A Filha da Noite

Capítulo 26


Acordei sentindo que estava voltando a chover.

Eu me sentia bem de novo, a não ser por uma dor de cabeça terrível e pela impressão de que ia pegar uma gripe daquelas. A chuva estava ficando mais forte rápido, e o vento estava muito forte. O céu estava completamente preto, e não era por ser duas da madrugada. Tentei lembrar que horas eram quando eu dormi, mas minha memória não queria cooperar. Eu só tinha a leve impressão de ter dormido por um bom tempo.

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Olhei em volta, procurando os outros. Percy ainda dormia, a água não era problema para ele e ele devia estar cansado de verdade depois de causar aquele pequeno tsunami. Thalia e Heidi estavam acordadas e conversavam.

— E os monstros? Nenhum nos atacou? — Perguntei, me sentando. Minha boca estava completamente seca e meu estômago doía de fome. Eu não fazia idéia de quanto tempo fazia desde que eu havia comido pela última vez.

— Na verdade, sim. Mas eu fiz uma pequena barreira mágica para nos proteger. — Heidi apontou alguns buracos no chão à nossa volta. Os buracos eram fundos, mas dava para ver que havia algo dentro deles. Eu não conseguia ver o que, e na verdade nem queria. Eu estava muito bem sem entender os feitiços de Hécate.

Então percebi o porquê da dor de cabeça. A presença estava mais forte do que nunca. Normalmente, uma pequena parte da minha cabeça ficaria alerta e meus sentidos ficariam mais aguçados, mas desta vez minha cabeça chegava a doer.

— Precisamos sair daqui. — Eu disse. — Tífon está mais perto do que nunca. Temos que acordar Percy.

— Eu te disse. — Thalia disse para Heidi com um olhar de censura, levantando-se.

— Mas... Ele parecia tão cansado. Eu não queria acordá-lo... — Heidi parecia uma mãe preocupada dizendo aquilo. Ela pareceu perceber o que havia dito e se corrigiu. — Quer dizer, vocês! Vocês pareciam todas muito cansadas. E o Percy também. Aí eu não queria acordar vocês, sabem? Eu sei bem como é ficar cansada desse jeito, também já fiquei esgotada, ontem mesmo eu estava bem cansada, ainda bem que quando Thalia acordou eu pude dormir um pouco, sabem, mas você e o Percy, wow, vocês estavam cansados demais, eu não queria...

— DÁ PRA CALAR A PORRA DA BOCA POR UM MINUTO?! — Explodi. Poxa, como se já não bastasse a presença de Tífon, ela ainda ficava matraqueando no meu ouvido? — A presença desse monstro tá me dando uma dor de cabeça dos infernos, nós temos que enfrentá-lo e você ainda fica tagarelando sobre nada aí. Dá um tempo, Heidi.

Heidi simplesmente me olhou, inexpressiva. Comparei mentalmente o comportamento dela quando a conheci, na noite anterior e agora. Tenho sérias suspeitas de que, além de todos os problemas que os meios-sangues já têm, ela tinha um sério distúrbio de personalidade múltipla ou algo assim.

— Ok então, bruxinha. — Disse Thalia com sarcasmo, vendo que Heidi continuava sentada, olhando o nada. — Pode ficar sentada aí olhando o Cabeça de Alga dormir enquanto Melanie e eu vamos salvar o mundo, tá? Voltamos em um minuto.

Eu me levantei e Thalia e eu ficamos fitando Heidi enquanto ela parecia perdida em pensamentos. Ela bufou.

— Certo, então. Vamos lá, acordem ele.

— Como vamos chegar a Tífon? — Perguntei enquanto Thalia parecia ter muito prazer em gritar no ouvido de Percy, fazendo-o se acordar em um susto.

— Isso não é problema. — Heidi tirou outro apito do bolso do jeans, e mais uma vez o apito não emitiu som nenhum quando ela o usou. Apesar de serem parecidos e terem aparentemente a mesma função, aquele parecia um pouco diferente.

Comecei a sentir outra presença, além das presenças dos sei-lá-quantos monstros na floresta e da presença de Tífon. Minha cabeça parecia a ponto de explodir, literalmente. Fechei os olhos e levei as mãos à cabeça, como se isso fosse adiantar alguma coisa, mas obviamente nada aconteceu. A presença só se aproximava cada vez mais, parecendo matar uma parte do meu cérebro a cada segundo.

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Até que um enorme cão infernal parou à nossa frente.

Um enorme e conhecido cão infernal.

— Sra O’Leary?! —Percy parecia genuinamente surpreso. Ele esfregou os olhos e piscou várias vezes, como se pensasse estar sonhando.

— Pra mim ela é a Morgana. — Heidi disse, subindo nas costas da Sra-Morgana-O’Leary. — E sempre vai ser. Agora subam. A não ser que vocês queiram dar um jeito de chegar a Tífon por si mesmos.

— Como você arranjou esse apito? Dédalo me deu o único que ele tinha, e disse que era difícil de fazer... — Percy parecia atordoado.

— Meu bem, a sua cadelinha não passa o tempo todo naquele Acampamento. Ela gosta de passear pelo Mundo Inferior também. E ela conhece outros seres por lá, incluindo semideuses em treinamento com os pais. E apitos são facilmente fabricados sim, principalmente quando a sua mãe é a deusa da magia. Agora subam de uma vez, por favor?

Thalia e Percy subiram. Eu fui andando lentamente devido à dor na minha cabeça e precisei de ajuda para subir, mas consegui.

— Segurem-se firme. — Heidi avisou. — Morgana...

— Sra. O’Leary! — Percy corrigiu.

— Pra mim ela é a Morgana, e ponto. Morgana, pode nos levar até Tífon, por favor? Rápido, não temos muito tempo!

A Sra. O’Leary latiu e pulou nas sombras em meio a algumas árvores altas. Eu fechei os olhos. Sabia por experiência própria que não era nada agradável viajar pelas sombras de olhos abertos. A velocidade é tão alta que parece que a pele vai desgrudar do seu rosto, e quando se está de olhos abertos, parece que eles vão saltar das órbitas ou algo assim. Pude testar bem isso quando vim com Heidi até os outros três, quando viajamos em seu cachorro, Exodus.

Não foi muito difícil saber que já havíamos chegado. Primeiro, todo aquele vento avassalador no meu rosto parou. Segundo, a chuva e o vento não nos afetavam mais. Terceiro, a temperatura havia aumentado muito. Quarto, podíamos ouvir, abaixo de nós, barulhos que não ouvíamos antes, como se as paredes rochosas do Monte estivessem desabando, e o chão tremia. E quinto, minha cabeça doía tanto que me deixava tonta. Eu não conseguia me mexer direito sem que doesse mais. Era como se estivesse espremendo lentamente a minha cabeça, como se tivessem aberto meu crânio e jogado ácido lá dentro, como se eu estivesse sendo pisoteada por milhares de dragões. Tudo ao mesmo tempo.

Abri os olhos. Estávamos em uma espécie de túnel escuro e baixo. A Sra. O’Leary tinha que ficar abaixada, e mesmo assim sua cabeça encostava no teto rochoso. Thalia, Percy e Heidi desceram. Eu preferi voar, mesmo que meus pés quase encostassem no chão. Minha cabeça doía até quando a Sra. O’Leary se mexia, eu não queria saber como seria se eu andasse.

— Alguém faz idéia de onde estamos? — Perguntou Thalia. Nós avançávamos lentamente, atentos a qualquer perigo.

— No Monte Santa Helena, quem sabe? — Respondeu Percy com ironia. O túnel era muito escuro, mas eu podia ver que seu vulto segurava uma coisa pequena e fina na mão direita. Sua caneta, que no momento em que ele tirasse a tampa, se transformaria em uma espada.

— Não foi isso que eu quis dizer, cabeça de alga idiota. Eu quis dizer em que parte do Monte.

— Como eu vou saber? Eu não tenho um GPS na cabeça, Cara de Pinheiro.

— Dá pra vocês calarem a boca? — Eu e Heidi falamos ao mesmo tempo. Minha cabeça latejou quando falei.

Thalia e Percy ficaram quietos, e continuamos avançando. A temperatura aumentava cada vez mais, junto com os ruídos que pareciam vir de baixo da terra, com o estremecer do chão e com a presença que fazia minha cabeça doer. Devíamos ter andado um quilômetro ou até mais quando vimos uma luz alaranjada no fim do túnel. Andamos mais rápido, até chegarmos à saída do túnel.

Estávamos em uma borda rochosa que circundava a enorme caverna. Vários metros abaixo de nós havia um mar de lava borbulhante, com uma rede de metal — provavelmente algo celestial — se estendendo sobre a lava. Nessa rede havia diversos tipos de forjas, bigornas e afins. O lugar parecia abandonado.

— A forja de Hefesto. — Percy disse.

— Mas por que parece abandonada? — Heidi perguntou. Eu estava pensando nisso também, mas minha cabeça doía muito e eu estava quase passando mal com o calor.

— Ele deve ter fugido e levado as invenções. — Respondeu Thalia, olhando com uma cara aterrorizada o mar de lava abaixo de nós. O que, ela tinha medo de fogo ou algo assim?

— Ah, claro. Fugido. Como todos os outros deuses, que nesse momento estão no Olimpo, assistindo enquanto nós nos matamos. Por eles. — Não pude resistir e fiz esse comentário, ignorando o latejar na minha cabeça. Ignorei também o olhar de censura que recebi de Thalia e de Percy.

— Não é hora de se revoltar contra os deuses, Melanie White. Eles já fizeram muito por você. — Falou Heidi. Mal reconheci sua voz. Ela parecia mais madura, mais poderosa, mais sábia... E, à medida que ela ia concluindo a frase, sua voz ia ficando cada vez mais diferente, até que quando ela falou “por você” parecia até mais de uma pessoa falando.

— Como você pode saber o que eles já fizeram ou deixaram de fazer por mim? Você mal me conhece!

Heidi me olhou, e deixei um ofego escapar dos meus lábios ao vê-la.

Seus olhos estavam dourados.

— Heidi... O que...

Mas não tive tempo de terminar a frase, pois tudo começou a tremer ainda mais, e senti uma pontada na cabeça que me fez soltar um grito de dor. Thalia recuou um pouco no túnel, e Percy se segurou firmemente às pedras mais salientes da parede. Apenas Heidi continuou onde estava, na ponta da borda que circulava o vulcão por dentro, e seu equilíbrio parecia perfeito. Ela olhava fixamente para baixo, para o mar de lava cada vez mais revolto, com uma expressão solene. Pedras começaram a desabar do alto do vulcão, fazendo os instrumentos de Hefesto caírem e se quebrarem contra a rede metálica, alguns deles até caíam na lava.

Então, com um rugido ensurdecedor, a cabeça de Tífon emergiu do mar de lava abaixo de nós, fazendo a rede de Hefesto e todos os seus instrumentos em migalhas.