Dolores
Dolores
A Dani bem que me avisou que não viria à escola nessa primeira semana. Quando ela me contou que passaria mais uns dias na praia com a família, tive de vibrar.
— Sorte sua se livrar do início dessa tortura.
Só que o que eu mais queria mesmo é que ela estivesse aqui, que me fizesse ter um primeiro dia de aula diferente de todos os que já tive nesses anos. Primeiros dias de aula são duros e ninguém merece ficar sem o seu melhor amigo. Essa era a minha última chance de ter um primeiro dia diferente e perdi.
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Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!O pior é que não consigo encontrar uma explicação plausível, o começo de tudo, o porquê de tanto desconforto, pois praticamente somos a mesma turma desde o Ensino Fundamental.
— Adriana Pinheiro?
— Presente.
Claro que no meio do caminho entraram novos colegas.
— André Leite?
— Presente.
Durante esse percurso, houve uma boa penca que entrou e saiu da escola, gente que marcou presença e deu no pé sem nem pedirem a permissão. Dizem que é assim mesmo. Ainda to me acostumando com isso de as pessoas surgirem do nada e irem embora do nada. A Dani, por exemplo, só cheguei a conhecê-la no 6º ano. Mas o cerne dessa turma, cerca de 20 alunos, são os mesmos.
— Bernardo Kucinski?
— Presente.
Acho isso uma droga. Massa mesmo seria se esse povinho vazasse daqui, mas é uma coisa bem difícil, até porque nenhum pai quer que os filhos saiam da escola modelo da cidade – sobretudo os bolsistas. Claro que eu também poderia ir pra outro colégio, mas os meus pais também se encaixam nessa estatística dos pais que se recusam a procurar uma escola com maior custo benefício – e eu me encaixo na estatística dos bolsistas. Acho um saco estudar aqui por mais de uma década, vendo a cara de, basicamente, as mesmas pessoas por todo esse tempo.
— Carlos Henrique?
— Presente.
E por mais que sejam anos que nos vemos praticamente todos os dias, o único sentimento que consigo ter por boa parte dessas pessoas é desprezo.
— Daniela Almeida?
— Faltou. - respondi.
E tudo porque…
— Dolores Conceição?
Por isso. Todo primeiro dia de aula é a mesma coisa. Basta que meu nome composto seja mencionado pelo professor, que a turma cai na gargalhada.
— Presente. - respondi irritada pela repercussão nada inédita que o meu nome gerou.
— Os autores de novelas mexicanas te pagam direitos autorais pra usarem seu nome nas mocinhas?
— Dolores Conceición! — outro babaca disse com um sotaque hispânico tosco.
— “Prófs”, corrige aí! O certo é Dolores-Chan.
Com um sorriso falso, deixei claro que aquelas piadinhas não tinham mais graça desde 2005 e depois fechei a cara, tentando ignorar essa chatice, mas era impossível. Eles gostavam de me ver irritada, desconfortável. Sinceramente, eu devo ser um alvo muito fácil, só assim pra entender o porquê de pegarem tanto no meu pé.
Falando em idiotas, a Virgínia acabou de entrar na sala, toda suada e ofegante, segurando aquele fichário propositalmente destruído, só pra ficar parecendo cool. Essa menina nunca me enganou.
— Já é a chamada? – ela perguntou à amiga quando o professor estava na letra “M”.
— É. - a outra antipática confirmou.
Como de costume, ela teve de interromper a chamada do professor e falar com ele por cerca de cinco minutos. Ela sempre fazia isso! Todo começo de ano, quando o professor é novato, ela o interrompe durante a chamada pra falar qualquer coisa só pra chamar a atenção. Aposto que diz qualquer baboseira de boas vindas, na sua busca desesperada de ser a queridinha de todos os professores. Ainda bem que é a última vez que vou ter que assistir isso.
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