7 meses de cores

O Multiverso e o verdadeiro Multiverso


Chegamos enfim na multiverso, e é bem grande, muito grande mesmo.

Ela era toda cercada por altas grades, mas não como as de uma prisão, grades coloridas e chamativas, e a entrada era como a de um condomínio de luxo. Havia uma portaria grande e seguranças lá, alguns carros entravam e se perdiam da vista, como se tivessem sido engolidos por todo o verde e todas as arvores que rodeavam a estrada até a escola.

Era gigantesco.

Eu e Sofia ficamos parados em frente ao portão, olhando para cima, para o prédio das aulas que se projetava além das árvores. Ficamos assim até perceber que havia uma grande fila de alunos calouros para entrar no campus.

Fomos guiados por um monitor até o final da fila.

Havia todo tipo de gente lá, dos brincalhões, até os que pareciam delinquentes, as meninas fofinhas e os nerds em geral.

Pela primeira vez hoje eu me senti normal.

Então ouço. Lilás conversando com Laranja dentro da minha cabeça, e toda a estranheza do dia volta como um soco.

Sofia se mantinha bem perto de mim, era quase como se fosse minha amiga de infância. Eu fiquei um pouco desajeitado, mas, por algum motivo, eu me sentia estranhamente familiarizado por ela. Minha visão ficou turva, e consegui ver em meus pensamentos uma versão menor e mais gordinha de Sofia. Ela corria e se sujava, e eu chamava por ela.

Eu e ela crianças, brincando juntos em algum lugar.

Como eu não me lembro disso? Eu lembraria de qualquer influência feminina na minha infância. Isso realmente aconteceu?

— Também vê isso, David? – Ela olhou para mim com seus olhos grandes.

— Não me diga que...

— Deve ter começado bem tarde, geralmente não demora tanto – Lilás comentou.

— Estamos compartilhando memorias... – Eu disse, surpreso, sem saber se minha voz saiu por pensamento ou pela boca mesmo.

— Não, não são memorias – Ela também estava tentando entender tudo aquilo – Somos nós.... Nossos subconscientes.

Eu pego uma bola de neve e jogo nela, mas não era realmente eu. Em nossa mente, estava nevando, e estávamos brincando na neve. A vejo, criança, com a família dela, jantares em família, viagens.

De repente, vejo tudo sobre ela. Como ela se saia no fundamental, seu irmão, que hoje estava morto, brincando junto a ela em um quintal grande e verde.

O quão triste ela ficou quando ele morreu em um acidente de moto.

Eu a olhei com olhos lacrimejando e a abracei involuntariamente. Essa garota que eu havia conhecido há apenas meia hora já havia se tornado alguém precioso para mim.

— Que cara meloso – Lilás apenas observava – Vai ser sempre assim? Toda vez que a sincronização está completa alguém sai chorando que nem uma maricas.

Eu estava transbordado de emoção, por algum motivo. E me veio à cabeça que Sofia também estava tendo a mesma experiência.

Vendo minha vida com homens desregrados, minha mãe cuidando de mim quando eu estava doente.

Viu eu em pé diante de seu tumulo, indo lá nos primeiros anos após a sua morte acompanhado do meu pai, e nos anos seguinte, sozinho.

E deveríamos parecer dois idiotas, porque quase todo mundo da fila olhava para nós. Até os monitores não sabiam bem o que fazer.

Nos recompomos, limpamos nossos olhos das lagrimas e rimos um para o outro quando vimos que estávamos fazendo aquilo juntos.

A situação toda era bem engraçada, se parar para pensar.

A fila estava andando, alguns dos alunos entrando hoje dormiriam nas republicas que ficavam dentro do campus, mas antes todos iriamos ao auditório para a palestra do início do ano. Coisa básica da Multiverso, a festa de boas-vindas para os calouros. Eu ando junto com a fila, segurando a mão de Sofia. Visitávamos cada vez mais as memorias e sentimentos um do outro, como as brincadeiras infantis com o pessoal da turma dela na hora do recreio, e ela fazia a mesma coisa, vendo minhas viagens e os períodos que eu passava estudando.

Conversávamos sobre tudo isso dentro de nossa cabeça, um canal de conversa apenas para nós dois, Lilás e Laranja, que permaneciam calados, com a premissa que não se devia atrapalhar a sincronização dos avatares.

Papo maluco.

Andávamos pela trilha curta que ia da entrada até o auditório, aparte da estrada de paralelepípedos que seguia da entrada até o estacionamento, com várias bifurcações estranhas que se dirigiam aos diversos lugares da Multiverso. Consultando a memória (provavelmente Sofia já estava dando uma espiada, também), haviam 3 republicas; uma para os garotos, uma para as garotas, e uma exclusiva, que não se sabia muito bem quem eram os alunos que moravam lá e o porquê de eles andarem com um uniforme diferente. Havia uma pequena fazenda, usada por diversos clubes, dentre eles o maior era o clube de Horticultura. O auditório, usado para festas, shows, palestras e seminários.

Haviam também os prédios da escola, eles eram grandes tanto em altura quanto em comprimento, e eram dois. E, claro, era tudo muito movimentado. Tanto por alunos, quanto por professores, palestrantes, coordenadores, supervisores e etc.

Tantos alunos, pagantes ou bolsistas como eu. De catorze a dezenove anos, porque alguns entram atrasados ou repetem de ano.

Mais um ano tendo que sair de casa cedo para estudar o que eu já sei.

— Fazer coisas que você já sabe o resultado é tão desanimador, não é? – Lilás parecia se espreguiçar, estávamos eu e ele no mesmo campo de neve que estava com Sofia há poucos minutos atrás.

Ele, com aquele mesmo sobretudo preto e mascara branca lisa, estampada com um grande sorriso e uma gota lilás de baba escorrendo entre os dentes. Laranja estava lá também, a mesma roupa que lilás, mas sua máscara apresentava uma estampa diferente; flores laranjas no lugar dos olhos. E ao seu lado, Sofia, com a mesma roupa da vida real.

Discernir realidade da imaginação agora parecia um trabalho complicado, ficamos nós 4 nesse espaço por um tempo que ninguém conseguimos medir, mas foi o suficiente para eu voltar a mim sentado ao lado de Sofia em uma das cadeiras da plateia do auditório. Pisquei várias vezes os olhos, tudo aquilo era muito confuso.

— Os nossos irmãos estão aqui – Laranja disse – Mas precisamos de contato visual para os detectarmos.

— Muito bem alunos, levantem-se – Disse o Orador, um estudante veterano que estava no palco do auditório, ele tinha o cabelo bem cortado e estava impecavelmente arrumado – Meu nome é Lucas, prazer – Ele sorriu – Eu sou do terceiro ano, portanto sou um veterano. Podem acreditar, eu sei exatamente o que todos vocês irão encarar nos próximos três anos de escola. Mas garanto a vocês, vai valer a pena – Enquanto ele discursava, algumas garotas o olhava como se ele as estivessem hipnotizando.

Ora, ele nem é tão bonito assim.

— Afinal, estamos estudando em uma das, senão a melhor, escola de todo o pais – ele abre os braços – As aulas não pegam todo o tempo integral, pois esse tempo foi estendido justamente para as atividades extracurriculares.

Ele falava tanto que eu havia parado de escutar. Falava sobre o que poderíamos fazer no campus, nos explicou sobre o horário das aulas e nos deu toda a palestra motivacional padrão. Não tinha muita paciência para essas coisas. Enquanto que a Sofia nem desviava o olhar.

Terminado o discurso/palestra/apresentação, Lucas dá lugar à uma mulher de terno, que poderia ser muito bem a diretora da escola se não parecesse tão nova.

— Nós da Instituição de Ensino Multiverso, ou IEM, temos a honra de receber vocês alunos, que confiaram seus esforços à nós, com a confiança de que abriremos as portas do futuro para vocês...

Ela falava de maneira ainda mais chata que o Lucas, essa escola poderia ser até tão boa quando eles estão me fazendo acreditar, mas se for para ficar chato assim...

Sofia riu.

— Claro, David – Ela disse – Nós estamos aqui para sermos “adultos” – ela fez aspas com os dedos na hora de falar a palavra “adultos”.

— E os adultos são bem chatos – Eu completei.

Ela assentiu, voltando a assistir a mulher com um sorriso no rosto.

Não precisava me preocupar muito com aquilo, afinal, dentro da minha vívida imaginação, estava brincando com uma mangueira, por estar fazendo tanto calor.

Ele conseguia sentir exatamente a sensação da agua em seu corpo, mesmo estando sentado no auditório chato da Multiverso. Sofia era a que jogava agua nele, e ela parecia feliz.

— Sabe, David – ela falou, por pensamento – Eu estava com medo de ser uma grande merda, mas agora com toda essa coisa sobrenatural eu... – ela olhou bem para mim, e eu paralisei por um momento – Eu estou realmente feliz, pode ser estranho, mas me parece bem divertido!

Eu concordei com ela, não é todo dia que uma entidade cósmica, extradimensional ou sei lá o que, entra em você e te permite conhecer alguém tão doce como...

— Hey! O que você está pensando aí, rapaz? – Ela disse, jogando agua na minha cara.

Eu estendo minha mão para parar a agua, mas estendo a real por impulso. Sofia tentou abaixar minha mão para que não percebessem, mas quando vejo, a mulher estava olhando para mim. Com um olhar desafiador.

— Você, rapaz, vai responder nossa pergunta? – E eu não sabia o que responder.

Olhei para Sofia e ela também não sabia.

— Eu perguntei – Ela disse pausadamente – Vai responder nossa pergunta?

Eu fiquei pálido, enquanto ouvia o Lilás rindo em minha mente como se tivesse ouvido uma piada.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.