André permitiu que eu chorasse em seu ombro no absoluto silêncio por mais de dez minutos. Não disse se aceitava meu pedido de desculpas, não me acusou e nem falou palavras de conforto. Permaneceu apenas com sua presença, com nossos corpos ainda colados. Isso tudo, provavelmente, porque ele me conhece bem o suficiente para saber que momentos como esse aconteciam raramente. Do que eu me lembre, chorei em sua frente apenas quatro vezes nesses 13 anos que o conheço: quando quebrei o braço direito enquanto andava de bicicleta, quando meu pai faleceu, na boate Olimpo, quando estava sensível por conta da bebida e em casa quando ouvi que iria se casar.

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Depois de já ter encharcado toda sua camisa com as lágrimas e conhecidos do prédio terem passado encarando, me recompus.

— Eu realmente peço desculpas. – Frisei, tomando certa distância e limpando o rosto com as mãos.

— E pelo o quê exatamente está arrependida? – Indagou. Sua expressão me pareceu dolorida, magoada. (Parabéns, Mariana, a culpa é sua!).

— Por... Tudo. Esconder a verdade, me afastar... – Nossos olhares se conectaram e senti a garganta fechar. O principal motivo desse pedido de desculpas ficaria guardado comigo. Não importa o quanto eu me sinta sufocada. Não há porque fazê-lo compartilhar comigo o peso de nunca tê-lo esquecido de fato.

— É claro que eu te perdoo. – André sorriu, trazendo um olhar alegre e aliviado. – Afinal, você é minha madrinha principal, não é? – Riu, beijando o topo de minha cabeça.

— Estou vendo que arranjei trabalho... – Sorri, com a voz ainda fanha. Tendo trago o casamento para conversa um sentimento dentro de mim tomou uma forma mais nítida: não preciso fingir que vou esquecê-lo, eu realmente farei isso. E não é sorrisos e olhares que me farão “cair em tentação” tão fácil. Mereço ter um amor saudável também.

Após conversarmos um pouco mais sobre o casamento e Jaqueline, voltamos ao prédio. Assim que fomos passar pela portaria, uma das vizinhas, que passou pela praça, estava contando de forma animada ao Joaquim, o porteiro, a cena que havia presenciado.

— Menino! E eu achei que ela estava namorando aquele bonitão que anda com uma câmera no pescoço pra cima e pra baixo!

— E esses jovens lá ligam se estão com dois ou três ao mesmo tempo? Eles são espertos, isso sim.

— Hum, vocês estão equivocados e me desrespeitando. – Intervi fingindo estar irritada.

Marli, a vizinha, deu um pulo para trás com o susto e quase derrubou um dos vasos da portaria. Joaquim apenas arregalou os olhos. Já André, permaneceu de braços cruzados, esperando para ver o que eu faria.

— Mariana, filha, como vai? – Marli sorriu amarelo, arrumando o vaso em que batera. Seu jeito meigo de vovó não me comprou.

— Vou bem, obrigada. – Respondi com uma das sobrancelhas levantada. – Creio que não preciso apresentar o André a senhora, já que ele vinha bastante aqui antigamente. É meu amigo, apenas. Então, por favor, não vá espalhar pelo prédio mentiras ao meu respeito.

— Imagina! É que eu os vi abraçadinhos e... Imagina, eu lembro dele sim. Amizade bonita a de vocês. Meu Deus! Olha o horário. Preciso ir arrumar o almoço. Que Deus os abençoa, tchau!

Com isso, Marli correu para o elevador e logo apertou o seu andar, não dando tempo para que o pegássemos junto com ela. Atrás de mim André começou a rir.

— Desculpa, viu dona Mariana. É que essas coisas não têm como não ouvir, sabe? – Joaquim pediu, coçando a cabeça com uma das mãos, parecendo constrangido.

— Eu sei, eu sei. Só não aumente esse tipo de fala, sim? – Pedi enquanto André ia até o elevador, chamá-lo.

— Tudo bem. – Joaquim sorriu. – Mas, hein, eu vou mais com a cara desse sujeito do que com o fotógrafo. – Sussurrou.

Apenas revirei os olhos, enquanto sorria. Concordar com ele em voz alta seria estranho.

— É cada coisa hoje viu... – Reclamei entrando no elevador. André riu e concordou.

Já no apartamento minha mãe fingiu que a cena mais cedo nunca tinha acontecido; nem perguntar sobre o nosso “passeio” ela perguntou. Acho que só por nos ver sem aquela tensão toda, já estava satisfeita.

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O almoço correu de forma tranquila, e a nostalgia que havia sentido no banco da praça voltou, já que antes quase sempre André almoçava junto comigo e mamãe, principalmente após a morte de meu pai.

Lá pelas duas horas da tarde André se despediu, e percebi que teria que reviver tudo para poder dar uma explicação coerente a minha mãe. Ela quase me pareceu bipolar assim que fechei a porta do apartamento e me encontrei sozinha com ela: de sorriso e voz doce a expressão severa e voz dura.

— Agora me explica que história é essa de ter voltado com o Daniel.

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.

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Demorei cerca de duas horas para colocá-la a par de todas as coisas que haviam acontecido, desde o convite a madrinha, o namoro falso à promoção no trabalho. Tudo que ela pode me falar ao final foi:

— Mas que buraco fundo que você foi se enfiar, hein Mariana!

— Eu sei... – Murmurei brincando com as pontas do meu cabelo. Estava esperando uma das suas filosofias de vida, não essa repreensão.

— Você sabe que não concordo com você mentindo para o André, não é?

— Sei.

— E se você tentasse falar com ele...

— E provocar uma briga entre nós dois, ou ainda atrapalhar seu casamento? Não.

— Talvez se você tivesse falado isso mais cedo... Ai, meu anjo. Espero que sirva de lição para que você pare de guardar seus sentimentos apenas a você.

— Quem sabe. – Dei de ombros. Estava deitada com a cabeça em seu colo durante toda a conversa, e não havia chorado como achei que faria. – Vou me focar agora em absorver tudo que puder para minha coluna na revista. – Decidi, levantando-me.

— Como uma boa mãe, tenho que te avisar que isso só vai te machucar. Mas, por ser sua mãe e saber que nada que eu disser vai mudar essa cabecinha teimosa, te desejo força.

— Obrigada.

A noite chegou e com ela minha mãe foi embora. Antes de ligar a televisão para assistir algum programa qualquer, me peguei observando a lua da janela da sala. Hoje, diferente da maioria dos dias em que está amarelada, ela estava cheia e com um brilho esbranquiçado de dar inveja. As nuvens escuras ao seu redor davam a ilusão de estarem sendo afastadas pelo seu brilho, ao passo que as estrelas perto dela se tornavam mais nítidas.

Me senti como a lua naquele momento. Irei afastar as nuvens escuras de meus sentimentos e dar espaço para que o brilho do meu trabalho ganhe seu reconhecimento. Conversar com André já foi um passo. Agora falta-me dar um jeito de afastar uma nuvem de cabelos loiros, olhos castanhos gentis e sorriso manso.