A Última Mordida

Que a vida não separe...


Valerie Westerna

Amanheceu. Acordo, desta vez, em minha própria cama. O frio das manhãs deixam o clima mais confortável e me fazem ter um imenso prazer de ficar deitada em meu leito por mais tempo. Sinto-me estranha, não consigo me recordar o que exatamente ocorreu na noite de ontem, lembro-me que segui Lucy pela floresta e depois minhas memórias se enredam em um enorme borrão negro que me faz ter uma dor de cabeça.

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Sigo até meu quarto de banho. As velas que eu deixei acesas ontem à noite já haviam se apagado. Ao entrar, olho-me no espelho e começo a observar como estive mudada, tenho algumas olheiras devido as noites que passei caminhando pelo bosque e pela floresta, tenho pequenas rugas, e meu rosto parece um pouco mais magro e pálido. Retiro minhas vestes e vejo que há algumas manchas púrpuras espalhadas pelo meu corpo, que eu poderia palpitar que fossem mordidas, algum animal havia me mordido?

Consciente de minha perda de peso e cor, sigo até a sala de jantar e observo meu pai fazendo suas refeições, mamãe está doente, então sua comida é levada diretamente até seu próprio quarto.

Sento-me e noto que Lucy nunca está a mesa, papai nunca pergunta sobre ela e nenhum empregado me responde sobre ela, ficam desnorteados sobre meus questionamentos e escuta-se burburinhos quando me retiro do local sem respostas.

—Como mamãe está? —Pergunto-o sem encarar nos olhos, papai é muito intimidador e temo encará-lo

—Sua mãe está mal, deve ter ficado doente com alguma praga qualquer. O médico deste local está bastante ocupado devidos a recentes epidemias que estão acontecendo trazendo uma enorme onda de morte para as senhoras.

—Hm... Então... Existem muitos casos parecidos na cidade? —Paro de comer e tento fixar meus olhos nos dele, mas desvio.

—Há diversos registros de moças mortas. Algumas encontradas em seu próprio leito, outras encontradas em bosques e florestas. Há dois dias, cinco garotas foram encontradas dentro de um lago, desmembradas e já em estado de decomposição.

Engulo seco ao me recordar do lago em que nadei com Lucy. Preocupo-me com o estado de Lucy, ela anda desaparecida. Largo meus talheres e me levanto. Já de saída da sala de jantar para meu quarto, escuto meu pai com uma voz rouca e penetrante.

—Valerie... Tome cuidado.

Sinto um calafrio percorrer minha espinha. Não me viro, apenas sigo para meu quarto.

***

Sentada em minha cama, deparo-me com Lucy, despida e lânguida.

—Aonde estiveste? —Indaguei com um ar de irritação e alívio — Não vê que estive preocupada com a sua ausência?

—Desculpe-me te preocupar assim, Valerie. Achei que tivesse dito para onde eu estava indo.

— Não é suficiente. — Digo zangada — Há um epidemia matando diversas garotas. O lago... — Respiro, procurando forças para continuar a falar — O lago estava com cinco garotas desmembradas, despedaçadas.

—Interessante. — Lucy dá de ombros e sorri para mim —Isso não parece vestígios de uma epidemia e, sim, de um assassinato.

—Cruzes, Lucy —Faço o sinal da cruz e beijo meus dedos — Nunca vi alguém com um senso tão mórbido como você.

—Ah, Valerie. A morte nos cerca, a tragédia nos cerca. O verdadeiro amor chega ao fim tracejado sobre tragédia. O que é amor sem tragédia?

Um breve silêncio paira no ar. Viro-me e vou até a janela. Vagarosamente uma cinza pousa sobre o dorso de minha mão. Charles ecoa em minha cabeça e me faz lembrar que sua volta deve estar próxima. Parei de escrever e queimar cartas para ele, pois sei que jamais o vento as levaria até ele.

— Lucy, vista-se. Precisarei de sua ajuda — Não me viro, mas imagino que ela se retorce de raiva por ser levemente ignorada enquanto falava sobre amor e tragédia.

Lucy volta de seu quarto vestida de preto, enquanto eu, visto me de branco e me encaro de frente ao espelho colocado ao centro de meu quarto.

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—O que houve, Valerie? Por que vestes branco? —Ela pergunta e um breve sorriso se forma no canto de sua boca.

— Quero que me ajude com esse vestido. — Observo para ver se todas as pérolas ainda estão bem posicionadas nele. Lucy se encosta sobre meu ombro e começa a sussurrar.

— Branco é tão límpido, imaculado, inocente. Contrasta perfeitamente com sua personalidade e seu coração livre de qualquer malícia.

Sinto-a beijar meu pescoço mas, ao olhar para ela, no reflexo do espelho, ela me encara de volta com seus olhos provocantes. Talvez fosse algo que minha mente estivesse projetando devido à ausência de Charles.

—Casar-me-ei logo com Charles, precisarei de sua ajuda para finalizar alguns ajustes. Não achas este belo vestido apropriado, pertenceu à minha avó.

Ela desfez seu pequeno sorriso e eu senti uma pequena onda de raiva subindo sobre meu ombro, onde ela estava.

—Claro. Ajudar-te-ei, se assim desejar.

Calei-me e nos prestamos a ajustar as costuras do longo vestido. Lucy não deixou sequer uma breve palavra escapar, havia se tornado uma sombra, silenciosa e quieta, rastejando e esquivando de meu olhar. Nossas palavras haviam cessado a ponto de escutar os próprios palpitação de meu coração.

— Ai! — Sinto uma pontada de agulha em minhas costas. — Lucy, você me feriu?

—Desculpe-me, Valerie. Você estava inquieta demais, não me culpe.

Viro-me para o espelho e vejo sangue em minhas costas. Encaro-me no espelho de perfil e resolvo ver a área que Lucy havia me ferido e, por mais estranho que pareça, a marca era maior que a de uma agulha, poderia jurar que até seria uma unha.

— Lucy, preciso tomar um banho. Você me feriu profundamente. —Saio apenas e tento não escutar algo que ela diz.

***

Sento-me em minha banheira esperando-a encher. Verifico que ela está quente, temperatura ideal para mim. Entro, apoio minha cabeça e fecho meus olhos. Estou divagando em meus pensamentos enquanto eu escuto o soar da voz de Lucy.

— Valerie... — Encaro-a assustada e a vejo deitada do outro lado da banheira, com suas pernas cruzadas com as minhas.

—Lucy... Como veio... Eu não... —Perco-me em minhas próprias palavras sem saber o que exatamente dizer para ela.

— Eu preciso te revelar algo. Algo muito grave.

Sinto medo, medo percorrendo minhas veias. Aceno com a cabeça para que ela prossiga.

— Alguns anos atrás, eu andava por algumas ruas vazias de Lisboa. A noite era densa, negra, embaçada. Eu estava desprotegida, solitária. Dois homens começaram a me seguir, me seguraram, se apossaram de mim. Eu era apenas uma jovem moça, pura, desprotegida nesse mundo maldito mundo. Desde então, prometi jamais cair nos braços de um outro homem.

Parei e fiquei olhando para o vazio, enquanto torpor crescia em minha alma. Minha alma chorou, meu coração feriu porque o dela estava ferido.

— Eu só queria sentir o amor. A dor me preencheu, ao invés disso.

Estávamos próximas, nos tocando, nos sentindo. Senti seus lábios nos meus lábios, sua boca na minha boca, seu corpo no meu. Seus lábios tocando a rosa entre minhas pernas, seus dedos em meu íntimo. Nos abraçamos, nos beijamos. Meu corpo a sentia como uma amante, minha alma a sentia como uma serpente prestes a quebrar meus ossos.

Senti-a em meu pescoço. Ouvi seus sussurros e disse:

— Eu sou sua.