Vazios

LX


Bucky considerou que eles seguiam num ritmo bom. A essa altura eles cuidavam apenas do que estava dentro da redoma criada por Wanda, nada mais saía do buraco do LernaBank e nenhum foi capaz de sair nem pelo passagem para o metro. Também lhe surpreendia que os soldados da equipe Mata-Capas não fossem completamente inúteis, inclusive lhe emprestaram munição e deram um par de pistolas a Falcão, que aproveitou para atirar com visível prazer. Ele murmurava xingamentos indizíveis sem se abalar com o recuo das armas, gritando o quanto estava furioso por não ter suas asas.

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Sam disse tudo isso com palavras que deixariam Steve Rogers ainda mais bravo se não estivesse ocupado junto com Natasha. Ela não era grande e os braceletes elétricos não faziam tanto estrago aos trípodes, mas junto com o Capitão América ela executava verdadeiras sequências de golpes letais aos robôs de dura carapaça. Quando num átimo de segundo Viúva Negra se apoiou com os dois pés sobre o escudo de Steve - ajoelhado no chão com o braço erguido - e foi arremessada pelo loiro contra um trio de robôs, Bucky teve certeza que a pequena bailarina do Salão Vermelho tinha crescido e conseguia fazer qualquer coisa. Assim como Yelena, pensou brevemente.

E também naquele instante se indagou quantas vezes os dois tinham praticado aquele movimento.

Atirou nos inimigos que arranhavam a muralha de magia que guardava as escadarias subterrâneas em direção ao metro. Era bom não dar chance para escaparem.

— Lutar contra robôs assassinos não está no meu contrato. — Ouviu-se Paladino reclamar.

— Nem ser um covarde. Você está ferido, não morto. Continue atirando. — Caledônia fatiava tentáculos enquanto o parceiro, sangrando e apoiado em outro veículo, atirava com uma mão e estancava o ferimento com a outra.

— Se eu fosse a Snowbird, virava coruja de novo e voava para longe daqui. — Ele retrucou. Encarou o ombro por alguns instantes e soltou um arquejo— Depois disso vou querer um aumento.

— Paladino! — Silver gritou do outro lado. — Se continuar choramingando, não vamos impedir quando alguém quiser atirar na sua cabeça!

Além da conversa paralela, Bucky notou que Pyslocke precisava de auxílio. Embora os poderes magnéticos de Erik Lensherr ajudassem para combater os robôs, a quantidade deles superava seus esforços de manter a jovem segura. Ela, devido ao combate anterior contra Caledônia, já sangrava e agora estava exaurida demais para se defender com sua habilidade costumeira. As balas de Bucky também não a salvariam do amontoado de trípodes que se levantava acima dela.

— Vou ajudar lá embaixo. — Disse ele. Os robôs já não se direcionavam direto para eles em cima do jipe. — Vai ficar bem?

— Sim. — A Feiticeira respondeu, sua voz fraca. Sangue voltava a escorrer pela sua narina direita devido ao esforço de manter a barreira de pé. Dezenas de robôs fritaram ao encostar na energia rubra latente da muralha escarlate, porém estava claro que isso custava a ela.

De novo veio a sensação a James Barnes que Wanda poderia evaporar a qualquer momento, escorrer de seus dedos e virar parte do ar que respirava, assim como ela fizera em suas aparições na sua cabeça. Mais perto da Feiticeira e sem que alguém notasse, Bucky disse algo que já falara para ela, no chalé de Yelena Belova. Parecia valer a pena repetir:

— Eu não quero que desapareça.

A face tensa dela vacilou num sorriso, mas não fez nenhuma promessa. Seus lábios estavam pintados com o próprio sangue e ela tinha magia nas mãos, uma missão a cumprir. Hesitante, Bucky desceu o jipe e foi em direção à Psylocke. Correndo, gritou pelo nome de Sam, que gritou de volta há alguns metros de distância.

— Dá um tiro no meu braço!

— Você quer que eu o quê? Tá maluc-

Ele teve que desviar de um inimigo. Por não conseguirem sair da barreira, o comportamento dos robôs tornou-se ainda mais agressivo e rápido, ferindo quem encontrasse suas ventosas vermelhas nos tentáculos. Agora Barnes estava ainda mais próximo da mutante que necessitava de uma mão amiga, só um pouco longe de Magneto - que lidava com outra onda de robôs.

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— Atira logo!

Por um segundo, Bucky se desesperou por não ter lembrado de dizer a Sam para atirar no seu braço metálico, não no braço bom. E Deus, ele não queria perder o outro braço. Felizmente o Falcão era inteligente e contava com boa pontaria: acertou no deltóide dele, o impacto logo absorvido pela tecnologia de vibranium. Talvez ainda estivesse com raiva de algo que Bucky fizera no passado, pois atirou mais de uma vez. As estreitas linhas que desenhavam seu braço acenderam-se de forma imediata em tons acobreados, carregadas pelo choque entre a bala de grosso calibre e o metal mais valioso da Terra.

Ele usou a tecnologia wakandana para reverter o impacto de volta. Deu um soco no chão e fez com que a força de seu murro fosse ainda maior, erguendo fragmentos de robôs mortos nos chão e pedras do asfalto. O soco reverberou por um raio de até cinco metros de seu epicentro, afastando os robôs de cima de Pyslocke e facilitando o trabalho de Magneto, que logo deu fim nos trípodes restantes com uma barra de metal.

Psylocke pôs as mãos sobre os joelhos e respirou aliviada. Soltou um “obrigada” rápido, entrecortado pela sua respiração. Já Magneto o encarou longamente.

Foi o tempo para ver que as ondas de robôs acabaram-se. Os soldados da equipe Mata-Capas eliminavam o resto de um dos focos, Natasha e Steve respiravam sem que nada mais se movesse ao seu redor. Sam deu mais cinco tiros em um dos robôs como se para garantir que estivesse danificado permanentemente, enquanto Paladino recebia assistência e Silver, Snowbird e Caledônia também cuidavam dos últimos trípodes que enfrentavam.

Wanda desabou sobre os próprios joelhos, do outro lado e mais próxima dos limites de sua barreira vermelha, que oscilou junto com ela e por fim se desintegrou. Bucky deu um passo para frente com intenção de ir ao seu encontro, Magneto fez o mesmo. Os dois homens se entreolharam por segundos que pareceram intermináveis.

Houve um momento de quietude em Zurique. Existia apenas a noite e os sons que a escuridão traz. Os repórteres do outro lado de onde havia a barreira encaravam timidamente o campo de batalha, alguns mais audaciosos se aproximaram. A passagem estava livre para o transito de pessoas, bem como para descer as escadarias e ir para a estacao de metro.Logo vieram flashes de câmeras para tirar fotos das manchetes do dia seguinte. Bucky esperava que fossem notícias de esperança. Natasha riu e disse algo impróprio. Steve lançou-lhe um olhar repressivo. Magneto parecia ter esgotado seu combustível para o ódio desenfreado e trocava algumas palavras com Psylocke.

Mal podiam acreditar que venceram.

Não sabiam se ainda seriam presos, ou melhor, se tentariam prendê-los, mas era provável que não. Bucky começou a andar em direção ao jipe no qual Wanda estava apoiada. Foi nesse momento, nesse exato instante, que uma coisa completamente normal aconteceu: uma pessoa tropeçou - e não foi Bucky Barnes. Era esperado que alguém perdesse equilíbrio naquela miríade de peças quebradas de robôs, isso ocorreria mais cedo ou mais tarde, e foi justamente o primeiro jornalista que adentrou mais a fundo o local da batalha que encontrou o chão de cara. Houve um plaft! e depois um crak! Mas nenhum som foi tão aterrorizante quanto o do celular do homem escorregando no chão, numa daquelas estranhas ocasiões em que seu celular não quebra mas dá um jeito de parar há metros de distância. Tal som foi seguido de um ainda pior: uma máquina rodando.

Um último tripode saiu da escuridão do LernaBank, girando seu olho cintilante igual a um demônio. Sua velocidade era absurda, nenhum dos tiros disparados por Bucky ou por Sable foi capaz de alcançá-lo mais do que um mero raspão. Todos deram gritos de alerta. Ele mirava no celular do repórter que fazia uma live.

Para se conectar a internet. Para ativar os Sentinelas. Para disseminar as faíscas, as sementes, de Arnim Zola.

O tempo de resposta do cérebro de Wanda foi lento demais para ativar a adrenalina em seu corpo e colocá-la em ação. Um dos três tentáculos do tripode estava completamente em cima do celular, tremendo de suas ventosas no aparelho como se o sugasse, até uma lança de energia escarlate atravessar o robô e o obriga-lo a parar de mexer. Ele caiu no próprio eixo. A Feiticeira Escarlate aproximou-se dele, seus olhos arregalados. Magneto usou seus poderes para se levitar até ela.

— Essa coisa. Essa coisa conseguiu?

— Eu não… — O pensamento morreu na boca dela. — Eu não sei.

O repórter se levantou assustado, mais preocupado com seu aparelho e a manchete que publicaria em seu blog.

— Alguém tira essa droga nojenta de cima do meu celular!

Em resposta, Magneto atraiu a estrutura metálica de um outdoor e o colocou entre o jornalista e eles, fazendo daquilo uma parede, uma grade que os dividia. Ouviu-se alguns protestos dele, mas tanto Wanda quanto Magneto ignoraram.

Ela encarou o rosto do mutante a sua frente, com gotículas de suor e sangue na pele. Sua expressão era severa, sua boca um tanto aberta - assim como a dela. Porém nada diziam.Frio afundava seu estômago. A jovem então lançou seu olhar para quem estava há metros de distância: James Barnes.

Ele já estava olhando para ela. Sentia seu corpo inteiro eletrizado, principalmente seu braço esquerdo, mas o pior era a sensação de impotência perfurando suas entranhas.

Não conseguiram eliminar todos eles. Não conseguiram eliminar completamente Arnim Zola.

No momento em que Wanda virou-se para ele, Bucky pode ver sua expressão desolada, a boca quieta e ainda assim deixando escapar todo seu lamento. Seu lábio inferior tremeu assim como ela fazia quando começava a chorar.

Pior foi ver o olho artificial do robô brilhar vermelho, não verde, aos pés da Feiticeira Escarlate.

— Wanda!

Seu grito foi em vão. Mesmo que tenha dado um passo para frente, mesmo que tenha esticado seu braço. Magneto também percebeu o perigo, lançou-se para frente, dando um encontrão com o corpo da jovem e protegendo-a com sua própria carne. O robô aos pés de Wanda e de Erik Lensherr explodiu e levou embora tudo o que estivesse perto.

E a boneca de Bucky Barnes desapareceu sob uma pilha de escombros.

* * *

Tony não ouviu explosão, tiro ou som algum ao fundo da chamada que justificasse a ligação de Peter Parker. Era ele e só sua voz estupidamente alegre provavelmente no quarto do apartamento da tia no Queens. O engenheiro segurou o espaço entre os olhos com a mão e soltou outro suspiro, divagando o que tinha acontecido com os adolescentes emburrados e previsíveis de antigamente. O aviso de FRIDAY sobre um AVC parecia cada vez mais provável caso continuasse naquele ritmo. Tony reprimiu o calafrio que sentia.

— Eu não te falei que esse modo de chamada Internacional era só para emergências, Peter?

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Mas, senhor Stark, é uma emergência! Na televisão…”

— É, eu sei, garoto. Eu dei um show. Faça isso virar um trend topic no Twitter junto com a Riri. Peçam ajuda de Happy, se necessário. Acho que ele tem uma conta dedicada só pro Homem de Ferro.

Não, não. Quero dizer, eu to fazendo isso agora e a Riri montou alguns memes, mas você viu o que estão passando na tevê agora? Você vai pra lá?”

— Garoto, eu estou num Congresso como filiado da ONU, não tenho como…Como assim, “”? — Ele parou. — Qual canal?

CNN.”

— Um minuto. — Pediu. — FRIDAY, na minha tela agora.

A imagem se abriu num holograma a partir de seu relógio. Há poucos quilômetros de distância da construção histórica que sediava a Conferência, acontecia uma batalha entre Rogers, Romanoff, Wilson, Maximoff e Barnes contra uma horda de robôs com tentáculos. Tony irritou-se com o comportamento suicida dos jornalistas que acompanhavam o combate, por mais que a transmissão principal fosse filmada por meio de um helicóptero. Ele viu o símbolo dos Mata-Capas em alguns veículos, em agentes que não conhecia muito bem. Viu um monstro de pelagem branca esmagando inimigos. E viu um homem controlar metal.

Parecia que a luta chegava ao fim, porém. A barreira vermelha sustentada pela jovem Wanda se desfez, os últimos robôs foram destruídos pela equipe Mata-Capas e James Barnes.

“Olha aquilo! Senhor Stark, você viu o braço novo do amigo do Capitão América? Incrível.”

— Peter, sem narrar.

Tanto Tony quanto todo o grupo de Charles Xavier assistia a sequência com interesse. Visão observou atentamente as imagens da sokoviana de olhos rubros e sangue abaixo do nariz. Pessoas ao redor se viraram em direção a eles, interrompendo as próprias conversas. Outras ja viam as notícias pelo celular. Nas imagens, havia um jornalista aproximando-se, até que tropeçou.

— FRIDAY, identifique o repórter desastrado.

Olsen, J. Tem um canal investigativo em quase todas as redes sociais. Está transmitindo uma live nesse exato momento. Deseja que eu a exiba numa segunda tela ?”

— Sim, por favor.

— Bom, eles não parecem precisar de muita ajuda. — Jean Grey concluiu. — Vai ser mais fácil conversar com Erik Lensherr.

— Não existe nada fácil em conversar com Erik, querida. — Charles retrucou. — Embora seja melhor não ter uma enchente de robôs nazistas ao redor.

Logan estralou o pescoço, o barulho tão alto que Tony poderia dizer que se tratava de uma estrutura metálica estalando.

— Nada de brigas essa noite, então.

Peter ouviu a conversa.

Senhor Stark, você fez novos amigos?”

Foi nesse instante que todos viram o último tripode atravessar o asfalto e os corpos destroçados de outros robôs, mirando no jornalista que tinha tropeçado. Tony arregalou os olhos, vendo que o alvo na realidade não era o homem em si, mas no aparelho que derrubou no chão, conectado a internet.

Eles puderam ver em primeira mão as ventosas vermelhas do tripode se agarrarem a câmera do celular. Peter soltou um arquejo de nojo enquanto a imagem da live tremeu e distorceu-se como uma imagem gerada com filtro artificial de glitch. Já na filmagem aérea do helicóptero, Wanda o acertou com uma lança psiônica e aproximou-se para conferir o estrago. Outro homem de vermelho e capacete, Tony imaginava se tratar de Magneto, veio até ela e separou a cena do combate e o jornalista com um outdoor.

A imagem escura e entrecortada da live de repente se tornou uma caveira carmesim com tentáculos.

O olho do robô acendeu-se em vermelho, mesmo que trincado no chão.

Nesse exato segundo, o tripode explodiu, atingindo Wanda e Erik. Poeira subiu, fogo lambeu o que estava perto. Uma exclamação por parte do repórter da CNN, outra vinda de Peter Parker. Murmúrios alarmados do público ali dentro.

Mas todos esses sons foram abafados por um barulho agudo, dissonante, vinda do palco. Luz amarela acendeu-se nos olhos amarelos dos cinco Sentinelas. Um segundo de silêncio. Em seguida um fino feixe de luz vermelha saiu do peitoral de cada um deles, scanneando o ambiente e as pessoas. Xavier piscou, Logan também.

Senhor Stark?”

— Tenho que desligar, garoto.

Não, senhor Sta- - -”

A imagem da CNN e da live se foram junto com a ligação de Peter Parker. Logo vieram as vozes graves e em uníssono dos cinco colossos de cor roxa e metal:

Mutantes identificados. Calculando… Nível Alfa e Ômega.

Ameaça iminente.

Ativando…

Iniciar contra medidas.

Tony Stark não voltaria a tempo para o check-out do hotel.

* * *

O sonho da montanha cheia de névoa.

A consciência de Wanda ia e vinha, assim como seus olhos abriam e fechavam em intervalos cada vez maiores. Ela esperava o momento em que suas pálpebras fossem seladas para sempre. Frio do lado de fora, calor da lareira dentro. Um rosto bovino, depois o rosto de uma mulher de cabelos cheios e olhos verdes. Magda. Em seguida a face de Natalya, trajada inteira em vermelho. Depois, Marya Maximoff. Tudo se confundiu e se mesclou num rosto único, aquele que a Feiticeira Escarlate costumava ver no espelho.

Ouviu-se gritos. Veio luz rubra. A montanha se dividiu, uma mulher escapou dela.

E Wanda mais uma vez escutou a canção polonesa.

Entre cenas violentas, memórias de cemitérios, prisões e palavras sem sentido de sua família, a jovem sentiu uma corrente elétrica despertar seus músculos. Seu pulmão pareceu muito vazio, sua boca se abriu para puxar ar de volta ao corpo. Era um espasmo, seu instinto de sobrevivência forçando-a se sentar, mas por estar ainda zonza, nada mais aconteceu além de Wanda Maximoff levantar um pouco do tronco e do pescoço, um grunhido escapando de garganta. Segurou forte a superfície em que estava deitada, sem raciocinar bem no que estava se apoiando exatamente. A única certeza que tinha é que tudo doía e com certeza chorava. E que alguém estava segurando os seus braços de forma terna e carinhosa.

Nesse instante que Wanda Maximoff abriu os seus olhos e se deparou com cenas confusas. Ea via cenas duplicadas si mesma e também da figura que lhe acompanhava: uma figura com capa e elmo, como se um espírito sombrio pudesse ser seu anjo da guarda. Parecia apropriado, porém. Ela viu a cor escarlate em si e na imagem dos espelhos do lugar em que se encontrava, sem saber qual imagem era a real e qual era a falsa, o que era ela e o que era ele. Ela piscou enquanto a mão enluvada da figura de acariciava seus cabelos com sangue coagulado, até que então percebeu que a canção polonesa saia bem baixinho do seu lábios do homem.

Uma estranha sensação de conforto se apoderou de seus ossos e pele, sua respiração antes afoita acostumou-se com a situação. Seu tórax subiu e desceu agora mais calmo. A Feiticeira Escarlate fechou os olhos e perguntou:

— Isso é um sonho?

A figura então respondeu, a voz áspera em seus ouvidos um tanto distante por conta do zumbido da explosão anterior, mas ao mesmo tempo extremamente gentil. Era quase um tom melódico, igual a música que antes murmurava.

— Sim. — Explicou.— Isso é um sonho.

Magneto tinha a menina apoiada em seu colo e não esperava ter a sensação de poder tocar seus cabelos e cantar uma canção de ninar para sua filha tão cedo. Algo dentro de si quebrava e ao mesmo tempo deixava vazar um sentimento quente, caudaloso. Quando o trípode explodiu, ele conseguiu avançar sobre Wanda protegê-la com seu próprio corpo e, é claro, com o metal que rapidamente atraiu com seus poderes para servir de escudo. O único porém era que o impacto e o calor da combustão os atingiu de maneira fatal. Suas costas ardiam e a capa rubra estava parcialmente queimada. O que o salvou de um destino pior seu capacete e a destreza de ter a ideia de abrigar-se na entrada de metrô logo ali perto. Foi tudo muito rápido e ele mal teve tempo de pesar sobre as consequências, tanto é que estavam ali presos pelos escombros. Não quis pensar sobre Zola ter fugido. Não, ele não pensaria sobre isso agora. Queria pensar na segurança de sua filha.

Ele queria ter algo melhor para poder limpar o sangue que escorrera de seu nariz ao usar com tanta força seus poderes escarlates, mas não tinha mais do que pedaços das próprias vestes queimadas. Por isso, arrancou um pedaço da capa e limpou as manchas de sangue na pele dela. Faria tudo pela menina. Tudo. As explicações racionais de como ela seria sua filha mesmo num lapso temporal de anos não importavam no momento. Um dia ele descobriria. Nem mesmo as queimaduras que sofrera pela explosão importavam. O fato é que estava com ela, a sua garotinha tão poderosa, tão compassiva. Olhar para o rosto dela era para olhar para o rosto de Magda: Iris verdes, os cabelos cheios e castanhos, lábios rosados. Presenciar sua aura absoluta era testemunhar a descendência Magneto, o Mestre do Magnetismo. “Nunca mais” foi o que ela disse, assim como ele mesmo falou décadas atrás. Imponente, vermelha e letal.

Mas como a menina era pura! Impedira Paladino de morrer por uma bala certeira no centro de sua testa. Impedira, antes, todos eles de serem aniquilados pela explosão do helicóptero contra o jipe com canhão. Ela era justa e misericordiosa, o que ele gostaria de ter sido durante sua tão amarga vida. Wanda estava ferida e tinha sobrevivido há muitas intempéries, sofrendo preconceito e colhendo ingratidão e ainda sim valorizava cada vida, como se cuidasse de cada botão de flor num jardim, mesmo de ervas daninhas e plantas venenosas. Era capaz de verter a realidade aos seus caprichos, mandos e desmandos, mas gentil. Absolutamente gentil. Wanda Maximoff era o que Magneto poderia ter sido se… Se sua vida não tivesse sido a que foi. Auschwitz, crioestase, morte e o luto. E justamente querendo fazer de tudo pela sua filha, Magneto era capaz de reprimir seu vício em vingança e trazer essa compaixão para si. Ele queria ser digno dela, do amor de uma menina que deveria ser considerada uma deusa na Terra, entretanto, que foi tratada como um rato de laboratório.

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Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Ele faria todos pagarem por suas palavras e por seus atos. E ele também faria um lar seguro para Wanda.

Quantos conflitos olhar para ela trazia ali, naquela estação de metrô já cheia de escombros, pedaços de asfalto e metal retorcido. Era ver uma metade sua, uma metade boa. Uma metade esquecida. Se Erik forçasse um pouco mais a imaginação e os conceitos que aprendera durante a vida, poderia dizer que Wanda era a pessoa real e ele a sombra.

Wanda se mexeu um pouco. Os dois estavam nos bancos de espera de dentro da estação, ele sentado e ela deitada. A luz faltava, piscando de tempos em tempos com sua iluminação fria de lâmpadas fluorescentes. Um dia, há uma eternidade, sua filha Anya perguntou o que era aquela sequência de números tatuada em seu pulso. Hoje, com o mesmo tom infantil, Wanda perguntou:

— O que é esse capacete que você usa?

O sorriso dele foi refletido pelos espelhos na decoração do metrô. Erik tentou responder sem arquejar pela dor que sentia nas costas.

— É um escudo contra telepatas. Charles Xavier, você deve conhecer, tenta muito meu espírito se não uso esse capacete. Também me ajuda a pensar, a focar meus poderes.

— Espera, quem ajuda a pensar e a focar é o capacete ou professor Xavier?

Ele não respondeu, embora a pergunta fosse interessante. Xavier foi útil em mostrar outras formas de treinar seu magnetismo, isso há tantos anos. Ao invés de discorrer sobre o assunto, decidiu fazer com que ela continuasse falando. Parecia já um pouco melhor, mas era saudável mantê-la entretida com algo até que Erik se recuperasse o suficiente para tirá-los dali.

— Você não tem nenhuma ferramenta que te ajude ou alguém que possa te auxiliar com seus poderes?

Wanda tossiu um pouco, devido a fumaça que aspirara, pó do concreto.

— Uma moeda.

— Oh, uma moeda? Interessante. — Ele riu. — Também tive uma moeda para me ajudar no começo, mas não foi uma história feliz. Aqui, deixe me ver… Gostaria de um capacete também?

— Parece pesado.

— Não tão pesado quanto nossos demônios.

Ouviu-se apenas as gotas de algum encanamento atingido pela explosão, talvez o encanamento dos bebedouros ali perto. Magneto só não soube dizer se a pausa foi motivada pelo peso de sua última fala ou pelo ir e vir da consciência da jovem mutante. Desde a explosão do robô assassino, passou-se apenas alguns minutos. Vinte a trinta no máximo. Os primeiros dez se resumiram a Erik entender onde se encontravam exatamente e se estavam feridos, se Wanda estava ferida. Ele não sabia se a contagem de minutos era verdadeira ou se a sua noção de tempo estava totalmente distorcida. A segunda opção era mais provável, pois ele se alternava entre memórias longínquas e o tempo presente.

Ele se focou um momento no ambiente ao seu redor. Os túneis de um lado e de outro, sem que viesse de fato um metrô rugindo e trazendo uma baforada de vento. Talvez tivessem interditado a viagem para aquela linha. Espelhos, plantas, propagandas da prefeitura e de eventos culturais da cidade. Letreiros piscando. E o reflexo de pai e filha sentados em um dos bancos.

O metrô era um espaço entre dois lugares, nunca um lugar em si e jamais um lar. Era uma passagem entre um estado e outro e parecia apropriado que o tempo estivesse congelado entre o agora e o passado. Ele escutou também sons de impacto vindo do lado de cima e imaginou que mais alguma batalha ocorresse. Zola havia mencionado ativar as Sentinelas. É claro que Magneto queria destruir um por um e também se preocupava com a vida de Pyslocke, mas esperaria até que a jovem estivesse bem para sair daquele buraco. Ao menos bem o suficiente para ajudá-lo a remover o concreto que o separava do mundo lá fora, pois a sua mão jazia machucada ao lado de seu corpo e lhe custava admitir que não tinha tanta força, ou melhor, energia para fazer aquilo sozinho. Quem sabe lhe faltasse seu combustível principal, o ódio, pois não tinha como se banhar desse sentimento com sua filha ali dormindo em seu colo. Ou apenas parecendo dormir, porque logo sua voz ecoou na penumbra:

— Conte-me então a história dessa canção. É pesada?

— É, é um pouco. Mas é suportável. E você tem razão, um capacete pareceria muito grande para você. Farei então uma tiara enquanto conto sobre a canção. Talvez isso te acorde mais ou então alguém nos tire daqui de baixo.

— Mas isso não é um sonho?

Ele se surpreendeu por ela lembrar disso, mesmo com a inconsistência meu estado desperto.

— É um sonho sim.

— Espera, — Ela iria perguntar outra coisa. — Qual de nós dois está sonhando?

— Nós dois estamos sonhando um com o outro, com nós mesmos.

— E estamos no meu ou no seu sonho? E como sabe que isso não é um sonho dentro de um sonho?

O sorriso dele cresceu.

— E tudo isso importa?

— Não.

— Você deve ter sido uma criança engraçada. — Erik concluiu, cheio de dor por não ter acompanhado a infância da jovem, principalmente aquela fase em que Anya estava, cujo passatempo favorito ou talvez puro talento era alvejar o pai de perguntas. — Então agora deixe-me contar sobre a canção.

Com gesto suave de sua mão direita, ele puxou o metal pintado de vermelho escuro que fazia parte de uma das placas do metrô. Não havia outra forma narrar suas desventuras sem que sua mão não estivesse concentrada em retorcer algo. Sua satisfação, porém, era saber que transformaria aquilo em um presente. Mediu o metal, fez uma dobra que acompanhou os traços delicados do rosto dela. Em seus movimentos precisos e calculados, ele se recordou de sua família, aliás, de seu pai e seu ofício de relojoeiro. Erik estava aprendendo na época, antes da Kristallnacht e tudo o que se seguiu depois. Lembrou-se quando fez uma pulseira para Magda, os dois ainda crianças.

— Havia um homem que foi preso, humilhado e que perdeu tudo o que um ser humano poderia perder.

Ele olhou para o rosto dela. Agora estava de olhos abertos, mas encarava o nada. Não havia expressão em sua face, nem mesmo de dor.

— Eu sei essa história. — Wanda disse. — Mas na versão que eu conheço, era uma garotinha.

— Bom, a história continua para o homem que perdeu tudo. Existem alguns hiatos e capítulos que ele não gosta de lembrar, mas existe também uma parte em que ele conseguiu ser feliz de novo. Ele tinha uma esposa, a mulher que ele amou a vida inteira, e uma filha linda.

— O que houve com ela?

— Ela morreu.

Reticências. Magneto continuava a suavizar as dobras do metal, que já fazia um arco perfeito sobre o rosto dela.

— E a mãe?

— Desapareceu, horrorizada pela fúria do marido. Ele, antes dessa mesma noite em que perdeu as duas, cantava sempre uma música para a filha ao colocá-la na cama. — Uma pausa. — E a menina dormia suavemente, como um dia o próprio homem dormiu quando sua mãe cantava, ele só um garoto.

Wanda fechou os olhos, os lábios trêmulos.

— E o que houve com o pai?

— Um novo hiato. E quando a história recomeçou, ele descobriu que a esposa estava grávida na noite em que fugiu, e que teve mais dois filhos dele. Gêmeos. Crianças que na sua ausência foram infelizes.

Ela não perguntou mais nada para entender como era o fim da história, portanto ele continuou sozinho.

— O homem encontrou a filha e agora canta para ela. E ele espera que essa parte da vida dele seja feliz. Para ele e para ela.

Nesse momento, um arco de metal vermelho delicadamente moldado, com bordas suaves, pousou sobre o rosto de Wanda Maximoff. Erik esperava uma reação negativa, esperava ver seus olhos muito abertos e assustados. Esperava a mesma expressão de horror que Magda fez quando desapareceu naquela noite. No entanto, o rosto dela estava tranquilo, suas pálpebras fechadas. Ela tinha caído na inconsciência de novo.

Talvez a mentira fosse verdade e aquilo não passasse de um sonho. Espelhos, histórias, memórias. Sua filha no colo, dormindo. Um sonho dele.