrigado, Amel.

Harry abre a porta do seu escritório e gesticula para que eu entre. Eu faço e sou seguida por ele bem de perto. Ocupo minha cadeira e ligo o notebook. Abro o meu e-mail e encontro minha caixa de entrada lotada.

— Mas o... — Interrompo-me ao sentir os olhos do Harry em mim.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

— O que houve? — indaga.

— Nada. — Abro o primeiro e-mail e suspiro ao ver somente uma palavra: saudades.

Letícia insana. Volto a página e abro o segundo, com duas palavras: manda notícias. E assim se seguem os demais, com palavras doces e reclamações da minha irmã mais velha.

— Ela está preocupada.

Eu me sobressalto e olho para o meu lado, encontrando Harry.

— Quer me matar? — questiono, levando a mão ao peito.

— Fale com sua irmã.

— Não.

— Meu doce, essa não é você.

Meneio a cabeça em negativa, irredutível.

— Não vou falar com ela.

— Não faça isso. Mande, pelo menos, um e-mail.

Solto um grunhido e meneio outra vez.

— Não.

— Eu te dou uma caneca de chocolate quente com muitos marshmallows.

Dessa vez, um suspiro se vai e eu clico em “responder” em um dos milhares de e-mails que Letícia mandou. Aviso que eu estou bem, trabalhando, feliz e que não volto para casa enquanto não concluir meus objetivos por aqui, por mais que eu leve anos para isso.

— Satisfeito? — questiono, depois de enviar e o olho.

— Poderia ter dito que estava com saudades, mas eu acho que estou pedindo demais.

— Sim. Está pedindo demais.

— Você é mais amorzinho. — Harry beija a minha cabeça e se afasta, voltando à sua mesa. — Mas tudo bem.

Reviro os olhos.

— Eu apenas cansei de ser machucada.

— Eu prometo nunca machucar você. — Ele me dá uma piscadela e eu desvio os olhos ao sentir minhas maçãs esquentarem.

***

— Laila! — A senhora Carter acena assim que entramos no restaurante e eu me apresso até ela, deixando Harry para trás. Assim que estou perto o suficiente, Eleanor me abraça forte e toma distância somente para me olhar nos olhos, segurando firme em minhas mãos. — Querida. Como você está linda.

— Não mais que a senhora. Opa. Você.

A beleza dessa mulher me desconcerta. Eu gostaria de ter metade dela. Seus olhos me fitam com ternura e um brilho de felicidade que me deixa ainda mais desnorteada. Seus cabelos estão soltos dessa vez. Ela usa um vestido tubinho cor de vinho, scarpins nude e quase nada de maquiagem.

— Obrigada, querida.

— Mãe. Lalinha. Desculpem a demora. Faz tempo que você chegou? — Ele me olha e abraça a mãe em seguida.

— Um pouco. — Ironizo.

— Eu amo ver vocês dois juntos, sabiam? — Eleanor afaga os nossos rostos ao mesmo tempo e eu sorrio para ela.

— Que bom — diz Harry, puxando a cadeira para ela. — Porque eu penso a mesma coisa.

E quando eu faço menção de puxar a cadeira para mim, alguém faz. Olho assustada e encontro um homem de cabelos negros, levemente desgrenhados e curtos, de terno cinza grafite e camisa interna preta. Ele sorri para mim, exibindo lindos caninos. Tem quase o mesmo tamanho do Harry.

— Obrigada. — Dou um pequeno sorriso.

— Não tem de que, senhorita. — Ele me dá uma piscadela e eu aumento o meu sorriso.

Que lindo.

— Taylor. — O tom de voz do Harry me faz olhá-lo.

— Carter.

Eu permaneço em pé, olhando de um para outro.

— Hã... — Eu hesito e olho para Eleanor, que parece, enfim, despertar.

— Oliver.

Ele a olha.

— Senhora Carter. Sempre incrível. — Ele vai até ela, pede a mão e lhe beija o dorso. — Como vai?

— Muito bem, obrigada, e você?

— Também. Obrigado. E quem é essa linda jovem? — Taylor me olha de cima abaixo e eu estendo a mão.

— Laila Vidal.

— Brasileira? — Ele beija o dorso da minha mão e eu concordo.

— Como sabe?

— Sua beleza sem igual. Oliver Taylor, ao seu dispor. — E me dá outra piscadela.

— Guarda essa conversa barata, por favor. — Harry resmunga e Oliver o olha.

— Eu preciso ir. Senhora Carter, foi um grandioso prazer revê-la. — Ele vai até ela e beija o dorso da sua mão outra vez.

— Igualmente. — Eleanor sorri docemente para ele.

— Senhorita Vidal, foi um imensurável prazer conhecê-la e eu espero encontrá-la mais vezes. — E beija o da minha.

— O prazer foi meu.

— Com licença. Carter.

— Taylor.

E o moreno encantador se afasta. Atrevo-me a soltar um suspiro e Harry me olha. Dou um pequeno sorriso e ocupo a cadeira que fora puxada para mim. Forro o guardanapo no colo e Harry senta ao meu lado.

— Ele não é um encanto? — Eleanor pergunta e eu concordo outra vez.

— Sim. Sem dúvidas.

Harry abre o guardanapo com certa grosseria e o forra em seu colo. Gesticula para um garçom, que anota nossos pedidos e logo se afasta.

— Oliver é irmão da melhor amiga do Harry.

— Hannah não é minha melhor amiga. É apenas a minha amiga. — Seu tom tem notas de grosseria.

— Desculpe. O que está irritando você?

Eu prendo a respiração, totalmente desconfortável por estar presenciando essa conversa.

— Você sabe bem que Oliver só sabe me provocar. Sabe o motivo de termos deixado de nos falar. — Ele oferece a taça ao garçom e ele enche de suco de laranja. — Como eu poderia me envolver com a irmã dele? Porra, a Hannah é minha amiga.

— E você a via como irmã.

— Nunca a vi como tal. Somente não me envolveria com ela.

Eleanor me olha e eu não me sinto à vontade de sustentar seu olhar, desviando o meu para o meu colo, totalmente desconfortável.

***

O silêncio que aderi desde o almoço se estende até agora, dentro do escritório do Harry. Sinceramente, eu não sei o que dizer. Fiquei sim desconfortável com a discussão dele com a mãe. Eu estava acostumada com as minhas. Mas eu sempre saía machucada e passava a noite chorando. Eu sinto meus olhos marejarem só de lembrar e seco a lágrima que se acumula e abro meu e-mail, encontrando um título gritante da minha irmã. Decido abrir o Skype e logo sou chamada para uma vídeo-chamada.

— Meu Deus, Laila! — exclama Letícia, me assustando, assim que aceito.

— Letícia, deixa de ser escandalosa. — Repreendo-a, sentindo os olhos do Harry em mim. — Desculpa — digo a ele.

— É a sua irmã?

— Quem é? — Letícia indaga.

— Sim. É ela. — Mantenho os olhos no homem na mesa próxima.

— Posso vê-la?

— Lalinha, eu estou falando com você!

— Letícia, espera! Qual é a sua idade? — Repreendo-a outra vez. — Caramba! Você já está me vendo. Espera.

Ela fecha a cara, parecendo uma garota de três anos, muito birrenta e chata.

— Quem é esse gato? — questiona, em português, e somente ao olhar para o lado é que eu percebo Harry, próximo demais para a minha felicidade.

— Esse é o meu chefe e vizinho.

— Harry Carter. — Ele acena para ela.

— Que gostoso, irmã. — Letícia arregala os olhos.

— Eu sei. — Sorrio para ela.

— Letícia Vidal. — Ela acena de volta. — Irmã mais velha — diz, em inglês.

— É um prazer, senhorita Vidal.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

— Igualmente.

Minha irmã tem os cabelos encaracolados, na mesma tonalidade dos meus, que estão um pouco acima dos ombros. Temos poucos centímetros de diferença e ela parece ser tão simpática quanto eu. A diferença é que ela apenas parece.

— Eu vou estar lendo uns documentos, então fiquem à vontade para conversar — diz Harry.

Eu não preciso olhá-lo para saber que ele está sorrindo. A julgar pela cara de retardada da minha irmã, sem dúvidas ele também a hipnotiza.

— Vai... — Letícia balbucia e acena, toda derretida. — Boa viagem.

Harry ri e eu o acompanho.

— Irmã, ele não vai viajar.

Letícia parece despertar.

— Eu falei o quê?

— Vai, Harry.

Ele acena para a minha irmã e se afasta.

— Quero para mim! — exclama Letícia.

— Não. De maneira alguma.

— Vocês estão juntos?

— Não! — Meu tom de voz soa estridente e eu fecho a cara diante do sorrisinho de merda que minha irmã mais velha ostenta. — Vai para a merda. Porque eu quero que vá e fique.

— Você gosta dele?

— Eu o amo. Harry é um amigo incrível. Tem sido muito presente, me ajuda bastante, cuida de mim...

— Que bom, irmã. Pelo menos você não está sozinha aí.

— Eu não estou. — Sorrio para ela.

— Que linda. Passa o endereço.

— Que endereço? — Meu sorriso some de imediato do rosto.

— Da sua casa.

— Para que você quer?

— Onde acha que eu vou passar minhas férias?

— Recife? Nos carnavais. Ou talvez Olinda, nas ladeiras de lá.

— Londres, amor. Passa o endereço ou eu terei de outra maneira.

— Eu não quero você nem ninguém da minha família aqui.

— O que é isso, Lalinha? Machucou.

— Quando é você a machucada, você se manifesta. Quando sou eu...

— Do que você está falando? — Letícia me interrompe.

Eu luto contra cada lembrança do passado e sinto meus olhos marejarem. Harry vem até mim, oferecendo-me um lenço.

— O que houve, meu doce? — questiona, preocupado.

Eu simplesmente meneio a cabeça em negativa, sentindo-me uma tola.

— Não foi nada. — Fungo.

Harry me puxa para um abraço e eu me aninho em seus braços, sentindo seu perfume.

— Eu achei que confiasse em mim. — Ele se afasta e ergue levemente o meu rosto, fitando-me com seus lindos olhos castanhos.

— Claro que eu confio — murmuro, fazendo beicinho. — Mais tarde conversamos.

— Está bem. — Harry beija a minha testa. — Qualquer problema, eu estou aqui.

— Eu sei. E agradeço por isso.

Eu ganho mais um beijo na testa e ele se afasta. Sento-me e olho para a minha irmã.

— Sabe...

— Não comece. — Advirto.