Oposto Complementar

Capítulo 14


O problema é que Harry não confiou. Como pode, em tão pouco tempo, ele me conhecer tão bem? Eu suspiro, frustrada. Não quero comentar com ele que fiquei triste sábado só de pensar na ideia de ele sair da minha vida. Sei lá. Ele pode me achar uma tola, porém, a questão é que é realmente doloroso. Eu fito o teto, sem ter noção das horas e decido fechar os olhos, quando ouço a porta se abrir lentamente. Controlo o sorriso imenso e involuntário ao sentir o cheiro do perfume dele, misturado ao de panquecas. Eu ouço-o colocar a bandeja sobre o criado mudo e sentar na beira da cama em seguida.

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Passamos o domingo inteiro vendo filmes e comendo bobagens, grudadinhos como se fôssemos gêmeos siameses. E hoje, eu estou criando coragem para começar a semana de trabalho. Harry coloca uma mecha dos meus cabelos atrás da orelha e afaga o meu rosto delicadamente. Pela primeira vez, desde que comecei a me exercitar, eu optei por ficar na cama, relaxando um pouco mais.

— Bom dia, meu doce. — O seu tom soa mais como mel aos meus ouvidos. — Decidi fazer uma surpresinha para você.

Eu me espreguiço, bocejo e abro os olhos, encontrando-o tão perto de mim que não resisto à vontade de tocar o seu rosto.

— Bom dia. — Dou um pequeno sorriso

— Eu preparei panquecas como você gosta.

Eu olho a mesinha e encontro a bandeja lá, com torradas, geleia, panquecas, calda e chocolate quente, além de talheres.

— Que maravilha. O que eu fiz para merecer isso?

— Entrou na minha vida. — Harry me dá uma piscadela e eu sinto as maçãs esquentarem. — Vai lavar esse rosto.

Eu salto e me apresso ao banheiro, lavando o meu rosto. Prendo os cabelos num rabo de cavalo, lavo as mãos e volto para a cama. Harry coloca a bandeja no meu colo.

— Não bastou ter feito ontem? — Eu corto um pedaço da panqueca e como. — Hm... Está divino.

— Isso é o meu dom culinário misturado ao seu paladar. — Ele coloca um pouco de calda e eu corto outro pedaço e lhe dou na boca. — E não. Não bastou. Você é o tipo de pessoa que merece isso todos os dias. Ah, quase esqueço. — Ele retira uma rosa vermelha de dentro do blazer.

— Que linda. — Enfio no nariz e inalo o maravilhoso cheiro. — Você sai melhor do que encomenda.

Harry ri e pega os talheres da minha mão.

— Deixa que eu dou a você. — E corta um pedaço, me dando na boca. — Vai me contar o que te deixou triste no casamento do Bruno?

Eu desvio os olhos dos seus.

— Letícia — murmuro, incerta. — Ela passou o dia inteiro implicando comigo. Se eu acerto uma bofetada na cara dela, sou a vilã. — Tento sair da cama, mas Harry me impede.

— Ainda tem comida aqui e você não vai estragar o seu dia por causa dela.

Não estou mentindo. Letícia realmente implicou e por um triz eu não explodi com ela. Odeio quando as pessoas se aproveitam da minha bondade e minha irmã faz isso com mais frequência do que deveria. Eu apenas não quero dizer a ele. Não tem sentindo. Harry continua me dando o café da manhã, até que ele sai do quarto e eu vou escovar os dentes.

No closet, eu pego uma jeans escura, camisa preta e de mangas compridas e jaqueta de mesma cor. Tomo uma ducha, visto o roupão e saio do banheiro. Faço umas ondas nos cabelos com a ajuda do baby liss, prendo-os num coque e aplico rímel e batom rosa queimado matte. Volto ao closet, visto um conjunto de lingerie vermelho e a roupa, calçando uma bota over knee caramelo. Arrumo uma bolsa preta, de alça tiracolo de corrente.

— Vamos? — questiono ao Harry, soltando os cabelos e arrumando-os.

— Claro. — Ele levanta da cama e me estende a mão.

Saímos do quarto e eu fico feliz por não encontrar Letícia. Eu vou chamar o elevador enquanto ele tranca a porta. Entramos na cabine e Harry me abraça.

— Por que eu estou sentindo você estranha? — Ele me olha nos olhos.

Dou de ombros.

— Sei lá. Eu estou me sentindo estranha. — Franzo os lábios.

O barulho das portas se abrindo nos despertam e nós saímos.

— Vamos de carro. — Harry desativa o alarme e abre a porta do carona para mim.

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— Obrigada. — Eu entro, coloco o cinto e a bolsa sobre o meu colo.

— Eu só quero que você jamais esqueça de uma coisa — diz ele, colocando o cinto.

— O quê?

— Que eu te amo.

Eu sorrio e beijo a sua bochecha.

— Eu também te amo.

***

— Você está bem, filha? — questiona Eleanor, com a preocupação estampada no rosto.

— Estou sim, mãe. — Abraço-a e sinto-a enfiar o nariz nos meus cabelos, beijando-os em seguida. — Eu apenas estou me sentindo estranha.

— Onde está o Harry? — Ela me afasta um pouco.

— Recebeu uma ligação.

— Quer me contar o motivo de se sentir assim? — Ellie mantém os olhos nos meus.

Suspiro e concordo.

— Eu tenho medo de que Harry comece a namorar e acabe me deixando de lado.

— Ah, meu amor. — Ellie me abraça e aperta em seus braços.

Eleanor usa um vestido justo, de manguinhas, decote redondo, preto com estampa adamascada num com mais claro. Os scarpins são nude, envernizados e ela usa acessórios dourados. Os cabelos castanhos estão presos no costumeiro coque banana, mas essa mulher sempre está incrível. Além de bela.

— Eu devo estar parecendo uma tola, não é?

— Não. — Ela ri baixinho. — Claro que não, amor. Vocês se amam. Sinceramente, eu acho que deveriam namorar, mas como não se veem dessa forma, tudo bem.

— Ah, mãe...

— Algum problema? — O tom de voz do Harry, carregado de preocupação, é o que me interrompe.

— Eu estou apenas matando saudades dessa menina linda. — Ellie me afasta um pouco e beija a minha testa. — Eu amo tanto vocês.

— Eu também te amo, mãe. — Harry a abraça e eu me sento à mesa, sem apetite.

— Como não amar essa mulher maravilhosa? — Sorrio para ela. — Tenho muita sorte de ter vocês na minha vida.

***

Eu visto um cropped preto, de alças finas, decote cruzado e justo, um short de cintura alta, estampa florida nos tons de verde, rosa e branco, com pequenos pompons pretos ao redor das pernas. Calço meus chinelos, faço uma trança lateral folgada e saio do quarto, indo esperar pelo Harry. Ao longo do restante do dia, eu consegui relaxar um pouco e sou capaz de dar a minha vida apostando que foi resultado do sorriso do Harry.

Para a minha felicidade, Letícia saiu, dizendo que estava indo fazer umas compras. Eu estou pouco me importando em como ela vai fazer para levar isso tudo; eu apenas não quero que ela encha meu apartamento com suas baboseiras.

A campainha ecoa e eu me apresso, sem saber de quem se trata, já que Harry e Letícia têm suas chaves. Abro a porta e me deparo

— Oi, o Bruno está? — questiona e eu meneio a cabeça em negativa.

— Bruno se mudou daqui, querido, tem aproximadamente um mês.

— Mesmo? — Ele franze o cenho.

— Sim. E ele está em lua de mel.

Dessa vez, ele ergue as sobrancelhas.

— E quem é você?

— Laila. Irmã da melhor amiga brasileira dele.

— Irmã da Letícia? Ele falou demais de vocês duas. Desculpe a minha falta de educação. Sou Timothy, mas pode me chamar de Tim ou Timmy. — Ele me estende a mão e eu o cumprimento.

— Gostaria de entrar?

— Claro. Eu cheguei de viagem... — E entra. — Deixei apenas a mochila em casa.

— E onde esteve? — Indico o sofá. — Desculpa a minha curiosidade. Sou movida por ela. — Faço uma careta, sentando depois de ele gesticular.

— Tudo bem. — Timmy senta. — Eu estive na Alemanha. E acabei esquecendo do casamento do Bruno. Eu espero que ele não fique chateado. Tive um imprevisto.

— Essas coisas acontecem. — Abano o ar com desdém.

— Devo concordar. E então, você está passando uns dias aqui?

— Sou a nova moradora pelo tempo em que eu estiver na graduação. Bruno passou para o meu nome.

— Ele não te falou que você precisa fazer uma reunião? — Tim ergue as sobrancelhas escuras outra vez e eu meneio a cabeça em negativa.

— Não! — Tento não soar desesperada. — Que reunião?

— Você precisa se apresentar e conhecer seus vizinhos. Você não fez?

— Não. E o que acontece nessas reuniões?

— Nada de mais, Laila. Assim que esse prédio começou a ser morada, decidimos que faríamos algo para nos conhecermos e sempre que chegar alguém novo, vai ser assim.

— E por que ele não me falou? — Fecho a cara.

— Vai ver ele esqueceu. — O moreno dá de ombros e arruma a touca. — O casamento dele estava para acontecer...

— Tem razão.

— Acabo de saber que... Timmy? — Harry entra e fecha a porta. — O que faz aqui? — Ele se aproxima e senta ao meu lado.

— Cheguei há uns quinze ou vinte minutos e vim procurar o Bruno.

— Ele não mora mais aqui.

— A Laila me contou. E você? O que faz aqui? — Esse se aproxima um pouco mais de mim e eu resisto à vontade de arregalar os olhos.

— Laila e eu somos amigos. — Harry me puxa para junto de si e beija a minha cabeça. — Você já viu que o Bruno não está, então, pode ir embora.

— Estamos falando sobre a reunião — diz Timmy, tranquilamente.

— Ah, sim. Pode deixar que eu explico tudinho a ela.

— Cheguei, amores! — exclama a minha irmã, abrindo a porta de supetão, erguendo as mãos, como se esperássemos ou até mesmo, ansiássemos pela sua presença. Ela entra com diversas sacolas. — Menina do céu! — Ela fecha a porta. — Você não vai acreditar no que eu achei. — E vem em minha direção. — Quase tive uma parada cardíaca, mas pensei que se eu tivesse, ia perder a grande promoção! — E coloca todas sobre a mesinha de centro.

Eu espero todo a encenação da Letícia para tirar uma bolsa de dentro de outra. A diferença é que a de compras carrega o nome de uma das melhores marcas do mundo, para mim, mera mortal de classe média, média, no Brasil: a Louis Vuitton.

— Menina do céu! — Devolvo quando vejo a lindeza que é.

— Essa é uma Favorite MM — diz, como se entendesse perfeitamente do que se trata.

— Mamãe vai te matar. — Arregalo levemente os olhos.

— Vai nada. Eu trabalho para ter o que eu quero e não depender dela. Oi, cunhado. — Ela sorri para Harry. — O que achou da minha bolsa? — E a coloca no ombro.

— Lindíssima. Mamãe tem tantas... — Harry dá de ombros.

— Ai, não tira a excitação de mim. Você não tem ideia de o quanto eu sonhei em ter uma. Não que eu seja consumista...

— Eu sei que não, Letícia.

— Essa é da linha Canvas Damier Ébène. Olha, até aprendi francês com a vendedora.

Eu rio.

— Mas por uma dessas, super vale a pena, irmã.

— Não é? — Letícia dá um gritinho. — E olha só a coisa mais linda que eu trouxe para você. — Ela me mostra a segunda sacola de compras da mesma loja e eu pego. — Eu sei que seu aniversário está um pouquinho longe, mas eu jamais aguentaria até lá.

Eu pego a bolsa de dentro e encontro uma pequena de alças de mão e transversal.

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— Letícia!

— Isso é para me redimir da irmã chata que fui. Acordei decida a ser feminista, lutadora pelos meus direitos, principalmente depois de ter sido cantada por um cara escroto que se achou no direito. Irmã, eu arrasei com a cara dele. Queria que tivesse visto. Obrigada por abrir meus olhos. — Letícia me puxa para um abraço. — Comprei uma Alma BB, da linha Canvas Monogram, porque achei sua cara.

— Não precisava disso tudo, Leti.

— Deixa disso. E você, quem é? — Ela me coloca de lado e olha para o estranho.

— Timmy. — Ele levanta e a cumprimenta. — Ouvi muito a seu respeito através do Bruno.

— Ah, sim. — Letícia sorri. — Eu vou tomar um banho. Estou louca de calor. Nem tirei os agasalhos. — E faz uma careta. — Com licença.

Eu a observo pegar todas as sacolas e subir rapidamente. Eu pego a bolsa e arquejo.

— Por Deus! Essa mulher é louca. Realmente não precisava disso tudo. Eu vou falar com ela. — Tento dar um passo, mas Harry segura em meu antebraço.

— Depois vocês conversam. Deixa a sua irmã comemorar mais um pouco.

— Harry...

— Você a conhece melhor do que eu.

Eu suspiro e devolvo a bolsa à sacola, deixando-a sobre a mesinha de centro.

— Você tem razão. — Coloco uma mecha que desgarrou da trança e olho para Timmy. — Conte-me mais sobre essa reunião.

Ele faz, com a ajuda do Harry, e decidimos marcar para esse fim de semana. Timothy não demora a querer ir e eu o acompanho até a porta.

— Vemo-nos sexta-feira. — Ele sorri.

— Até lá, então. — Retribuo e abro a porta.

Timmy se vai e eu fecho a porta.

— Menina! — exclama Letícia, descendo a escada. — Eu vi o modo como ele olhou para as suas pernas quando você levantou! Quase te devorou com os olhos.

— Mesmo? — Eu ergo as sobrancelhas e a acompanho até a cozinha.

— Sim. E o achei gostoso. Concorda comigo?

— Super! — Eu rio e encho um copo de água, bebendo um pouco.

— E olha que ele estava agasalhado. Quando vamos vê-lo outra vez?

— Dá para vocês duas pararem? — indaga Harry, vindo a nós. — O Timothy é um cafajeste.

— Imagino o quanto isso o difere de você. — Ironiza a minha irmã. — Laila me contou que a primeira vez que te viu, você estava dando dinheiro a uma garota de programa.

Eu arregalo os olhos e fuzilo a cobra.

— Eu não disse que ela era garota de programa. — Tento minimizar.

— Mas eu deduzi pelo fato de ela estar vestida daquele jeito. — Ela abana o ar com desdém. — Ou seja, o sujo falando do mal lavado.

Prendo os lábios numa linha rígida, sem coragem para olhar o Harry. A imagem desse dia é mais nítida do que eu poderia imaginar.

— A diferença é que eu não saio mais com garotas de programa.

— Certo. Vou agora mesmo providenciar um pedestal para a vossa santidade. — Minha irmã sai da cozinha e eu olho para Harry.

— Desculpa por ter falado isso — murmuro, incerta.

— Mas você não mentiu. — Ele se recosta contra a ilha e cruza os braços. — Eu saía sim com elas, porém, parei.

Eu simplesmente concordo, sem saber o que dizer.

— Deixem essa DR para depois. Eu estou com fome. — Resmunga Letícia. — Vão preparar algo ou eu terei que sair ou pedir?

— Eu vou preparar, Letícia — diz Harry. — E eu estarei esperando o meu pedestal.