Destinatário

Parte 2


Felipe se conteve para não impedi-lo de ir antes que Arthur chegasse, roendo as unhas agoniado. Pulou do banco e andou de um lado pro outro, mas o rapaz sumiu ao entrar no ônibus assim que avistou Arthur atravessando a rua.

— Meu deus, Arthur, você acabou de perder o cara! — colocou as mãos na cabeça exaltado.

— Você tá doido, Felipe? Ainda tá brincando com ele? Isso não se faz, seu sem noção!

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— Ele deve ter uns 1,80, Arthur! E escreve usando emoticons!

— O que isso tem a ver, cara?

— Ele deveria ser tipo um urso, sabe? ‘’Bom dia, tá afim de uma trepada?’’, mas o cara me manda coração o dia inteiro!

— Você conversa com ele o dia inteiro, Felipe? Tá com merda na cabeça?

— Você não me entende, mano — Felipe desistiu de explicar e suspirou, jogando-se de volta ao banco. Podia já ter passado dos vinte há um tempo, mas ainda tinha uma cabeça de dezesseis.

Arthur sentou-se ao seu lado, os braços cruzados e cenho franzido. Olhou pra rua por alguns instantes, pensativo.

— O cara era bonito? — Arthur perguntou.

— O que é, você é fresco também?

— Quero saber se você é, Felipe, tá trocando mensagem melosa com o cara faz dias.

— Eu não estou trocando mensagens melosas não!

— Ele te manda coração o dia inteiro!

Felipe ficou sem argumentos. De cara fechada e mão no queixo, voltou a afundar no banco. Balançava o pé impaciente rente à grama do chão, observando as luzes espalhadas pelo campus e imaginando Marcos sentado em um banco no ônibus, os cabelos tão cheios quanto a barba e os braços largos. Novamente admirou-se de como a fisionomia não combinava com a personalidade carinhosa.

— Era sim — finalmente respondeu.

— Tudo bem se você for gay, não muda nada pra mim.

— Eu não sou gay, Arthur, tá louco?

— Então para de trocar mensagens com o Marcos! — os dois começaram a se exaltar e, sem ninguém ao redor para ouvir, subiram o tom de voz.

— Por que você tá chamando ele pelo nome? Eu não sou gay, isso não tem nada a ver, é só uma brincadeira.

— Porque não é uma brincadeira pra ele, Felipe! — Arthur quase gritou, tentando enfiar na cabeça do amigo que a brincadeira já estava indo longe demais.

Felipe observou a expressão indignada dele por alguns segundos, mas não respondeu. Pegou a mochila sobre a mesa e, para não dar o braço a torcer, virou as costas e caminhou em direção ao estacionamento. Arthur não disse nada, mas sabia que o amigo havia caído na real.

——

'’Vamos nos encontrar, quero te falar uma coisa.’’

Felipe preferia apenas bloquear Marcos e fingir que a brincadeira nunca havia acontecido, mas provavelmente não conseguiria. O mesmo impulso que o fazia responder às mensagens, o faria contar a verdade.

Era com muita relutância que admitia que Arthur estava certo.

‘’Tão de repente? Ainda é sexta!’’ a resposta chegou depressa.

‘’Prefere esperar até sábado?’’

‘’Não mesmo :) Posso ir te buscar em casa?’’

Provavelmente acabaria com um olho roxo, ou coisa pior, visto que era exageradamente menor que Marcos. Seus 1,70m pareceriam 1,50 quando estivessem frente a frente. Preferia que ele descobrisse a verdade em um local público, onde estaria menos livre à agressão.

‘’A gente se encontra no pub Alice. Oito horas está bom?’’

Depois de um banho exageradamente longo, e sem certeza do porquê, vestiu uma das melhores camisas que tinha, arrumou bem o cabelo e se perfumou, mas estava com o espírito de quem caminhava para um funeral. Imaginava que expressão os olhos dele fariam, por trás do óculos quadrado, e o que ele diria. Se a voz seria tão grossa quanto Felipe passara a imaginar, ou se seria tão amena quanto sua personalidade.

Quando chegou no pub, bem mais cedo que o combinado, pretendia encontrar uma mesa afastada num canto escuro, mas foi surpreendido ao ver que Marcos também já estava lá. Conversas animadas, sob holofotes coloridos, se misturavam à música de fundo, e todo o ambiente colaborava para que ele se sentisse ainda pior.

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Com os joelhos bambos, passou bastante tempo na entrada do bar, reunindo coragem para o que viria a fazer. Por fim, decidiu que quanto mais rápido começasse, mais rápido terminaria. Caminhou depressa, como uma criança impaciente, na direção do moreno sentado num canto calmo. Não olhou pro rosto dele quando puxou uma cadeira abruptamente e sentou-se na mesa.

— Ahm — Marcos soou confuso —, posso ajudar? Eu estou esperando alguém, então a cadeira não está vaga...

— Marcos? — Felipe perguntou, finalmente olhando para ele. O rosto era forte, e a barba havia sido bem aparada, os cachos caíam até as bochechas. Os olhos eram escuros, mesmo por trás dos óculos, e tão calmos quanto sua personalidade carinhosa sugeria. Ficou nervoso e a culpa apertou com muita força, ao ver o alvo de sua brincadeira, exageradamente sem graça, bem na sua frente.

— Sim?

Felipe pigarreou, olhou ao redor e baixou o rosto, sem coragem de olhar nos olhos dele.

— Eu sou Raquel.

— Oi? — Marcos deu um sorriso amarelo de quem não havia ouvido o que ele dissera.

— Eu sou Raquel — olhou nos olhos dele —, não! Eu não sou Raquel... Eu sou Felipe — desviou o rosto novamente, e prosseguiu falando baixo, como se tentasse esconder o que diria a seguir —, mas era comigo que você estava trocando mensagens ultimamente...

Marcos ficou calado, expressão de bobo, como se não processasse o que ouvia. De repente, suas bochechas ficaram intensamente vermelhas e sua boca se abriu seguidas vezes, procurando o que responder, mas acabou se calando e afundando na cadeira.

— Escuta — Felipe continuou quando viu que ele não diria nada —, quando sua primeira mensagem chegou, eu queria te zoar, porque eu sou infantil pra caralho... mas eu vi que você era um cara legal e não soube como te contar a verdade depois. De qualquer forma, me desculpa por ter ido tão longe, você pode me bater, se quiser.

O technorock que soava ao fundo pareceu ficar muito distante quando Felipe fechou os olhos e esperou que uma mão viesse em sua direção, e a espera durou muito tempo, até que foi interrompida por um pigarro.

— Então era você que conversava comigo? — perguntou, ainda digerindo os fatos. Felipe assentiu, incapaz de dizer qualquer outra coisa. — Uau...

— Desculpa — repetiu.

— Você é gay? — Marcos perguntou, os braços cruzados sobre o peito e uma expressão inquisidora.

— Não, cara! Por que continuo ouvindo isso? Era só uma brincadeira que foi longe demais... — sua voz foi sumindo à medida em que via os olhos dele, ciente do quanto havia sido injusto. — É melhor eu ir, tá bom? Novamente, me desculpa, eu não queria causar isso tudo...

Quase derrubou a cadeira quando levantou tremendo, escondendo os olhos no salão escuro, e quase correu pra fora do bar, pra longe da música e dos murmúrios. Respirou aliviado quando encontrou a noite fria na rua, mas ainda estava pesado como se estivesse pregado ao chão.

Quase não adormeceu, acostumado aos breves dias em que deitava após um sms de boa noite.