<p>——</p> <p> </p> <p>A manhã estava com uma rala chuva. Roku acordou mais cedo, desceu para a cozinha e procurou algo para fazer o desjejum – não havia jantado na noite anterior. Depois voltou para o quarto e se arrumou para a escola, encaminhando-se para o hall. Antes de sair ele deu uma espiada na sala, torcendo para que Mushi já tivesse saído em viagem novamente. <em>Droga. Ainda está aí, roncando igual um porco, contaminando o sofá com o seu cheiro. Praga...!</em></p> <p>Esquecendo-se de estava chuviscando, Roku saiu sem guarda-chuva e nem estava a fim de voltar até seu quarto e pegar um. Como o esperado, chegou à escola um tanto molhado. Entrou rapidamente antes que a garoa engrossasse. Virando no final do corredor para chegar a seu armário, avistou seu mais novo colega mexendo no armário vizinho. Aproximou-se, tentando fazer um sorriso, do qual rapidamente desistiu. Os olhos de Yuki estavam fundos e marcados por enormes olheiras, totalmente entristecidos.</p> <p>— Y-Yuki...</p> <p>— Olá, Roku — Sua voz estava seca e áspera. Ele fungava levemente o nariz – Eu tenho uma toalha aqui. Você quer?</p> <p>— Toalha?</p> <p>— V-você está um pouco... Molhado.</p> <p>— Ah, sim. Obrigado.</p> <p>Ele pegou a toalha emprestada do outro, enxugando seu rosto e seu cabelo levemente; depois a devolveu.</p> <p>— Está tudo bem?</p> <p>— Vamos logo, senão nos atrasaremos para a aula – A rispidez surpreendeu o mais velho. Algo não estava certo.</p> <p>Depois de passarem as primeiras aulas sem se falarem, Roku chamou Yuki antes que ele saísse da sala.</p> <p>— Depois que você almoçar, será que poderíamos conversar?</p> <p>— Eu não vou comer hoje. Podemos ir já. Talvez lá fora, se não estiver chovendo – Os dois seguiram para a entrada da escola, onde havia alguns bancos para os alunos se sentarem. Eles ficaram debaixo de uma árvore, sem poder sentar no banco molhado. As nuvens ainda cobriam o céu, mas já não caía mais água.</p> <p>Roku se fixou nas olheiras de Yuki. Tentava imaginar o que as teriam ocasionado. O menor enrubesceu com a atenção do outro.</p> <p>— O-o que você queria f-falar?</p> <p>— Por que você está tão estranho hoje? O que te aconteceu?</p> <p>Ele hesitou em responder.</p> <p>— N-nã-não aconteceu nada. Eu s-só não dormi d-direito.</p> <p>— Mas não são só suas olheiras. Você está muito diferente de ontem. Parece estar... Triste. Foi algo que eu disse?</p> <p>— Não. E-e eu não quero falar sobre isso – Yuki fez menção de sair dali, terminando a conversa. Mas Roku não a tinha por encerrado.</p> <p>— Quem sabe se você se abrir com alguém, o problema fique menos pesado — Insistiu o mais velho.</p> <p>— E-eu... Eu n... – Yuki respirou fundo.</p> <p>Mirando o chão a sua frente, soltou numa lufada só:</p> <p>— <strong>Eu não tenho pais. So-sou órfão.</strong></p> <p>O peso daquela revelação recaiu sobre os ombros do outro em toneladas. <em>Ó-órfão?</em> Roku nunca iria pensar nesta possibilidade.</p> <p>— Órfão?! – Incrédulo, ele acabou falando alto demais.</p> <p>— Sim. Isso muda alguma coisa?</p> <p>— Não! Me-me perdoe, Yuki. Eu não queri-</p> <p>— Tudo bem, eu não me importo.</p> <p>O pesar podia transbordar a qualquer momento pelos olhos daquele neko. Ele até se virou de costas para não ter de ver o rosto de Roku.</p> <p>— Eles morreram há poucos meses. Sem eles, não tenho muitas pessoas que gostam de mim. Por isso sinto a falta d-de-deles.</p> <p>Agarrando a barra de sua blusa, apertou-a com toda sua força. Roku não via, mas ele se segurava para não chorar mais uma vez.</p> <p>— N-nós morávamos no norte, quase em Hokkaido. Mas depois que eles... S-se foram... E-eu vim morar com minha tia aqui.</p> <p>Roku não sabia o que fazer. Yuki estava virado de costas, apertando com as duas mãos a barra do seu moletom. Se sentindo impotente e insensível, por não ter pensado antes naquela possibilidade, ele continuou calado.</p> <p>— Das poucas pessoas que realmente gostavam de mim, perdi as duas mais preciosas – Antes de continuar, o neko fungou o nariz, finalmente denunciando suas lágrimas – Eles... E-e... Droga, eu n-não... Eu não devia ter f-falado nada. Vo-você não e-está interessado nessas bo-bagens – Soltando uma das mãos, ele usou a manga para passar no rosto, tirando o excesso de lágrimas.</p> <p>Antes que Yuki saísse dali, Roku deu um passo e, pousando uma mão em seu ombro, virou-o de frente. Pela primeira vez viu aqueles olhos marejados. Era triste, mas ainda assim eles não deixavam de ser bonitos.</p> <p>— Ei, ei. Não diga isso. São os seus sentimentos, e não bobagens. E eu entendo. Sei como é viver só.</p> <p>— Sa-sabe? – Com a outra manga, Yuki enxugou o lado direito do rosto, parecendo se acalmar um pouco.</p> <p>— Eu não perdi meus pais, mas alguém que me amava muito também se foi, só que há mais tempo. Olhe, eu não tenho amigos aqui. Todo mundo me detesta nessa escola, e eu detesto todos; exceto você. Você é alguém que, assim como eu, não é de ter muitos amigos, não estou certo? – O menor continuou calado. Roku tomou o silêncio dele como uma afirmação – Não quero que você passe pelo que passei aqui. Por isso quero ser seu amigo. E espero que você me aceite... Como seu amigo.</p> <p>Ele falou pausadamente as palavras. Um sinal de um sorriso passou pela expressão do pequeno.</p> <p>— Vo-você quer ser m-meu amigo?</p> <p>— Sim. Eu quero. E quero prometer para você que nunca mais deixarei que você fique só. Chega de solidão, ninguém merece isso.</p> <p>Roku abriu um sorriso, deixando o outro totalmente enrubescido; seus olhos marejaram mais uma vez quando este abriu um leve sorriso também.</p> <p>— A-arigatou, Roku-san.</p> <p>— Mas vamos combinar uma coisa agora: sem sufixos. Não precisa me tratar com tanta polidez. Seremos amigos agora, então teremos o mesmo nível de respeito.</p> <p>— Ah, t-tudo bem.</p> <p>Abrindo mais um sorriso, Roku tirou sua mão do ombro do outro, deixando-a cair rente ao seu braço.</p> <p>Uns respingos de água fizeram os dois amigos correrem para dentro do prédio. No final do dia de aula, Yuki entrou correndo no carro, pois a chuva não dava descanso. Ellen, notando seu semblante muitas vezes mais alegre, perguntou-o qual o motivo para tamanha mudança de estado.</p> <p>— Um professor me elogiou hoje. Foi bom. Mas foi só isso – Mentiu perfeitamente ele.</p> <p> </p>
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