Bailes de Convés

A Melodia do Marulho


Troco mensagens em garrafas de vinho vazias com uma moça que mora num navio. Às vezes, ela engarrafa o canto das sereias, ou a brisa quente e salgada do mar e me envia com bilhetes perfumados de rum.

De tempos em tempos, essa destemida pirata aporta em meu cais perdido no fim do mundo e me convida a subir em seu convés. Então, tomo-lhe emprestado um pouco de pó de fada e me dou ao luxo de apreciar o marulho que sopra com suas palavras. E quando o vento infla as velas coloridas e ela grita para que os marujos icem a âncora, sei que não há nada mais com o que se preocupar.

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O navio atravessa mares tão profundos quanto o oceano que ela carrega no peito – que me desperta ganas e às vezes se torna bravio. Ela o guia com seu coração de pirata, que ora é de um marujo desbravador, ora é de um capitão cujo nome é capaz de assombrar esquadras inteiras. Sua espada, maculada com o sangue de monstros marinhos e demônios saídos de vulcões furiosos, aponta o rumo que o timoneiro deve seguir – seu mapa são as veias que se ressaltam em seus braços delgados.

Enquanto a tripulação canta canções antigas e abre barris de aguardente, minha capitã conta sobre seus feitos nas Ilhas das Lágrimas e sobre como roubou o colar de madrepérolas da Rainha do Castelo de Areia.

Há chamas mornas em seus olhos, como um farol que mostra o caminho para casa. Porém, é difícil concentrar-se neles quando suas madeixas de cobre – moldadas por dedos gentis de sereias – bailam com o vento e riscam o ar. Ela transpira aventura e sorri com a mesma doçura de uma fada.

É a janota em pessoa. Imperatriz dos mares, coroada com conchas brilhantes e estrelas marinhas.

Nas dobras de seu casaco, ela guarda pepitas de ouro e segredos do fundo do mar. Mas nunca fala sobre eles – ou então não seriam segredos. Ao invés disso, sua língua tece, com uma desenvoltura experiente, poesias aprendidas no Monte de Netuno e histórias ouvidas em tavernas no Porto de Jade.

Quando a noite cai e a festa da tripulação ganha mais força, ela me convida para uma dança. A capitã tem um donaire seguro ao deslizar pelo convés, guiando-me a passos suaves ao som de uma melodia selvagem.

As ripas de madeira rangem sob nossos pés, preenchendo as pausas da partitura. O ar cheira à pólvora quando alguns marujos disparam suas armas para o céu. Uma alegria percorre os rostos sulcados pelo vento salgado e as bochechas rosadas da capitã – e isso é o bastante para me incendiar o coração.

As mãos dela – que me puxam por voltas ao redor do mastro – são um tanto calejadas do manejo da espada e da arma, queimadas por pavios de canhões e talhadas por pontas de espadas. Mas seu toque é tão macio e reconfortante quanto a lã que enche os porões do navio.

Uma linha alaranjada surge no horizonte e os tambores assumem um ritmo vagaroso. Meu passeio chegou ao fim e agora minha capitã deve embarcar em outra aventura.

Beijo-lhe o dorso das mãos e desejo bons ventos, antes que a bruma da madrugada me engula e me carregue de volta para o olho da tempestade em que habito.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.