Capítulo Único

Trilha Sonora

Number Six e suas equivalentes falsas cidades utópicas não existem mais.

O que um dia foi Number Six, virou Tóquio – 2 e um dos principais protagonistas daquela revolução, o jovem Shion, tornou-se um importante ativista político e atual Ministro de Relações Exteriores.

Logo após a revolução, o sistema educacional regressou aos moldes pré “Ditatura Utópica”, como ficou conhecido o período onde as cidades utópicas reinaram na Terra, mas com adaptações. Naquele período, Shion aproveitou para continuar seus estudos até terminar a graduação em Relações Internacionais, pós-graduar e conseguir um mestrado, fora as palestras, posicionamentos públicos e afins que ministrava para evitar que a humanidade repetisse o erro. Tudo isso aos 26 anos.

O outro protagonista da revolução, Nezumi? Este virou praticamente lenda urbana, pois ninguém mais viu-o e tudo que havia sobre notícias não passavam de meros boatos. Diziam até que Nezumi morreu ou suicidou-se, porém Shion não acreditava. Conhecia bem demais o amado para levar-se por boatos e sabia: se ocorresse algo de ruim com Nezumi, o destino daria um jeito dele ser o primeiro a saber. Acreditava fielmente que o amado voltaria, um dia, e beijaria ele como da vez em que se despediram.

“Você irá voltar. Nem que seja para despedir-se de mim para sempre, mas você voltará, Nezumi”. —, refletiu Shion ao fechar a porta do seu gabinete, partindo de volta para casa.

Após pegar um trânsito considerável e já dentro da espaçosa casa, sem supérfluos ou algo do tipo, Shion estava no seu quarto. Deitado na cama, lendo um livro ao mesmo tempo em que ouvia uma antiguíssima música do século passado, o rapaz de peculiares cabelos brancos tentava distrair-se sem sucesso.

Fechou o livro, colocou-o em cima da cama, levantou-se e andou até a janela. Chegando lá, Shion observou os raios cruzando o céu, as nuvens cinzentas fechadas, a chuva caindo em sua particular agitação. Abriu a janela e sentiu o cheiro da chuva invadir seu olfato.

“Um cheiro tão nostálgico...” — pensou o rapaz.

Logo em seguida, Shion deu grito alto:

— Nezumi, eu amarei você para sempre.

Todo aniversário de despedida de Nezumi, Shion fazia essa espécie de ritual para reafirmar seu amor pelo outro e, no fundo, alimentar a esperança da mesma chuva que trouxe Nezumi pela primeira vez na sua vida, trazê-lo de volta.

Quando o rapaz de cabelos brancos ia fechar a janela, um vulto foi para cima de Shion, derrubando-o no chão com tudo. De primeira instância, o rapaz de cabelos brancos pensou em lutar, mas quando o capuz da capa usada pela pessoa que atacou Shiou caiu, todas as defesas caíram.

Os mesmos olhos cinzentos,

O mesmo sorriso,

O mesmo cheiro de chuva...

Somente os cabelos eram mais longos, uma barba por fazer, mais altura e algumas rugas, porém eram apenas detalhes.

A beleza não afetou em nada.

Shion apenas conseguiu soltar fortes lágrimas dos olhos e perguntar:

— Você ainda me ama, Nezumi?

O rapaz de cabelos brancos teve sua resposta através de um apaixonado beijo, que aguardou pacientemente por dez anos.

“(...) Quanto tempo isso vai durar, Baba?

Há quanto tempo estamos adormecidos?

Você me vê purificando-me com tudo o que diz?

Quando é que serei purificada?

Quanto isto irá custar, guru?

Quanto ainda até você absolver-me completamente? (...)”

(Baba – Alanis Morissette)