Backstage

Capítulo 27


Aquilo não podia estar acontecendo, ainda mais no dia do meu aniverário. Parecia um roteiro ruim de uma novela pior ainda, porque não era possível que na vida real, ex-mulheres sem coração voltassem do nada para atrapalhar a vida de quem está feliz. A loira a minha frente continuou encarando o Ron com um sorriso que eu queria arrancar da cara dela, de preferência com as unhas, e ele permaneceu espantado, provavelmente desejando mais do que eu, escutar de alguém que aquilo era só uma piada de mau gosto. Percebi que os olhos dela se prenderam no lugar exato onde a minha mão segurava o braço dele, e assumindo um ar de superioridade, ela se endireitou para falar.

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—Está caçando agora entre as amiguinhas da sua irmã? Não sabia que você tinha um gosto por bebês, Uon Uon.

Que direito ela tinha de dar qualquer palpite na nossa vida? Minha vontade era esfregar na cara dela que ele tinha achado alguém muito melhor, o que não tinha relação nenhuma com a minha idade. Entretanto, eu tive que lembrar que se tratava da minha superior, e apertei os dentes para não falar nada, se eu abrisse a boca, não conseguiria me controlar, ainda mais se ela continuasse usando aquele apelido. O perigo era eu partir para cima dela, e isso não tinha nada a ver comigo.

—Minha vida não é da sua conta há muito tempo - o Ron respondeu seco.

—Já faz tantos anos… verdade. Bons tempos - ela assumiu um tom nostálgico que eu tinha certeza ser só para me atingir, pois um olhar desafiador veio em minha direção.

—Os tempos estão bem melhores agora - ele afirmou sem demora o que me deu uma boa dose de satisfação, ainda mais quando a mão dele veio se juntar a minha,

—Ah, não fala assim! - ela estava fazendo biquinho pra ele? Ali na minha frente? Era muito desplante, tive que repetir mentalmente sem parar “você não vai dizer nada, seja superior”.

—Não tenho tempo pra perder aqui com você, vamos amor - adorei como ele me chamou de amor direto na cara dela, era a minha vez de sair triunfante, ainda mais porque eu percebi os olhos dela se estreitando.

Ficamos virados para a porta do elevador que, pela escolha do destino, não chegava nunca. Eu só queria ir embora, o mais longe possível daquela mulher, porque eu precisaria de uma boa dose de determinação para vir trabalhar no dia seguinte.

—Temos que conversar qualquer dia desses, Uon Uon - ela insistiu em chamar a atenção do Ron, se colocando ao lado dele.

—Não temos nada o que conversar.

—Claro que temos, uma vida toda para atualizar. Eu já até mudei de sobrenome e você, bem… - de novo eu recebi um olhar de desprezo - tem uma garotinha nova.

Aquilo foi a gota d'água, não dava para aguentar tanto desaforo calada.

—Pobre do outro homem que teve a infelicidade de casar com você, agora a garotinha aqui está levando ele embora - empurrei-o para dentro do elevador assim que as portas abriram - e com certeza ele vai saber onde estou amanhã depois que eu sair da casa dele - decalrei por fim antes de me juntar ao Ron e ver com alívio as portas do elevador se fechando, levando a cara enfurecida dela para longe das minhas vistas.

O caminho até o carro dele foi feito em total silêncio. Ambos estávamos ainda em choque com a cena que tinha se desenrolado há poucos instantes. Assim que eu entrei no lado do passageiro, me desmontei sobre o banco. De repente eu me senti muito cansada, toda a tensão cobrando o seu preço.

—Mione… - o Ron me chamou assim que se acomodou ao meu lado, ele pegou minha mão me olhando apreensivo.

—Eu não acredito nisso! - esbravejei, não era com ele que eu estava brava, claro que ele não tinha culpa, era mais com as coincidências cruéis da vida.

—Amor, eu não…

—Não é sua culpa Ron - olhei diretamente em seus olhos, tentando acalmá-lo, eu não gostava da expressão perturbada que via em seu rosto, até porque ela podia ter várias causas, muitas das quais eu não gostaria.

—Pensei que eu nunca mais fosse ver a Lilá na vida - ele desviou os olhos ao falar e meu estômago afundou por não conseguir determinar o que ele sentia com aquilo.

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—E agora eu tenho que vê-la todos os dias! Todos os dias! - repeti exasperada, já sofrendo com o novo nível de inferno que viraria o meu trabalho.

—Não liga pra ela, amor.

—E como? Se ela vier te chamar de “Uon uon” mais uma vez, eu não respondo por mim!

—Não repete isso, pelo amor de Deus, não preciso desse apelido com a sua voz na minha cabeça - ele fez uma cara de desgosto que teria me feito rir em circunstâncias mais agradáveis.

—Não se preocupe que não tem nem perigo, não sou ridícula a esse ponto - rebati com todo o orgulho próprio que eu possuía.

—Claro que não.

—Como isso foi acontecer? - perguntei para ninguém em especial, eu estava precisando que aquela resposta caisse do céu.

—Não, sei Mione, não sei mesmo - ele respondeu por fim, a voz tão cansada quanto a minha.

O silêncio se instalou mais uma vez entre nós, cada um perdido em seus próprios pensamentos. Eu o escutei dando a partida no motor e foi aí que voltou à minha mente que ainda era o meu aniversário e nós deveríamos estar a caminho de um restaurante para continuar a comemorar. Meu ânimo não estava para nenhum tipo de festa, nem sorrir eu queria, preferia mais arrumar alguma coisa para jogar na parede ou alguém com quem gritar, mas não ia deixa-lo sozinho num momento desses, eu estava abalada com a descoberta, mas ele com certeza estava mais, não tinha como ser fácil ser abandonado e ver ressurgir essa pessoa depois de tantos anos.

—Ron, não to com vontade de ir jantar - eu disse assim que ele virou a primeira esquina.

—Ah, tudo bem…

—Podemos pedir alguma coisa e jantar na sua casa, que tal?

—É, acho que vai ser melhor mesmo.

Dei um sorriso agradecido a ele que virou o volante tomando o caminho conhecido do seu condomínio. Fomos direto para a cozinha escolher entre os vários cardápios, qual seria o menu da noite. A verdade era que nenhum de nós estava com muita fome, era apenas um cumprimento de protocolo. Ficamos sentados no sofá enquanto esperávamos, os braços dele me envolvendo, a minha cabeça apoiada em seu ombro. O que se falava depois do que aconteceu? Eu sabia que ele não gostava de tocar no assunto que era a Lilá, então por mais que eu quisesse desabafar, me forcei a esperar a vontade dele de compartilhar o que estava sentindo.

—Eu queria que seu dia fosse perfeito… - ele falou magoado

—Ei, você me deu a melhor comemoração de aniversário, o que importa esse final? - tentei animá-lo sem muito sucesso.

—Não era para ter acontecido, só isso - ele deu de ombros - prometo que no ano que vem vai ser melhor - ele deu um sorriso fraco.

—Não é pra você ficar se culpando por nada do que aconteceu, viu! – olhei com determinação para os olhos tristes dele.

Ele respirou fundo, mantendo-se calado por alguns instantes antes de me responder.

—A Lilá... – eu vi na expressão dele que aquilo estava sendo muito difícil, e me doía vê-lo tendo que abrir uma ferida antiga, que tinha cicatrizado apenas recentemente.

—Amor, não precisa falar se não quiser – levei a mão à bochecha dele, fazendo um carinho que eu sabia que ele gostava.

Claro que eu queria perguntar várias coisas, como ele se sentia ao vê-la de novo, o que ele tinha realmente pensado quando falou que achava que nunca mais a veria, mas eu não o machucaria ainda mais apenas para satisfazer a minha curiosidade e curar a minha insegurança. Ele não precisou me responder com palavras para eu saber que ele realmente não queria falar, um sorriso agradecido surgiu no canto dos seus lábios, antes que ele se inclinasse para me dar um beijo.

O resto da noite não foi muito mais animado, tentei ao máximo pensar em outras coisas e mudar de assunto, mas não importava do que estivéssemos falando eu ainda notava uma sobra escurecendo o olhar dele e aquilo acabava comigo. Depois de jantarmos eu disse a ele que iria embora, tudo o que eu mais queria era ficar ali, não tirá-lo das minhas vistas, mas eu tinha que chegar extra cedo no dia seguinte, e estava sem o meu carro ou roupas ali. Ele ainda se ofereceu para me levar, mas eu recusei, ele não poderia dormir comigo por causa de um compromisso na manhã seguinte também, então nos separamos num tom melancólico, mas naquele dia não daria para ser muito diferente

O horário já era meio tarde, mas no meio do caminho até a minha casa, eu mudei de ideia, eu precisava ir em outro lugar primeiro, tudo o que estava preso na minha garganta estava gritando para ser liberado, e eu não pude fazer isso com o Ron, não seria justo. Avisei ao taxista da mudança de rota, já passando a mão no telefone para ligar para o Ced.

—Oi, Mi, o que você está fazendo me ligando numa hora dessas? - a confusão dele era justificável, já que ele sabia que eu supostamente estava jantando com o Ron.

—Onde você está? Em casa?

—O que? Aconteceu alguma coisa? Tá tudo bem? - ele ficou alarmado provavelmente imaginando milhares de cenários exagerados, claro que nenhum estaria nem perto da verdade.

—Está em casa? - repeti, não querendo dar nenhum detalhe por telefone, aquilo tinha que ser contado ao vivo.

—Sim, mas, chefinha me diz o que aconteceu…

—Estou chegando na portaria, daqui a pouco a gente conversa.

—Aí, pronto… tem alguma coisa a ver com o Sr Incêndio?

Fiquei alguns instantes pensando no que responder para aquela pergunta, pois eu ainda nem entendia direito tudo o que eu estava sentindo.

—Não tem nada a ver e tudo a ver com ele - declarei finalmente. Meu amigo entendeu que não ia conseguir arrancar nada menos enigmático de mim pelo telefone e encerrou a ligação dizendo que estava me esperando.

Eu estava ansiosa, nervosa, irritada, tudo se misturando no meu peito para criar um caos que se eu não tomasse cuidado ia se transformar no bom e velho desespero. E daí que a ex esposa do Ron estava de volta, pertinho dele? E daí se eu tivesse visto o efeito que a aparição dela causou nele? E daí se eu teria que vê-la a cada dia que eu colocasse os pés no trabalho? Isso não era nada, eu era mais forte do que esses contratempos e não a deixaria ganhar a batalha silenciosa que eu já sabia estar em vigor entre nós. Tentei repetir esse pensamento até me convencer, mas foi tão inútil quanto da primeira vez,

Fui salva de continuar me perdendo entre as ondas de sentimentos com a chegada no apartamento do meu amigo

—Pronto, você chegou - ele me olhou dos pés a cabeça, avaliando que eu estava bem - com não tem nada faltando, pelo menos isso tá em ordem.

—Larga de ser bobo, Ced, claro que não tem nada faltando.

Ele me deu a mão para que eu levantasse e fomos em silêncio até a sala, onde eu joguei a minha bolsa de qualquer jeito na poltrona e me afundei no sofá, dando espaço para ele vir se sentar também.

—Pronto, Mi agora já pode me dizer o que aconteceu, sua cara não está nada boa… - ele estava sentado de lado de modo a não perder nenhum detalhe das minhas reações.

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—Aí, Ced… parece tão surreal que eu não sei nem como contar, nem a sua mente teria inventado essa situação.

—Agora você está me deixando nervoso de verdade! Se é pior do que a minha imaginação é bem ruim. Anda, conta de uma vez.

—É a consultora…

—O que aquela dondoca fresca fez dessa vez? Não, pera - ele me olhou confuso - o que ela tem a ver com o Ron?

—É a ex esposa dele, Ced!

Nada. Isso foi o que o Ced disse de volta, pela primeira vez eu vi o meu amigo sem nenhuma resposta indignada, uma gracinha ou ironia. Foi exatamente como eu falei, nem a mente dele teria imaginado aquilo. Ele ficou me olhando de olhos arregalados, a boca no formato preciso de um “O”.

—Ela estava ali do nosso lado o tempo todo! - ele quebrou o silêncio ainda incrédulo.

—Sim - concordei com um suspiro exausto.

—Eu sabia que aquela vaca não prestava! Não disse?

—Só um milhão de vezes, Ced…

—Pois eu digo mais um milhão de vezes então: aquela vaca, fresca, metida e platinada NÃO PRESTA! - a indignação dele quase me deixou melhor.

—Eu não acredito que eu ainda a defendi! E… - a verdade era que eu tinha chegado a pensar que ali estava uma mulher que eu gostaria de ser no futuro, mas todo o sucesso e a carreira profissional eram só um disfarce para a pessoa fria e insensível que estava por baixo.

—Mi, você é muito melhor do que essa mulher, quanto a isso não tem nem com o que se preocupar - ele apertou o meu ombro em sinal de simpatia.

—Não é isso… eu realmente achava que ela era alguém que valia a pena se espelhar.

—Ah, mas isso não vale meeesmo, só se o seu sonho de vida for ser uma piranha sem coração que gosta de pisar na cara dos outros - ele falou torcendo o nariz.

—Não é a minha primeira escolha de carreira - emendei com um riso involuntário.

—Então pronto, esse ponto está resolvido, você pode vir para o lado da luz e odiá-la junto comigo - ele sorriu triunfante.

—Eu já a odiava sem nem conhecê-la, imagina agora… e depois do que ela falou - respirei fundo ao lembrar das palavras venenosas - aquele apelido idiota, é por isso que as pessoas não podem andar armadas, se não eu provavelmente teria cometido um crime.

—Primeiro, não seria um crime e sim um bem à sociedade, e segundo pode ir contando o que ela falou e esse tal apelido - ele balançou a mão me apressando para revelar a história toda.

—Ela nos viu juntos quando estávamos esperando o elevador, e eu toda idiota ainda fui apresentar os dois! Ela chamou ele de Uon Uon, Ced! Na minha cara! - novamente eu sentia a indignação voltando.

—Cruz credo, ela tá precisando de umas aulinhas de apelido, porque esse aí é pavoroso!

—E não foi uma vez só que ela chamou. Se você tivesse visto a cara dela ao olhar para mim, e ainda me chamou de garotinha, dizendo que não sabia que ele gostava de bebês.

—Ah, chefinha, isso aí é só insegurança da bruaca que viu o ex com alguém muito melhor, deixa ela se contorcer com a dor de cotovelo.

—Não deixa de ser um ultraje, Ced. Como ela me tratava tão bem antes, e agora me olha como se eu fosse pior do que um verme?

—Oh, perguntinha besta, Mi! Eu tenho que te explicar que até cinco minutos atrás você era só uma funcionária altamente eficiente e agora passou a ser a mulher linda, jovem e gostosa que está namorando o que, na cabeça dela, provavelmente ainda é um brinquedinho particular? - ele colocou os pés, agora descalços sobre o sofá, dobrando os joelhos perto do peito e apoiando os braços.

—Eu sei, você tem razão - concordei, a explicação dele fazia todo o sentido do mundo, se dependesse de mim, aquela piranha ia morrer de inveja enquanto eu e o Ron éramos felizes.

—Claro que tenho, se tem uma coisa que aprendemos hoje, é que mesmo quando tudo indica o contrário, o Ced ainda está certo! - ele se endireitou todo metido.

—Agora eu entendi tudo, foi culpa sua! - joguei nele a almofada que estava ao meu lado, aproveitando a vontade de rir, não dava para ficar deprimida com isso por muito tempo, nada de dar pontos para o time inimigo.

—Minha?

—Sim! Isso foi o universo conspirando para você estar sempre certo - ele caiu na gargalhada junto comigo,

—Agora me diz, Mi, e ele?

—Pareceu que estava vendo um fantasma - a cara de espanto dele ainda estava vívida na minha mente.

—Também, não dá para culpá-lo.

—Sim, mas…

—Que caraminholas estão se formando nessa cabecinha? - ele me olhou torcendo o nariz para a minha expressão hesitante.

—É só que ele me falou que esperava que nunca mais fosse vê-la na vida e eu não sei o que pensar disso - confessei.

—Aí, Mi… - ele começou balançando a cabeça.

—Ele quis dizer que nunca mais queria vê-la, né? - num momento estranho de insegurança, eu precisava da segurança que o meu amigo podia me dar - me fala que sim, Ced porque aí tem que ser verdade.

Ele riu com a minha lógica, que claro não tinha nenhum fundamento, mas no momento ia me deixar mais calma.

—Óbvio que é isso, Mi. A piranha vai embora sem nem olhar para trás e você acha que ele tem um sonho secreto de vê-la de novo? Faz favor, o Sr Incêndio está acima disso! - ele fez graça, tentando me animar, o que para minha surpresa deu certo.

—Claro, estou sendo boba.

—Isso é uma coisa que até uma criancinha de cinco anos poderia te confirmar, nem precisava ser o seu amigo aqui com poderes cósmicos de observação - ele sorriu convencido e eu tive que revirar os olhos - se você não estivesse tão abalada com essa surpresa, teria toda certeza do mundo també.

—Você está certo - concordei, era inventar demais imaginar que o Ron pudesse ter alguma vontade de falar de novo com aquela mulher.

—Bom, agora nós precisamos discutir o mais importante - de repente ele assumiu um tom sério.

—Que seria?

—Agora que você faz parte do time “eu odeio a dondoca”, precisamos planejar o que fazer, ainda mais que vamos ter que olhar pra fuça dela todo dia.

—Não tem o que fazer, Ced.

—Como não? Tem várias coisinhas que dá para serem feitas para transformar a vida dela em pequenos inferninhos - meu amigo tinha um sorriso diabólico no rosto e eu sabia que ele já tinha uma lista inteira em mente.

—Nada disso, Ced! Não vou descer ao nível dela - neguei enfaticamente.

—Ah, você pode até querer ficar no seu salto, mas eu não me importo em colocar meus trajes de briga.

—Você não vai fazer nada, está me ouvindo? Imagina o que aconteceria que alguém descobrisse - eu não precisava do meu amigo perdendo o emprego só para fazer a minha vida um pouco mais fácil.

—E quem ia contar? Todo mundo me ama naquela empresa - ele rebateu convencido.

—Não importa, uma hora essas coisas aparecem, e só o que me faltava era ter que ir trabalhar sem você por perto para me segurar toda vez que eu quiser dar um murro na cara dela.

—Ah, isso eu não vou fazer não, pode bater, eu vou ficar do lado gritando: vai chefinha! - ele colocou as mãos em concha sobre a boca, imitando um torcedor - ainda pago a manicure se você quebrar alguma unha - acabamos rindo por um bom tempo.

—Tem certeza que não podemos nem contratar alguém para raptar a dondoca e pintar o cabelo dela de verde? - ele me olhou todo esperançoso.

—Seria uma ótimo desastre, né? - imaginei a cena rindo.

—Sim, do melhor tipo! Então, podemos?

—Claro que não, você ainda quer ir para cadeia por causa dessa mulher?

—É, pensando por esse lado, é melhor eu me manter do lado certo da lei, já me imaginou na prisão? Credo! - o olhar horrorizado dele foi o que bastou para me fazer rir de novo.

—Com certeza não ia ter um pijama de cada cor para você escolher de acordo com o seu humor, aliás provavelmente ia ser a mesma roupa todo dia - provoquei.

—Senhor do céu, gosto nem de imaginar! - ele balançou as mãos em negativa - ia ser a minha morte.

—E eu ia ter que te visitar na prisão, então nada feito.

Ficamos mais um tempo conversando, entre ponderações e conjecturas sobre como seria o trabalho agora que sabíamos que realmente era a dondoca. O futuro não me parecia muito animador, mas eu sabia que tendo o Ced ao meu lado, pelo menos eu riria do assunto no final do dia, com certeza ele se esforçaria bastante para isso. Quando já passava da meia noite eu finalmente tomei coragem para me despedir e chamar um táxi para voltar para casa.

—Tem certeza que não quer ficar aqui, Mi?

—Não, Ced obrigada, mas amanhã tenho que chegar cedo e quero estar nada menos do que deslumbrante, vou precisar do meu guarda roupa à disposição. - expliquei.

—É assim que se fala! Essa é a minha garota! - ele esperou comigo na portaria, até que o carro chegasse.

—Obrigada por tudo, Ced - abracei-o me despedindo.

—Por nada, e já sabe se mudar de ideia, meus planos ainda estão de pé - balancei a cabeça ao entrar no carro e fechar a porta.

O caminho até o meu prédio vou rápido sem o trânsito todo do dia. Ao entrar no apartamento, fui direto tomar um banho e me enfiar na cama, eu só queria que aquele dia acabasse de vez, como se de alguma maneira eu fosse acordar na manhã seguinte e descobrir que os acontecimentos recentes não tinham passado de um sonho, ou melhor, pesadelo. A cama estava mais vazia aquela noite, só porque eu sabia que o dia deveria ter terminado de outra forma. Peguei o ursinho que eu tinha ganhado dele, afundando-o nos meus braços e mantendo em mente, que tudo estava bem, não era porque essa mulher tinha se intrometido de volta na vida do Ron, que o que tínhamos ia se estragar. Lembrei que ele pediu para avisar quando eu chegasse em casa e peguei o celular para mandar uma mensagem.

“Já estou em casa, amor”

“Demorou”

“Acabei dando uma passadinha na casa do Ced”

“Ah sim, tá tudo bem?”

Na verdade não estava tudo exatamente bem, mas eu não precisava esfregar isso na cara dele, o mais provável era que ele já soubesse.

“Sim, meu ursinho está me fazendo companhia aqui na cama”

“Agora eu tenho que ficar com inveja de um ursinho de pelúcia? Devia ter pulado esse presente”

“Mas eu estou pensando em você”

“Assim está melhor, também estou pensando em você”

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“Vou dormir que amanhã o dia vai ter bem mais que 24 horas, boa noite, Ron”

“Dorme bem, amor, qualquer coisa me liga amanhã, vou estar o dia todo em casa”

Na manhã seguinte eu acordei exausta e ansiosa, acabei não dormindo muito bem, mas levantei ainda mais cedo, determinada a chegar ao trabalho sem um único fio de cabelo fora do lugar. Escolhi com calma a minha roupa, selecionando um vestido vermelho que eu não pensaria em usar no trabalho em circunstâncias normais, mas naquele dia em especial eu queria estar no mínimo deslumbrante, e eu sabia que aquele modelo ressaltava tudo o que eu tinha de melhor, inclusive dando um ar jovem, o que aquela vaca não podia comprar em nenhuma das lojas que frequentava. Dei uma última olhada no espelho me certificando que a maquiagem leve estava perfeita, e ajeitando mais uma vez os meus cachos que estavam precisamente arrumados para parecerem casualmente desalinhados.

Atravessei o escritório com a determinação de um general indo para o campo de batalha, quase fiquei decepcionada por saber que a ridícula não tinha chegado ainda, mas pensando bem, quanto menos eu tivesse que olhar a cara dela melhor. Até que as coisas foram caminhando bem no começo do expediente, me envolvi na falsa esperança de que eu conseguiria trabalhar normalmente. No entanto, várias pessoas começaram a bater na minha porta, cada um delas trazendo uma nova pasta com mais alguma tarefa para eu cumprir. Quando o terceiro funcionário chegou eu explodi de vez, o que estava acontecendo? Aquelas obrigações não eram minhas, tudo muito menos importante do que o trabalho de verdade que eu tinha a fazer. Juntei todas as pastas e fui até a sala da minha chefe, rezando para não encontrar a dondoca no caminho.

Minhas preces foram atendidas e eu entrei sem problemas na sala da minha chefe.

—Dolores, posso saber porque essas pastas estão sendo encaminhadas para mim? Já estou atolada de serviço, do meu serviço de verdade - reclamei sem rodeios, minha paciência não estava me permitindo cordialidades.

A minha chefe se deu ao trabalho de levantar os olhos do papel que estava lendo e esticou a mão requisitando as pastas para averiguar.

—Ah sim, não tem nada errado, essas pastas são pra você mesmo - ela me devolveu o monte, e eu acabei pegando de volta antes que ela as soltasse no chão.

—O que? Agora eu tenho que ficar liberando compra de material de escritório? Conferindo lista de estoque? Isso não está nas minhas competências, e não tenho tempo para isso. Outra pessoa pode fazer esse trabalho, é simples o suficiente.

—Exato, é simples, então você consegue fazer também, não? Você é uma das nossas funcionárias mais eficientes, querida - ela me olhava com um ar tão falso que eu respirei fundo para não responder - a nossa consultora tem plena convicção que podemos melhorar a eficiência do escritório se alguns detalhes forem atribuídos a você.

Agora sim eu tinha entendido da onde vinha aquela história toda! Aquela vaca sonsa queria me enterrar em trabalhos inúteis e ocupar todo o meu tempo, mas eu não daria aquele gosto a ela. Ela que jogasse o que quisesse em cima de mim, eu conseguiria resolver de alguma maneira. Coloquei no rosto meu melhor sorriso dissimulado antes de responder.

—Ah, claro sem problemas então - saí daquela sala antes que eu falasse algo que não devia, mas como o mundo tinha que ser cruel com vontade, eu evidentemente encontrei com a dondoca no caminho da minha sala.

—Olá, Hermione! Tudo bem, querida? - ela me olhou de cima a baixo, e eu percebi o olhar de desgosto mascarado pela voz fingida.

—Tudo ótimo - respondi no mesmo tom.

—Ah, vejo que você já recebeu algumas tarefinhas, espero que não seja um problema.

—Nenhum problema, coisinhas bestas que eu dou um jeito rapidinho - meu sorriso estava congelado no rosto, nem eu sabia que conseguia ser tão falsa, aquela mulher estava trazendo o pior de mim a tona.

—Ótimo, vou dizer para os meninos levarem o resto assim que estiver tudo pronto, qualquer coisa é só passar na minha sala.

Ainda teriam mais coisas, ela era uma bela idiota e era mais do que claro para mim que eu podia estar sufocando de serviço, mas a última coisa que faria era ir até a sala dela. Cheguei bufando na minha mesa, e o Ced percebeu na hora que alguma coisa tinha acontecido.

—Conta tudo, chefinha! - ele fechou a porta atrás de si e me olhou de modo conspiratório.

—Eu vou matar aquela mulher! - gritei sem me importar com o pequeno escândalo.

—Qual foi a última da jararaca platinada?

—Tá vendo essa pilha de pastas? - ele assentiu - aparentemente agora eu sou responsável por várias “tarefinhas” que vão deixar o escritório mais eficiente - rosnei em explicação.

—Tarefinhas? Deixa eu ver isso - ele pegou as pastas e folheou incrédulo - desde quando determinar quantas canetas precisam ser compradas é seu trabalho?

—Exatamente, mas de acordo com a nossa super eficiente consultora, eu sou muito boa funcionária, então com certeza serei capaz de cuidar de tudo.

—Aquela vaca filha da puta! Já mudei de ideia, não vou mais mandar pintar o cabelo dela de verde, ela vai é ficar careca!

—Não me tenta, Ced! - levei as mãos ao rosto tentando aplacar a minha raiva.

—Calma, Mi a gente vai dar um jeito nisso, ela só quer te ver irritada.

—E enterrada em serviço dentro desse escritório, né?

—Bom, com certeza isso também, mas não vamos deixar, certo?

—Jamais! O mundo acaba antes de eu deixar aquela vaca conseguir o que quer.

—Assim que eu gosto, agora me dá uma parte dessas pastas aí que eu vou adiantando as coisas.

—Você é o melhor, Ced - joguei um beijo para ele que saiu todo satisfeito.

As pastas não pararam de chegar durante o dia, e eu já tinha a impressão de que seria assim por um bom tempo. Em resumo: eu só consegui sair do escritório depois das nove da noite, e exausta não conseguia nem começar a descrever o meu estado, não deu para respirar por um único minuto e toda vez que eu me encontrei com a dondoca ainda tive que manter o teatro de que tudo estava bem. Falar com o Ron também não foi possível, nem o meu horário de almoço foi suficiente para poder ligar para ele. Eu podia ter ido para a casa dele, mas não tinha arrumado nada para levar, e estava cansada demais para fazer isso assim que me vi a poucos passos da minha cama. Quando eu deitei, peguei o celular para ligar para ele e vi que tinha uma chamada perdida do meu meu namorado

—Oi, amor você ligou? - perguntei só por hábito assim que ele atendeu.

—Sim, já estava tarde e ainda não tinha tido notícias suas.

—É que o dia no escritório foi louco hoje, estou acabada - expliquei.

—Minhas reuniões começam muito cedo amanhã, se não eu ia até aí curar um pouco desse cansaço - ele falou num tom sugestivo.

Me alegrei de escutá-lo animado ao telefone, era bom saber que a melancolia com a aparição da ex-esposa tinha ficado para trás.

—Você ia é me cansar mais, isso sim - respondi.

—Provavelmente - ele confessou rindo - mas fora isso, tudo bem?

—Tudo - eu não ia contar a ele o que a santa da ex-mulher dele estava fazendo, não precisava encher a cabeça dele com isso, era entre eu e ela.

—A Lilá…. ela não… - percebi que ele não sabia muito bem como abordar o assunto, e resolvi ajudar, eu não queria passar mais do que os segundos necessários falando sobre ela.

—Ela está lá, como sempre, nada de novo.

—Então ela não te tratou mal?

—Não, estava toda sorridente inclusive - não era mentira, apenas não frisei que o sorriso era de satisfação pelo plano diabólico que ela tinha desenvolvido.

—Hum… menos mal, se ela causar algum problema me avisa, amor, eu falo com ela se precisar.

—Não! - neguei rápido demais, mas só o pensamento dele conversando com ela já embolava o meu estômago - quer dizer, não se preocupe, está tudo bem.

—Tá bom, boa noite então, espero que a gente se veja amanhã.

—Boa noite, amor, eu te ligo avisando.

Mas é claro que eu não consegui sair num horário decente do trabalho aquele dia também, inclusive teria que trabalhar no sábado. A pior parte não foi saber que eu passaria mais uma noite sem ver o Ron e sim ter que escutar a milésima charadinha do dia quando a dondoca estava indo embora. Eu tinha ido levar alguns documentos na sala da administração e ela me parou no caminho.

—Não foi embora ainda, querida?

—Ainda tenho algumas coisas para terminar.

—Algo que eu possa ajudar? - ajuda dela, só se fosse em desaparecer da minha vida, mas eu não diria isso, apenas sorri e neguei.

—Imagina, está tudo indo bem, não precisa se preocupar.

—Não vá sair muito tarde, hein, fica perigoso, ou o Ron vem te buscar? - estava demorando para ela começar a colocá-lo na conversa.

—Eu vim de carro, ele não precisa vir me buscar.

—Ah, que pena, ele sempre me pegava no trabalho quando eu tinha que sair mais tarde, aliás, ele adorava aparecer de surpresa para me levar para casa - a cara dela me mostrava claramente que ela tinha certeza de ter tido uma relação muito superior com o meu namorado, mas eu não ia dar o braço a torcer e retrucar.

—Ele é muito mais ocupado agora, com a empresa dele e tudo, eu não ia deixá-lo ter todo esse trabalho - a crítica estava implícita no meu comentário, e pelo sorriso debochado eu vi que ela entendeu, não era tão idiota quanto eu pensava.

—Claro… ele deve sentir muita falta da época em que tinha mais tempo para fazer o que gosta, ele ficava todo feliz com essas surpresinhas - antes que eu pudesse responder, ela passou por mim para ir embora - mas enfim, quem sabe as coisas não voltam a ser como eram? Boa noite.

Voltam a ser como eram? Aquela mulher estava louca? Assim que ela saiu da minha área de visão, percebi que eu tinha trincado os dentes tão forte que minha mandíbula estava doendo. Eu sabia que ela voltaria a falar no Ron, mas eu tinha que manter a calma e não deixar aquilo me tirar do sério, mas como? Era o jeito mais fácil de colocar o dedo na ferida, e não tinha como não sentir a dor. Não dava para tomar como verdade nada que saia da boca dela, ouvir o que o Ron - em outra vida - fazia por ela, para deixá-la feliz não foi nem um pouco agradável, Me senti mais idiota ainda ao perceber a pontadinha de inveja com aquilo. Eu não era esse tipo de pessoa, não precisava ser pageada e paparicada para me sentir satisfeita, porém eu precisava menos ainda saber que ele havia feito isso por ela.

Para a minha satisfação - e de todos os que tiveram que vir trabalhar no sábado - esse era um dia que a consultora passava sempre em casa. Tive que ficar mais uma vez até tarde terminando todo o trabalho acumulado da semana. Só consegui ver o Ron no domingo, quando eu acordei, quase na hora do almoço, ele estava do meu lado na cama, deitado de lado com os olhos fechados. Me espreguicei, feliz de tê-lo ao meu lado depois de vários dias sem nos encontramos. O movimento chamou atenção dele, que abriu os olhos, e ao me ver acordada, abriu o sorriso lindo que eu adorava.

—Acordou, dorminhoca - ele tirou uma mecha do meu cabelo que tinha caído sobre os meus olhos.

—Mais ou menos - respondi fazendo manha, já me aconchegando perto dele - faz tempo que você chegou?

—Um pouco, mas você estava dormindo tão bem que fiquei com pena de te chamar, sei que a semana foi puxada.

—Foi mesmo.

—Eu tava com saudade, amor - meu sorriso aumentou com a manha dele.

—Eu também - dei um beijo rápido nos seus lábios.

—Já estava até esquecendo quantas pintinhas você tem no ombro - ele zombou deslizando os dedos pelo meu ombro.

—Que feio, devia te colocar para contar cada uma delas de novo - rebati numa repreensão fingida.

Passamos aquele domingo fazendo nada em casa, o importante era que estávamos juntos. Toda a raiva que eu passei nos últimos dias ficou esquecida em meio às risadas e carinhos que ele sabia fazer tão bem. Uma pena que o dia tenha passado tão rápido, quando dei por mim, já era segunda feira de novo e eu estava me despedindo do Ron para cada um entrar em seu carro e ir trabalhar.

—Espero que você tenha menos trabalho essa semana - ele falou entre um beijo e outro antes de dar tchau.

—Vamos ver… também espero - cruzei os dedos mentalmente, desejando com força que aquilo se tornasse realidade.

No entanto, foi exatamente o oposto que aconteceu. Eu sentia que não tinha mais nem tempo para ouvir os meus próprios pensamentos, era tanta coisa que exigia a minha atenção que estava ficando difícil diminuir o ritmo. Além da carga de trabalho, eu ainda tinha que aguentar aquela vaca loira que não perdia mais nenhuma oportunidade de esfregar na minha cara todas as maravilhas do casamento dela com o Ron: como ele sempre acordava para fazer o café sem que ela precisasse pedir, fazia sempre as comidas favoritas dela, não se importava de esperar acordado quando ela tinha que chegar tarde, a surpreendia constantemente com presentes. O que eu mais queria era não prestar atenção, mas cada detalhezinho ficava registrado na minha mente, e eu não conseguia simplesmente deixar passar.

Quando ela viu que eu não responderia - diminuindo assim a satisfação dela com as provocações - os comentários começaram a ficar mais maldosos e eu sinceramente não sabia da onde estava vindo todo aquele autocontrole.

—O que ela falou dessa vez, chefinha? - entrei bufando na minha sala, o Ced foi rápido o suficiente para não levar com a porta na cara.

—E o que é que ela não falou ainda? Dessa vez foi sobre como ele acordava ela de noite aos beijos, e como ela adorava as mãos dele! Aí, eu quero esganar essa mulher! - vociferei andando de um lado para o outro.

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—Seria compreensível - ele concordou.

—Me dá uma boa razão para eu não ir lá agora e pular no pescoço dela até aqueles olhos fingidos saltarem!

—Não consigo achar nenhuma, por mim você pode ir - ele deu de ombros.

—Ced! Eu estou falando sério.

—Eu também - ele sorriu maldoso - mas eu sei que você não vai fazer isso.

—Não aguento mais isso! Ela conseguiu estragar toda a minha vontade de vir trabalhar, porque além de eu ter que ver a cara dela, ainda tenho que fazer um milhão de tarefas idiotas!

—Calma, chefinha! Os preparativos para o natal já vão acabar, e ela não vai ter motivos para continuar com isso por muito tempo, existem outras pessoas aqui que deveriam estar fazendo esse trabalho extra, ela não pode te punir para sempre.

—Não? - eu já não duvidava de nada.

—Claro que não, aguenta firme que você tem que sair por cima dessa!

Eu estava cansada, irritada e morrendo de saudade do Ron. Com receio dele perceber o que estava acontecendo, eu nem liguei durante essa semana, nos falávamos apenas por mensagens, e eu agradecia profundamente por ele ser tão compreensivo com a minha quantidade insana de trabalho. Porém, na quinta feira, eu me deparei com um limite que até então era invisível para mim. Eu estava andando de uma lado para o outro desde o começo do dia - porque além de tudo, o expediente tinha começado com vários imprevistos - quando a dondoca passou por mim toda felizinha e satisfeita. Me olhou de canto com uma expressão de pena no rosto que já testou a minha paciência mesmo sem ela dizer nada.

—Você devia descansar mais, querida, sua cara não está muito boa ultimamente, tão jovem e com olheiras desse tamanho - a minha vontade era dar a ela uma bela olheira em forma de olho roxo causado pelo meu punho, mas como sempre apenas fingi que não foi comigo.

—Preciso ir, estou sendo esperada.

—Ah, eu também, mas não aqui - ela deu um passo na minha direção e falou mais baixo como se fôssemos confidentes - tenho um encontro daqui a pouco, e sei que vai ser maravilhoso.

—Aproveite, então - ela sorriu muito satisfeita e foi embora.

Plena uma hora da tarde e ela já estava indo embora? E eu ali trabalhando mais do que uma mula de carga, quando a minha vida tinha chegado nesse estado patético? Uma coisa era me matar de trabalhar para fazer algo que eu amava, outra era para ficar conferindo estoques e listas. Não ia dar! Eu não ia ficar ali enquanto ela ia se divertir com algum pobre desavisado que não tinha ideia de onde estava se metendo. Eu sabia que era uma quinta feira e que eu tinha uma tonelada de coisas para fazer, mas fui direto para minha sala, larguei tudo o que tinha nos braços, passei a mão na minha bolsa, decidida a ir embora. Parei apenas para comunicar o Ced que estava indo, recebendo dele um olhar de aprovação.

Eu não sabia muito bem o que faria com aquele tempo livre, o Ron estava no escritório em reunião, então a companhia dele não era possível no momento. Coincidentemente, cheguei ao mesmo tempo que a Ginny no prédio. Ela veio me cumprimentar na janela do carro e foi aí que eu tive uma ideia ótima: aquele seria o nosso dia de shopping. Uma vez por ano ela concordava em passar um dia inteiro no shopping comigo, experimentando e comprando tudo o que pudéssemos colocar as mãos, nada me faria melhor naquele dia.

Chegamos ao shopping, que estava vazio pelo horário e não perdi tempo em arrastá-la para a primeira das minhas lojas favoritas. A Ginny não gostava de experimentar roupas, mas eu sabia que o que ela gostava menos era da ideia de fazer isso, porque todas as vezes ela acabava de divertindo. Separei uma montanha de blusas, saias, calças e vestidos para nós duas, que entramos juntas no provador já que ela era intimada a me mostrar todos os modelos.

—Esses daqui são os que ficaram lindos em você, Gin, vai levar, né? - perguntei esperançosa.

—Mas é quase a pilha toda, Mione!

—Pensa que você vai ficar um bom tempo sem precisar comprar nada novo, vai ter um guarda roupa lindo e renovado a sua disposição.

—Você diz isso, mas ainda estamos na primeira loja - ela me olhou desconfiada.

—Não dá pra renovar um guarda roupa tão fácil assim - constatei o óbvio, mas a minha amiga acabou caindo na risada.

Ela reclamava, mas no fim das contas sempre cedia, eu sabia que ela gostava de ter o que vestir, mesmo que não ligasse muito para isso. A mesma cena se repetiu em outras lojas, nossas mãos cada vez mais cheias de sacolas, até que preferimos deixá-las no carro antes de continuar. Visitamos uma loja de lingerie, porque comigo o serviço era completo, e mesmo com a cara de incrédula da Ginny, ela acabou saindo de lá com vários conjuntos que eu sabia que principalmente o Harry ia amar.

—Pronto, já temos até lingerie, agora você vai me dizer de onde veio esse surto de consumo? Tá demais até pra você - claro que ela ia perceber que eu não estava no meu estado normal.

—Aí, Gin…. - suspirei sem saber como contar, nem o Ron sabia o que estava acontecendo.

—Tem a ver com a vaca da Lilá, não tem?

Como eu já esperava, o Ron tinha colocado a irmã a par da minha situação de trabalho.

—Essa mulher veio do inferno! - reclamei.

—Tá mais pra ter sido expulsa de lá, porque nem o diabo aguenta aquela ali - minha amiga consertou a minha frase em tom maldoso e eu fui obrigada a concordar.

Acabamos nos sentando numa mesa na praça de alimentação e pedindo um café, dessa maneira, a conversa que estávamos tendo desceria mais fácil.

—Ela está me deixando louca, não sei da onde eu estou tirando tanta paciência, qualquer hora vou falar o que não devo.

—Já devia ter falado, com essa vaca não tem meio termo.

—Pronto, mais um me incentivando a perder o emprego - apoiei a testa na mão, rindo sem um pingo de felicidade - o Ced me fala a mesma coisa.

—Não é ele que está sempre certo?

—Ele está certo de que me faria muito bem, mas não para o meu status de pessoa empregada - expliquei.

—O que você pode fazer é ignorar então.

—Juro que estou tentando, mas está cada vez mais difícil, agora ela deu para ter longos passeios ao passado toda vez que me encontra - comecei a imitar a voz esganiçada dela, me contando todas as maravilhas que o Ron fazia para ela.

—Mas é uma filha da puta mesmo! Parece que eu consigo ver o sorriso falso dela ao falar essas coisas.

—Isso provavelmente não mudou nesses anos todos…

—Bem que ela podia cair de uma janela e aparecer lá no hospital para eu ter que colocar um ossos no lugar.

—Só se você prometer não me acusar quando for eu a empurrá-la - me juntei ao plano maldoso,

—Combinado!

Caímos na gargalhada e ainda ficamos mais algum tempo falando mal e planejando várias maneiras de tirar a ex-esposa do Ron das vidas de todos à volta dela. Meu humor já estava bem melhor quando saímos do shopping, Como estávamos com fome, fomos direto para a casa do Ron que. de acordo com a Ginny, não se importaria de cozinhar para nós. Carregamos os braços com as sacolas e a Ginny usou a sua chave para abrir a porta sem que o irmão reclamasse que ela sempre se esquecia de fazê-lo. Minha tarde tinha sido boa, eu estava chegando na casa do meu namorado para completar o dia, parecia que tudo ia terminar bem e eu conseguiria recarregar as energias para continuar a aguentar o tranco que era o meu trabalho, porém eu não podia estar mais enganada. Sentada confortavelmente no sofá, como se estivesse habituada ao ambiente e tudo lhe pertencesse, estava a Lilá. Ao me ver ela lançou um sorriso triunfante e tudo o que eu conseguia pensar era que ela tinha saído horas mais cedo para vir se encontrar com o meu namorado.