Encosto no batente da porta do quarto de meu primogênito, Enzo permanece lendo uma de suas muitas HQs do Homem de Ferro.

Dou uma rápida olhada para o corredor atrás de mim e noto Vargas fazendo alguns gestos com as mãos enquanto sussurra um "Vai que é sua." Reviro meus olhos.

Esse Vargas é muito louco.

—Mãe? ­-torno a olhar para Enzo.­-está tudo bem?- ­sinto a preocupação no tom de sua voz e isto deixa-­me ainda mais culpada. ­

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Aproximo-­me da cama, sentando­ ao lado de meu menino, sua atenção está toda em mim, ele me analisa a procura de mudanças.

Acaricio a bochecha direita de meu grande homenzinho, fitando fundos seus olhos tão verdes enquanto observo cada traço do lindo rosto de meu grande herói.

Pensamentos me invadem e trazem um aperto ao meu coração.

—Tomas... -­sussurro.

—Vou perguntar mais uma vez: Por que você mudou as malditas regras desse inventário, Violetta? —sua voz está contida, mas seu rosto transformado em fúria me causa arrepios. ­

—E­eu estava pensando nos nossos filhos.

—Seus! Seus filhos. -­Tomas aproxima-­se de mim. ­- Eu já coloquei meu sobrenome naquelas duas pestes justamente para quando você morrer eu ficar com tudo isso. -gesticula ao redor.­- mas não...você precisa dar uma de espertinha não é? —solto um grito mudo quando sinto um chute de meu marido acertar em cheio a lateral de minha perna.

Bem onde, anteriormente, cicatrizava mais um dos meus muitos hematomas.

—­Tomas... Por-­minha voz é interrompida ao sentir mais um chute acompanhado de muitos outros.

Me encolho ainda mais enquanto tento, inutilmente, proteger minha barriga.­

—Tire a roupa!-Olho, aterrorizada, para Tomas.

De novo não!

—O­ quê?

—Você não me ouviu, vadia? Tire a droga das suas roupas.

—Eu... -por uma fração de segundos me descuido e olho rapidamente para meu ventre.

—Por que está protegendo a barriga? —droga, ele notou-Não me diga que... -­os olhos de Tomas se arregalam,

Sua boca se abre em um perfeito O, a próxima coisa que sinto é ser arrastada, pelos cabelos, do cantinho em quem estou encolhida para o meio do quarto. ­

—Vadia- ­minha face esquerda arde com a intensidade do tapa que recebo.­- eu disse pra você se cuidar.

—M­e desculpa, eu... Você...

—O quê? Agora a culpa é minha? —facilmente, Tomas ergue meu corpo o jogando contra a parede. ­—Eu deveria ter acabado com você quando pude, não cometerei o mesmo erro- ­sua mão aperta minha traqueia, sinto o ar me faltar enquanto me debato suspensa no ar.

Enzo, Eliza... Eu não posso deixar meus filhos com esse monstro.

O que será deles? E esse bebê que carrego, preciso lutar por eles, por mim.

Todas as minhas tentativas de arranhar Tomas são falhas, ele é bem mais forte do que eu.

Estou sentindo a consciência me abandonar.

—Mamãe?-A voz temerosa de Enzo parece assustar Thomas, pois a próxima coisa que sinto é o chão, novamente, sobre meus pés.

Minha visão está embaçada, minha garganta arde, meus pulmões clamam por ar.

—Você machucou a mamãe!

Tento me mover, mas tudo que consigo é me arrastar.

Tomas me olha e logo depois a Enzo, já que este lhe deu um chute na perna.

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—Enzo... -­murmuro.

Tarde demais, meu filho é arremessado contra a parede lateral de meu quarto. Uma parte de seu pequeno corpinho colide contra minha penteadeira.

Quando percebo a aproximação de Thomas até Enzo, obrigo meu corpo a se levantar e corro até onde meu menino está me pondo em frente a ele bem a tempo de receber o soco de Tomas. Meu rosto dói, me dando a certeza de que algo se quebrou.

Algo maior que meus ossos foi o meu coração.

Thomas caminha, calmamente, até o closet.

Um calafrio percorre meu corpo.

Sei o que isso significa.

Ignorando todas as dores de meu ser, arrasto Enzo para fora do cômodo, correndo com ele até o quarto de Eliza.

Assim que entramos, tranco a porta e com a ajuda de meu filho arrasto a cômoda colocando—a bem em frente a esta.

Sento­-me, no chão, encostada ao berço de Liza.

Fecho meus olhos, tentando me lembrar quando foi que minha vida perdeu o controle e se tornou esse inferno.

Sinto algo suave deslizar por meu rosto, assim que abro meus olhos vejo Enzo passar, delicadamente, lenços umedecidos pelo sangue que escorre por minhas bochechas.

A essa altura um de meus olhos já deve estar com um hematoma enorme e o outro começando a inchar.

Sem pronunciar uma única palavra, meu filho se levanta e caminha até o banheiro, minutos depois ele retorna, mas dessa vez, os lenços cobertos de sangue já não estão mais em suas mãozinhas. Enzo me olha por alguns segundos e então, com um pouco de força, consegue pegar a cartela de remédio que deixo bem embaixo do trocador de sua irmã.

Ele me estende a cartela de analgésicos, tomo um e guardo o restante no bolso de minha calça jeans.

Enzo se senta entre minhas pernas, com dificuldade, passo meus braços ao redor de seu corpinho.

O silêncio do quarto é interrompido outra vez pelos soluços de Enzo. Sei que ele não está chorando por ter sido jogado contra a parede, muito menos por estar sentindo dor. Seu choro é por me ver, mais uma vez, nesta situação.

Antes que eu possa pronunciar algo, um chute na porta me faz dar um leve pulo. Liza acorda assustada e como consequência, seu choro invade o cômodo, Enzo se levanta, abaixa a grade do berço da irmã e a pega no colo.

Imediatamente ela para de chorar, meu menino anda até o closet. Ele sabe o que fazer.

Me levanto e o sigo fechando a porta, de material mais resistente, a trancando bem a tempo de ouvir a porta do quarto de Liza vir ao chão. Acendo a luz do ambiente, Enzo está deitado no tapete felpudo que cobre todo o chão do lugar.

A cada xingamento, murro, chute na porta, meu filho fala ainda mais alto com a irmã, somente para distraí-­la.

Percorro o local, tirando de um canto uma bolsa que serve exatamente para essa situação. Já a deixo arrumada para isso.

—Está com fome, filho? —ele nega.

Algumas horas mais tarde os murros e chutes cessam.

Liza já embarcou em um sono leve e sem medo, me deito ao lado de Enzo que passa a me encarar. Sua mãozinha esquerda acaricia minha bochecha.

—Quando eu for gandão não vou deixa ninguém te machuca, mamãe.

—Eu sei amor. -engulo o nó que se forma em minha garganta. ­—Você merece mais do que isso.

E amanhã, Tomas virá me pedir perdão.

Dirá que tudo isso foi efeito das drogas e do álcool.

Ele implorará por misericórdia, irá usar todos os argumentos possíveis. Eu vou perdoá­-lo.

Ele passará quatro, com sorte, cinco dias bem, depois tudo isso voltará a acontecer. Como um ciclo vicioso.

Enzo está certo, eu... Nós merecemos mais.

Volto a mim, quando sinto ambas as mãos de Enzo nas laterais de meu rosto, secando as lágrimas que insistem em cair.

—Mamãe...

Não o deixo terminar a frase, puxo para meus braços.

O barulho de nosso choro se mistura, ecoando pelo ambiente. Aperto meu herói ainda mais forte contra mim.

—Me perdoa Enzo... ­eu deveria ter feito algo.

—­você era a vítima mamãe. -sussurra entre soluços.

Balanço a cabeça, discordando.

—Não amor, você era a vítima. A mamãe deveria ter te protegido e não te afastado. -­levanto seu rostinho, fazendo­-o me olhar. -­ você é meu maior tesouro, Enzo.-­distribuo beijos por seu rosto.­- e eu te amo tanto, meu anjo

—E­u também te amo- ­limpa as próprias lágrimas

—­­Eu devia ter ido embora aquele dia...ter feito o que você mandou, mas eu não podia mamãe...­seu choro retorna,

Sei bem do que ele fala. ­

—eu não podia te deixar sozinha.

—Eu sei. -­dou um singelo sorriso.­ -está tudo bem, já passou.-­volto a abraça-­lo, sentindo todo o peso da culpa que carrego em meus ombros diminuir.

Ela jamais irá embora, não depois do que aconteceu, mas pelo menos sinto que tenho de volta meu filho.

A criança mais espetacular desse mundo.

Não faço a mínima ideia de quanto tempo fico ali, só sei que agora me encontro deitada ao lado de meu garoto. Enzo dorme totalmente aconchegado a mim. Sua respiração calma, ele não tem pesadelos com o que houve.

Não mais. Levanto a manga do pijama de Enzo.

Meus dedos traçam uma das cicatrizes de seu corpinho, consequência daquela noite.

Eu deveria ter feito mais por meu filho, mais por todos eles e por mim. E, apesar de tudo, agora meu coração se encontra um pouco mais leve.

Preciso agradecer ao Leon por me contar sua conversa com Enzo, preciso agradecê-­lo por incentivar minha reaproximação com meus filhos preciso agradecê­-lo por entrar na vida de meus pequenos e na minha. O babá mais maluco e perfeito que eu poderia arranjar.