<p>&mdash;&mdash;</p> <p>&nbsp;</p> <p>O sol aparecia no horizonte; os passarinhos piavam. Foi nessa hora que Roku acordou.</p> <p>Simplesmente abriu os olhos, desperto. Sem bocejar e sem espregui&ccedil;ar. J&aacute; foi se levantando. Sentado na cama, procurou pelo despertador. Faltava uma hora e meia para ele tocar. Perguntou-se se era um sonho, mas n&atilde;o. Ele estava muito disposto para sonhar. Havia acordado mesmo.</p> <p>Conformou-se e iniciou sua manh&atilde; como todas as outras. Desceu para tomar um r&aacute;pido desjejum e voltou para o quarto, vestindo o uniforme. Esperando dar seu hor&aacute;rio normal de sa&iacute;da viu que ainda faltavam cinquenta minutos. Tentou enrolar mais um pouco, mas n&atilde;o aguentou. Passou pelo hall, cal&ccedil;ando seus t&ecirc;nis, e se encaminhou para a escola.</p> <p>Mesmo andando com calma, chegou cedo. Poucas pessoas passavam pelos corredores, a maioria funcion&aacute;rios. Foi at&eacute; o &uacute;ltimo deles, o de sempre, que, desta vez, n&atilde;o estava totalmente vazio. Enquanto mexia em seu arm&aacute;rio, pegando os livros que usaria nas aulas, o neko n&atilde;o notou que algu&eacute;m se aproximou dele.</p> <p>Aproveitando dessa falta de aten&ccedil;&atilde;o, Ichida socou o arm&aacute;rio ao lado, fazendo Roku se assustar com o estrondo e derrubar todas as suas coisas.</p> <p>&mdash; Bom-dia, Bichano.</p> <p>&mdash; Q-que... Que merda &eacute; essa?!</p> <p>&mdash; Vim fazer uma visita!</p> <p>Dado o soco, Ichida continuou com o bra&ccedil;o estendido, bloqueando a passagem de Roku. Este, surpreso em ver o outro, encheu sua cabe&ccedil;a de perguntas.</p> <p>&mdash; O mesmo arm&aacute;rio, desde o primeiro ano. Que deprimente! Chega a ser nost&aacute;lgico &ndash; Fujiwara tinha o sarc&aacute;stico sorriso nos l&aacute;bios, comum quando se dirigia a Roku.</p> <p>&mdash; O que veio fazer aqui? Que eu saiba, sua classe &eacute; do outro lado do quarteir&atilde;o &ndash; o neko tentou se impor, apesar de seu tamanho diminuto.</p> <p>&mdash; Com orelhas desse tamanho &eacute; estranho que voc&ecirc; tenha problemas de audi&ccedil;&atilde;o &ndash; Desdenhoso, ele as fitou por um breve momento, lembrando-se do quanto j&aacute; as havia puxado &ndash; Na realidade, eu quis te dar os parab&eacute;ns pessoalmente pela vit&oacute;ria de ontem. Espero que o gostinho dela perdure por muito tempo em voc&ecirc;, porque ela foi a &uacute;ltima sobre mim.</p> <p>&mdash; Ah! Desistiu de jogar t&ecirc;nis afinal?</p> <p>&mdash; Veremos. E... S&oacute; para n&atilde;o perder a viagem... Quem &eacute; aquele serzinho desprez&iacute;vel que te acompanhava ontem? N&atilde;o tive a oportunidade de conhec&ecirc;-lo muito bem.</p> <p>Roku estacou. Seus olhos fulminaram. Seus dentes se encontraram. Seu punho apertou. Suas orelhas arquearam para frente. E sua cauda eri&ccedil;ou. <em>Serzinho desprez&iacute;vel?</em> Com a voz contida pelos dentes cerrados, disse, subindo na ponta dos p&eacute;s:</p> <p>&mdash; Se voc&ecirc; pensa que vai azucrinar a vida de Yuki como voc&ecirc; fez com a minha est&aacute; muito enganado! J&aacute; n&atilde;o basta os amigos que voc&ecirc; me tirou, n&atilde;o ser&aacute; este que voc&ecirc; vai relar um dedo! Estou avisando para que fique longe. Sua vida j&aacute; est&aacute; bastante resolvida para se importar comigo! &ndash; Seu cenho se fechou &agrave; medida que se impunha contra o outro.</p> <p>Com o indicador em riste, Fujiwara revidou:</p> <p>&mdash; O seu nariz empinado tamb&eacute;m n&atilde;o te d&aacute; o direito de falar da minha vida. Dela cuido eu, e farei o que bem entendo! Ah!, mas fique esperto, projeto de gato. Voc&ecirc;, uma muta&ccedil;&atilde;o que deu errado n&atilde;o merece ter o que tem! Muito menos um amiguinho para chorar do seu lado! Saiba que nunca te darei sossego enquanto seu espectro estiver poluindo o mundo &ndash; <em>Sua vida era para ser minha, seu desgra&ccedil;ado!</em></p> <p>Talvez Roku tenha falado demais. Incitar a raiva de Ichida n&atilde;o foi uma das melhores atitudes dele. O garoto maior descarregou novamente no arm&aacute;rio ao lado, amassando a porta. Fuzilou o neko uma &uacute;ltima vez e saiu, mirando para frente, ignorando quem estivesse em seu caminho.</p> <p>&mdash; Chegue perto dele para ver o que fa&ccedil;o com sua cabe&ccedil;a! &ndash; Explodindo, ele gritou, em plenos pulm&otilde;es, sem conseguir arrancar um passo em falso de Fujiwara. <em>Filhinho de papai! Conseguiu me tirar do s&eacute;rio! Miser&aacute;vel!</em></p> <p>Respirando fundo, ele se agachou para recolher os livros. Antes de terminar, cerrou seus olhos, naquela posi&ccedil;&atilde;o mesmo. Engolindo o resto de rancor que tentava escapulir por seus sentimentos, levantou-se bruscamente, soltando o ar numa lufada. Tentava esquecer o assunto. Rapidamente o fez: Yuki virava a esquina do corredor, abra&ccedil;ado &agrave; sua mochila.</p> <p>&mdash; Y-Yuki!</p> <p>&mdash; Yo, Roku &ndash; Passando por ele, o pequeno aproveitou para observ&aacute;-lo &ndash; T-tudo bem?</p> <p>&mdash; S-sim!</p> <p>&mdash; Voc&ecirc;... P-parece estar tenso. Aconteceu a-... Ah! O-o q-q-que isso?!</p> <p>&mdash; O qu&ecirc;?!</p> <p>&mdash; A porta do meu arm&aacute;rio! A-al-algu&eacute;m tentou a-arromb&aacute;-lo?!</p> <p>Roku olhou. Havia uma concavidade na chapa de metal. Yuki o abriu e mexeu em suas coisas, verificando se estava faltando alguma coisa. Enquanto isso, o mais velho apertou o amassado pelo lado contr&aacute;rio, voltando-o &agrave; posi&ccedil;&atilde;o original, sem muitas marcas.</p> <p>&mdash; Q-quem poderia t-ter amassado meu arm&aacute;rio? E para qu&ecirc;? N&atilde;o mexeram em na-nada.</p> <p>&mdash; Talvez... Algu&eacute;m quisesse s&oacute; descontar a raiva, aproveitando que este corredor &eacute; o mais vazio.</p> <p>O menor concordou, mas n&atilde;o falou mais nada. Estava assustado com o acontecido. <em>Eu n&atilde;o esperava que isso se repetisse aqui. Pensei que esta escola fosse livre de arruaceiros. Pensei que aqui seria diferente! N-nya!</em></p> <p>Terminados os preparativos, os dois seguiram para a sala. As primeiras aulas passaram normalmente. Foram almo&ccedil;ar juntos e conversaram banalidades, principalmente sobre t&ecirc;nis. Voltaram para a classe antes que o primeiro sinal tocasse. Quando a professora, de ingl&ecirc;s, entrou, mal saudou os alunos e j&aacute; escreveu no quadro negro numa caligrafia deplor&aacute;vel: PROVA DE INGL&Ecirc;S &ndash; pr&oacute;xima segunda.</p> <p>&mdash; &Eacute; isso a&iacute;, turma. Comecei este ano e n&atilde;o sei como voc&ecirc;s est&atilde;o indo com a mat&eacute;ria. Nada melhor do que marcar um teste! Aconselho estudarem.</p> <p>Yuki se encolheu perceptivelmente na cadeira. Ingl&ecirc;s era sua pior mat&eacute;ria. Seu professor antigo costumava dormir em sua mesa, babando em cima das li&ccedil;&otilde;es de casa, que tentava corrigir na aula. A professora deste ano na escola de Namaeda havia substitu&iacute;do a anterior. Muito nova, ela n&atilde;o tinha experi&ecirc;ncia alguma em lecionar, causando um verdadeiro desfalque no ensino.</p> <p>&mdash; Yuki... Tudo bem? &ndash; Perguntou Roku, sussurrante.</p> <p>&mdash; H-ha-hai! S&oacute;-s&oacute; escorreguei...!</p> <p>Tentando disfar&ccedil;ar, ele sentou-se ereto novamente, mas seu olhar o denunciava veementemente. Suas m&atilde;os at&eacute; tremulavam.</p> <p>&mdash; Yuki, voc&ecirc; est&aacute; tremendo! Tem certeza de que voc&ecirc; est&aacute; bem?</p> <p>&mdash; T-tenho. Tenho sim &ndash; Eles n&atilde;o puderam mais conversar e, depois que as aulas terminaram, j&aacute; haviam esquecido o assunto.</p> <p>Roku se despediu e correu. Ia para a casa do menor depois de passar na sua. Ao entrar pela porta se acalmou. Viu sua m&atilde;e, Tomoe, sentada na ponta da mesa da sala de jantar com alguns pap&eacute;is. Continuou e seguiu para o quarto, onde trocou sua roupa de escola por uma cal&ccedil;a jeans escura e uma camiseta estampada. Desceu para a cozinha e beliscou algo da geladeira, tomando um grande copo de suco de morango que tinha na porta.</p> <p>Quando se dirigiu para a sa&iacute;da, viu sua m&atilde;e novamente. Esta estava de p&eacute;, mexendo em um porta retrato. Ele parou discretamente para v&ecirc;-la retirar a foto dali de dentro e jogar em cima dos pap&eacute;is. O objeto vazio ela devolveu &agrave; estante, sentando-se de novo e pegando a foto. Olhou-a brevemente, sem mudar de express&atilde;o, colocando-a entre outro monte de pap&eacute;is.</p> <p>Roku sentiu algo profundo bater em seu peito. Depois, uma pontada. Aquela foto era antiga, mas estavam ele, sua m&atilde;e e sua irm&atilde;. Um triste sorriso surgiu quando ele lembrou da ocasi&atilde;o da foto. Logo depois dela, a m&atilde;e tirara uma outra, apenas dele e da garota, meio que abra&ccedil;ados. Mas esta ele guardava consigo, no quarto. Retomando o foco, cal&ccedil;ou os t&ecirc;nis, pegou seu casaco e saiu, batendo a porta.</p> <p>Tomoe levantou levemente os olhos do papel, olhando para onde minutos antes estava o neko. Remexeu na pilha onde estava a fotografia e a retirou dali, observando-a mais um tempo. Seus olhos marejaram.</p> <p>&nbsp;</p>

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!