Sobre os recifes

Os recifes cujas cores mancharam meu íntimo.


Eu me lembrava — muito bem até — de quando conheci você; sorria de forma adorável, exibindo os dentinhos de coelho e as rugas despreocupadas que eventualmente lhe surgiam à face. Apontava para o grande aquário do qual estávamos diante, e naquela animação exacerbada, testando toda a minha paciência com seu jeitinho janota de ser enquanto eu, por natureza própria, era desleixo. Eu ouvia exclamações sobre o quanto aquilo era incrível e, para um desconhecido, me vi sabendo demais sobre você. Pudera, não te via de boca fechada, naquele deslumbre encantador que te transformava numa criatura angelical.

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Você fazia perguntas sobre todas as espécies que vislumbrava, e eu as respondia com prazer, apesar de minha carranca. Sua inocência me era admirável e curiosa — assim como sua altura e o andar engraçado. Nenhuma palavra sua me escapava, nem mesmo ao se pôr a dissertar sobre baleias e dugongos.

Sua voz melodiosa me enchia de curiosidades — “Sabia que as orcas não são baleias, sim golfinhos?” —, as quais eu já tinha conhecimento por trabalhar no aquário, mas testemunhar a felicidade ao contá-las me fazia surpreendido. Por isso, mal percebi quando me tornei tão dependente e viciado em seu ritmo, em sua risada abafada, em sua roupa engomadinha e todo aquele brilho no olhar ao falar da vastidão do oceano. Você sempre foi uma

Tinha um cheiro de água salgada e algas, e seu olhar me atingia como uma pérola duma ostra qualquer. Seu toque era como pisar uma nuvem quebradiça num dia de sol, com o vento do sopro me empurrando para longe. Seu sorriso era uma estrela.

Estava apegado em menos de uma semana ao menear descontraído toda vez que você ouvia minhas críticas à extravagância de suas paixões. A maneira a qual enrolava o indicador nos próprios fios cor de areia, alheio a tudo e a todos, com os olhos fechados e um meio-sorriso, fazia com que eu largasse minhas ocupações para ceder um pedaço de mim a você. Em pouco tempo, já havia me doado por inteiro.

Você percebeu, admita. Notou que, no momento em que colocava aqueles seus olhos que eram recifes de cores variadas, vida e diversidade sobre mim, eu me via assolado. Inferiu que me doía a alma não ter seus corais voltados para mim, para que eu pudesse admirar sua magnificência; e da forma mais inusitada comprovou o meu erro, quando seu mar varreu minhas cinzas na primeira vez em que trocamos um beijo. Você sempre foi quente por demais, mas eu amava me perder no ecossistema que era seu corpo. Sentia a vida esvair-se de mim ao passo que você a absorvia. Nunca fora justo amar você; embora justiça não fizesse o menor sentido enquanto me encontrava nas ondas calorosas de seus braços.

Você continuava sendo radiação e oxigênio; possuía, ainda, DVDs e cassetes — por mais antiquado que fosse — sobre baleias. O modo com o qual se vangloriava, afirmando ser detentor de um conhecimento inimaginável, enquanto as palavras fluíam de sua boca como gaivotas sobrevoando o céu. Era engraçado, pois às vezes eu embalava você, embebedava-me de seu beijo e logo voltávamos a discutir sobre os seus amados cetáceos.

Equiparava-me a uma baleia-franca, enquanto me esquentava com toques, e eu nada compreendia — mas ria contigo, porque seu riso era tão puro que me contagiava. Eu sentia o gosto das explicações, ao dizer que imaginava minha docilidade como a porta para a minha fragilidade, e gostava de como permanecia irrequieto ao confessar que gostaria de ser o arpoador a me capturar.

Eu sorria, dizendo num muxoxo que você já era o mar e me abrigava.

Mas, no fundo, todas aquelas baleias eram apenas um treino.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.