O Maior Amor

Capítulo 20


Por Henutmire

—Hur? — Chamo por meu marido ao vê-lo caminhar para longe de mim. Corro até ele e interrompo seus passos ao segurar firmemente em sua mão. — Para onde vai?

—Eu preciso voltar, Henutmire. — Ele responde.

—Você não pode me deixar.

—Neste novo caminho eu não posso seguir você, meu amor. — Hur fala com tristeza, antes de depositar um beijo carinhoso em minha testa. Então, nos olhamos em silêncio por alguns instantes. — Eu não deveria saber te dizer adeus.

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—Então, não diga. — Suplico em meio a lágrimas que rolam por meu rosto. — Por favor, fique comigo.

—Você estará bem aqui e um dia voltaremos a nos ver. — Ele sorri. Aos poucos nossas mãos se separam e sou obrigada a vê-lo cada vez mais distante de mim, sem que eu nada possa fazer para impedir.

Abro meus olhos e no mesmo instante me sento em minha cama, completamente assustada. A luz da manhã ilumina todo o aposento, deixando claro que um novo dia começou. Meu coração bate depressa, devido ao sonho que acaba de me despertar do sono. Maldito seja! Maldita seja essa sensação que tenho de que algo pode me separar de Hur! Sensação essa que não vem de agora, mas tem se intensificado de um tempo para cá. Respiro fundo tentando me acalmar. Há muito que meus sonhos não são simplesmente sonhos, eles sempre querem dizer alguma coisa. Será que eu devo realmente temer que o destino me separe de meu marido?

—Bom dia, senhora. — Leila fala sorridente ao entrar em meus aposentos.

—Bom dia, Leila. — Faço menção de me levantar para me vestir para o dia, como todas as manhãs. Mas, me dou conta de que ainda estou com vestes do dia anterior. — É muito tarde?

—É meio da manhã. — Ela responde. — A senhora esteve adormecida desde a tarde de ontem, chegamos a ficar preocupados.

—Acho que nunca tive tanto sono na vida. — Me surpreendo comigo mesma por ter dormido durante tanto tempo.

—A senhora passou por muitas coisas nos últimos dias, precisava mesmo de uma boa noite de descanso. — Leila fala. — Já preparei seu banho com pétalas de rosas vermelhas e óleos perfumados, como gosta.

—Obrigada, minha querida. — Agradeço. — Sabe onde está Hur?

—Na sala do trono. — Minha dama responde. — Parece que o soberano quer que ele o acompanhe em uma caçada.

—O quê? — Questiono, incrédula. — Por que Ramsés faria isso?

—Talvez para se aproximar dele. — Ela sugere. — A senhora mesma sempre desejou que eles se dessem bem e que o soberano aceitasse Hur como cunhado.

—Apenas estou surpresa, Leila. — Falo com seriedade e preocupação na voz, mas logo começo a rir ao imaginar Hur em uma caçada com meu irmão.

—Do que está rindo? — Leila pergunta.

—Meu marido é um joalheiro, não deve ter o mínimo de jeito para caçadas.

—Nisso a senhora tem razão. — Ela concorda rindo. — Mas, é justamente por saber lidar com jóias que meu sogro sabe cuidar tão bem da princesa.

—Agora foi a sua vez de me deixar sem palavras. — Falo e minha dama sorri.

—A senhora é uma verdadeira raridade, princesa. — Leila se aproxima para me ajudar a tirar as jóias e adornos. — Um coração tão nobre como o que possui é uma jóia rara e preciosa, um modelo único feito por Deus.

—Por deus? — Indago curiosa. Sei que Leila se refere ao deus de seu povo.

—Sim. Pode não acreditar, mas Deus já a conhecia quando estava ainda no ventre de sua mãe e ali mesmo começou a forjar seu coração. — Ela responde. — Deus criou a senhora com um grande propósito.

—E que propósito seria esse?

—Cuidar e proteger o homem que nosso Senhor usaria para ser o libertador de seu povo.

Eu nada respondo a Leila, pois diante de suas palavras fico intensamente pensativa. Joquebede disse que tudo o que aconteceu em nossas vidas já era plano do deus dos hebreus, que nada aconteceu por acaso. Então, será que esse deus me usou para salvar Moisés, mesmo sem que eu me desse conta?

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Por Tany

—Bom dia, altezas. — Alon reverencia a mim e a minha irmã ao se encontrar conosco no jardim.

—Bom dia, Alon. — Sorrio. Não nego que este rapaz tem chamado a minha atenção e provocado dentro de mim coisas que não compreendo. Eu não deveria dar-lhe tanta atenção, já que é o guardião daquela que considero minha pior inimiga. Mas, simplesmente não consigo ignorá-lo.

—Andando pelo palácio sem sua senhora? — Hadany pergunta secamente.

—A senhora Anat está no santuário fazendo suas orações. — Ele responde. — O príncipe me aguarda no campo de treinamento, não posso deixá-lo esperando.

—Tome cuidado. — Falo. — Amenhotep é um excelente guerreiro.

—Não se preocupe, princesa Tany. Asseguro que já enfrentei feras muito piores que a habilidosa espada do príncipe. — Alon lança um olhar para Hadany que sou incapaz de decifrar. Em seguida, ele toma minha mão direita e deposita um beijo sobre ela. O mesmo faz com minha irmã, que não parece nada satisfeita com isso. — Com licença de vossas altezas.

—Eu odeio esse garoto! — Hadany exclama assim que Alon nos deixa sozinhas.

—Não acha que é cedo para odiar alguém que mal conhece? — Pergunto.

—E nem quero conhecer! — Ela responde, nervosa. — Alon veio para o palácio com Anat e isso basta para eu querer manter distância dele.

—Eu notei a forma como ele te olha. — Falo. — Parece gostar de você.

—Pelos deuses, Tany! Não repita isso. — Minha irmã pede, mas eu não entendo sua reação. — Alon teve a ousadia de me cortejar.

—Então, ele está apaixonado por você? — Pergunto um pouco desapontada, mas não entendo o porquê disso.

—Segundo ele, sim. Mas, eu não acredito. — Hadany responde. — Como você mesma disse, mal nos conhecemos.

—Mas, se ele insistir, pode acabar conquistando seu coração.

—Isso jamais acontecerá! Alon pode fazer o que quiser, mas nunca terá de mim o que deseja. — Ela decreta. — Eu só espero que a espada de Amenhotep atravesse a garganta daquele petulante.

(...)

Hoje, tia Nefertari está especialmente diferente. Parece ter abandonado a seriedade de rainha do Egito e se entregado a serenidade de alguém que apenas está contente com a vida. Ela e Mayra estão se refrescando na piscina real e as duas se divertem na água. Suas risadas contagiam o ambiente e até se pode dizer que são aquilo que realmente são: mãe e filha. Hadany e eu observamos tal cena incrédulas, mas ao mesmo tempo felizes pelo brilho de alegria que vemos nos olhos de nossa prima.

—Não sei o que houve com tia Nefertari, mas garanto que Mayra adoraria que todos os dias fossem assim. — Hadany cochicha comigo.

Sorrio para minha irmã como resposta, mas também para tentar ocultar meu medo por minha prima. Mayra é apenas uma criança e seus sentimentos são tão frágeis como um cristal. Se tia Nefertari mudar novamente de atitude e voltar a tratar a filha da forma que sempre tratou, Mayra sofrerá ainda mais do que se este momento de carinho entre ela e a mãe nunca tivesse existido.

Então, o ambiente de alegria é interrompido pela chegada de Anat, que está em trajes próprios para um banho de piscina. Somente a sua presença é capaz de deixar sombrio qualquer lugar, mas poucos vêem isso. Ela não se aproxima de mim e de Hadany, mas seu olhar recai sobre nós e um sorriso pleno de falsidade nos é dirigido.

—Que bom que aceitou meu convite, Anat. — Tia Nefertari fala sorrindo. — Entre, a água está ótima.

—Eu posso sair, mamãe? — Mayra pergunta.

—Pode sim, filha. Aproveite e coma alguma fruta, está bem? — Ela pede e minha prima concorda.

Mayra sai da piscina e vem correndo em direção a nós, enquanto Anat entra na água para fazer companhia a minha tia. Hadany logo envolve nossa prima em um pano branco de linho fino para que se seque. Sinto minha boca seca e me sirvo de água. Levo a taça aos lábios, mas depois do primeiro gole o que sinto não é o gosto da água pura e fresca que mataria minha sede e sim de algo que jamais provei antes. Apavorada, deixo cair a taça ao ver que o líquido dentro dela é de um tom de vermelho vivo, como sangue.

—Tany! O que houve com você? — Hadany pergunta assustada ao ver minhas vestes manchadas e meus lábios mais avermelhados do que nunca.

—A água... — Respondo. — É sangue!

—Mamãe! — Mayra exclama apavorada ao ver uma grande mancha vermelha tomar por completo as águas da piscina.

—Tia Nefertari! — Hadany chama, mas não vemos nossa tia e muito menos Anat.

É então que a rainha emerge da água, bem como a sacerdotisa. Ambas estão totalmente banhadas em sangue, de tal forma que não se pode ver o tom claro de sua pele. Anat não diz uma palavra, mas seu olhar perplexo ao olhar para si mesma chega a ser assustador. Por sua vez, minha tia contempla seu corpo avermelhado com assombro e logo se ouve seu grito apavorado ecoar pelo palácio.

—Por Ísis! — Karoma exclama, tão assustada quanto todos os que se aproximaram da piscina real.

—Toda a água virou sangue. — Falo, sem acreditar no que meus próprios olhos estão vendo.

—Fomos amaldiçoados. — Hadany fala, segurando Mayra junto a si.

Por Henutmire

—Eu não consigo aceitar essa situação, Leila. — Falo, me referindo ao confronto entre Ramsés e Moisés. — Eles foram criados juntos, cresceram juntos e agora não conseguem se entender.

—Não seria diferente, senhora. — Leila fala. — O soberano não vai se submeter a receber ordens de um deus que não seja ele próprio.

—É justamente isso que me preocupa! Ramsés é vingativo e é capaz de qualquer coisa para não ter seu poder desafiado. — Falo, andando de um lado para o outro devido ao meu nervosismo. — Eu tenho tanto medo por Moisés, não quero nem imaginar se... — Paro de falar pois sinto meu coração acelerar e o ar me faltar.

—Acalme-se, princesa. — Minha dama me ajuda a me sentar em minha cama. — Vou pegar um pouco de água para a senhora.

Levo uma de minhas mãos a meu peito, tentando me recompor e controlar minha respiração. É então que o grito estridente de Leila me assusta, juntamente com o som da taça de ouro ao cair no chão. Ela se vira para mim e seus olhos estão completamente tomados pelo pavor. Noto suas vestes brancas manchadas de vermelho, o que me deixa preocupada.

—O que houve, Leila? — Pergunto ao me aproximar dela. — Você se machucou?

—Não! É a água... — Ela responde, ainda assustada. — Veja! — Leila pega a jarra e despeja seu líquido em uma taça.

—Mas, isso é... — Faço uma breve pausa ao ver o líquido avermelhado sair da jarra e cair dentro da taça. — sangue.

—Mamãe! — Tany entra afoita em meus aposentos.

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—Minha filha! — Me desespero ao ver as vestes de Tany manchadas de sangue, assim como as de Leila.

—Foi horrível, mamãe! — Ela me abraça, demonstrando o quanto está apavorada. — Eu estava bebendo água e de repente ela virou sangue.

—Se acalme, meu amor. — Peço, abraçando minha filha mais forte. — Sua irmã, onde está?

—Está com Mayra, tentando acalmá-la. — Tany responde ao se separar de mim. — Ela estava conosco e viu quando as águas da piscina se transformaram em sangue.

—Na piscina real também? — Leila pergunta.

—Sim. Tia Nefertari e Anat estavam nadando quando tudo ficou vermelho e elas saíram da água completamente ensanguentadas. — Minha filha me olha. — Nós fomos amaldiçoados, mãe?

—Eu não sei, minha filha. Mas, fique calma. — Respondo. — Vá com Leila, vocês precisam trocar esses vestidos.

—Me deixe ficar com a senhora, mamãe. — Tany pede ao me abraçar novamente. — Eu nunca vi nada parecido com isso em toda a minha vida, estou muito assustada.

—Está bem. — Concordo. — Leila, por favor, traga um vestido limpo para Tany depois que você se trocar.

—Não precisa, eu mesma trouxe. — Hadany entra nos aposentos trazendo nas mãos um belo vestido azul, igual ao que está vestida. — Leila, suas vestes...

—A água se transformou em sangue, princesa. — Minha dama fala.

—Então, está por todo o palácio. — Hadany conclui.

—Vá se trocar, minha querida. — Falo para Leila, que em seguida se retira.

Hadany ajuda a irmã a se trocar, enquanto eu tento entender o que pode estar acontecendo no palácio. Como é possível que do nada a água tenha se transformado em sangue? Em toda a minha vida jamais ouvi falar de algo assim e muito menos pensei que os deuses poderiam nos punir dessa maneira. Por Ísis! O que será de todos nós sem água?

—Está mais calma? — Hadany pergunta. Eu não posso evitar sorrir ao me dar conta de que minhas filhas usam vestes da mesma cor que as minhas.

—Um pouco. — Tany responde, ainda um pouco trêmula. — O que aconteceu hoje não é algo que presenciamos todo dia.

—Fiquem tranquilas, minhas filhas. — Eu as abraço. — Logo saberemos o que está acontecendo.

—Henutmire! — Hur entra desesperado em nosso quarto, mas seu olhar parece se tranquilizar ao me ver com nossas filhas. — Vocês estão bem?

—Elas estão muito assustadas. — Respondo. — A água do palácio...

—Virou sangue. — Hur me interrompe e completa o que eu ia dizer.

—O senhor já soube? — Hadany pergunta.

—É uma praga enviada por Deus. — Ele responde. — Eu vi quando aconteceu.

—Como assim? — Indago.

—Eu estava com o soberano quando Moisés e Arão se aproximaram de nós. Moisés pediu novamente ao rei que deixe os hebreus irem oferecer sacrifício ao Senhor no deserto, mas Ramsés não permitiu. — Meu marido fala. — Então, Moisés ordenou a Arão que tocasse nas águas do Nilo com seu cajado e quando ele assim o fez todo o rio se tornou sangue.

—Pelos deuses! — É o único que consigo dizer.

—Foi algo assustador, Henutmire. — Hur fala, atordoado. — Todo o Nilo vestiu-se de vermelho rubro, os peixes morreram...

—Aqui no palácio também não foi nada agradável a chegada dessa... praga. — Tany fala. — Todos estão apavorados, falam até em uma maldição dos deuses.

—Se essa situação permanecer por muito tempo, nós morreremos. — Hadany fala, já se assustando com a possibilidade. — Ninguém sobrevive sem água.

(...)

—Beba, Henutmire. — Hur insiste para que eu beba o suco de romãs que Gahiji nos trouxe.

—Não consigo, está muito forte. — Recuso a bebida, mesmo estando com sede. — Somente o cheiro está me causando náuseas.

—Quer que eu peça a Gahiji que prepare um suco de outra fruta?

—Não precisa, meu amor. Eu não vou conseguir beber nada agora. — Falo. — Além disso, Gahiji mal conseguiu preparar este suco por causa da falta de água.

—Será que essa praga vai durar por muito tempo? — Ele pergunta.

—Eu espero que não, ou todos vamos padecer. — Respondo. — Essa praga na verdade é uma maneira que o deus dos hebreus encontrou de forçar Ramsés a ceder. Mas, eu conheço meu irmão. Sei que ele não vai se dar por vencido tão facilmente, mesmo que isso afete o nosso povo.

—Ouvi comentários de que o soberano mandou chamar dois magos poderosos ao palácio, encantadores que lidam com ciências ocultas.

—Janes e Jambres, com certeza. Eu os conheci na época de meu pai. Foram banidos do templo por não seguirem os rituais de acordo com as orientações dos sacerdotes e por invocarem os mortos para atrapalhar os vivos. — Falo e Hur se mostra espantado. — Depois se disseram arrependidos e foram perdoados, mas eu não acredito no arrependimento deles. São homens sem escrúpulos.

—E até onde vai o poder deles? — Meu marido pergunta. — Será que podem ameaçar Moisés de alguma forma?

—Eu espero que não, Hur. — Falo. — Espero também que esse deus invisível proteja meu filho, já que ele o escolheu para esta tal missão.

—Mãe... — Ouço Hadany chamar por mim, mas não a vejo deitada em minha cama, onde dormia ao lado da irmã, e sim caminhando em minha direção. — Temos algo para beber?

—Gahiji trouxe suco de romãs. — Hur entrega a taça a nossa filha.

—Está muito forte. — Ela reclama ao tomar um gole do suco e repudia a bebida.

—Faça um esforço, beba ao menos um pouco. — Insisto. — É melhor do que ficar com sede.

—Está bem. — Minha filha volta a beber o suco, mesmo contrariada. — Posso dar um pouco a Tany? Ela não bebeu nada o dia todo.

—Claro que sim, filha. — Sorrio para ela.

—É tão bonita a forma como elas cuidam uma da outra. — Hur fala sorrindo, enquanto vemos Hadany dar de beber a Tany.

—E continuarão a ser assim quando não estivermos mais aqui para cuidar delas. — Seguro a mão de meu marido. — Me prometa que vai me deixar partir primeiro?

—Só se você prometer que irá me esperar para partirmos juntos. — Ele sorri ao me abraçar e então eu tento fazer com que o calor de seus braços desapareça com esse medo que tenho de perdê-lo.

(...)

Já é o quarto dia da praga de sangue. Nas ruas do Egito, muitos já morreram de sede e outros estão desfalecidos pelos cantos, aguardando que a morte venha também lhes buscar. No palácio, muitos já estão acamados, terrívelmente adoentados pelos males que a falta de água no corpo pode trazer. Estamos mergulhando no caos e tudo por culpa da teimosia e do orgulho de Ramsés. A notícia de que havia água limpa na vila logo chegou aos ouvidos do rei. Mas, além de proibir qualquer um do palácio de ir até lá, meu irmão ordenou que Janes e Jambres contaminassem a água dos hebreus. Agora, egípcios e escravos podem estar padecendo pela falta de água.

Todavia, o que mais me preocupa é a minha família. Tany tem a saúde a frágil e eu temo que ela não consiga resistir por muito tempo. Minha filha já não se levanta da cama. Uma febre alta vem e vai, deixando-a cada vez mais fraca. Os poucos sucos de fruta que Gahiji consegue preparar não estão ajudando em nada. Não posso negar que estou com medo de perder minha filha, mas tento não deixar isso transparecer. Por sua vez, Hadany tem resistido bem à praga, mas também já não possui a mesma força de antes. Passa mais tempo deitada ao lado da irmã e evita falar, para que isso não aumente sua sede ainda mais.

—Com licença, princesa. — Chibale pede ao entrar em meus aposentos.

—Entre, Chibale.

—Trouxe o vinho que pediu. — Ele coloca na mesa a bandeja com uma jarra e duas taças.

—E Leila? — Pergunto, já que pedi a minha dama que buscasse o vinho para mim.

—Ela foi ver Uri, parece que ele não está nada bem. — Chibale responde, me deixando preocupada com meu enteado. — Mas, não se preocupe, senhora. Esta manhã também me senti muito mal, mas o sumo sacerdote soube como cuidar de mim. Certamente fará o mesmo por Uri.

—Assim espero. Hur não suportaria perder o filho.

—Elas estão bem? — Chibale pergunta ao dirigir seu olhar para minhas filhas adormecidas na cama.

—Na medida do possível. — Respondo, com voz embargada. — Pode ir, Chibale. Muito obrigada.

—Ao seu dispor, alteza. — O rapaz faz uma reverência, antes de se retirar dos aposentos.

—Se eu continuar bebendo vinho para matar a sede, vou acabar bêbada e sedenta. — Falo para mim mesma enquanto me sirvo de vinho.

—Falando sozinha, Henutmire? — Hur pergunta ao entrar.

—Talvez escutar o som de minha própria voz não me deixe enlouquecer de preocupação. — Respondo ao olhar para minhas filhas e perceber quão fracas elas estão. — Não aguento mais ver nossas meninas nessa situação, Hur.

—Elas são mais fortes do que parecem, meu amor, e herdaram isso de você. — Ele fala. — Seja forte também, logo tudo isso vai acabar.

—Tomara que você esteja certo. — Falo. Levo a taça a meus lábios e logo bebo do vinho, que não acaba com minha sede.

Por Anat

—Onde estava? — Me assusto com a presença de Alon.

—O que está fazendo em meus aposentos? — Respondo com outra pergunta.

—Eu perguntei primeiro.

—Fui a cozinha de Gahiji procurar algo para beber. — Respondo.

—E encontrou? — Ele me olha, desconfiado.

—Nada além de vinho, e você sabe que como sacerdotisa eu não posso exagerar com bebidas desse tipo. — Falo. — Os sucos de fruta estão muito fortes porque não há água para diluí-los.

—Não sobreviveremos se essa situação permanecer por muito tempo. — Alon fala, mas logo em seguida começa a sentir-se mal. Seu rosto fica pálido e com dificuldade ele se senta em uma cadeira.

—O que houve, Alon? — Me aproximo dele, preocupada.

—Meu coração... — Ele responde, mas sua respiração é pesada. — Está batendo muito depressa.

—Se acalme. — Peço. — Isso é normal devido a falta de água no organismo.

—Eu não quero morrer, Anat. Não desse jeito.

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—Cale essa boca! Você não vai morrer. — Eu o repreendo. — Você tem a obrigação de me proteger, lembra?

—Você é péssima em argumentos, sabia? — Ele fala rindo.

—Mas, posso garantir que te convenci. — Falo. Então, coloco um pouco de vinho em um taça. — Beba, vai se sentir melhor.

Alon sequer tem forças para segurar a taça, então eu mesma levo-a até sua boca e faço-o beber o líquido, que mesmo não sendo a água pura que todos no palácio desejam, irá ajudá-lo a se manter de pé. Sempre me preocupei muito com Alon, desde que cheguei ao templo de Om e soube que fora abandonado ali por sua mãe. Quando nos conhecemos ele era apenas uma criança, mas cresceu e se tornou um dos guerreiros mais valentes da cidade, se tornou o meu guardião e um grande amigo. Nunca entendi muito bem todo esse carinho que tenho por Alon, mas se há alguém no mundo que eu não suportaria perder esse alguém é ele.

Por Hur

Tento me manter firme por Henutmire e minhas filhas, mas a verdade é que esta praga tem me afetado mais do que eu esperava. Como Hadany e Tany têm passado os dias e as noites em nosso quarto, tenho dormido desconfortavelmente no divã. E na noite anterior, eu pude notar que estava febril e que meu coração batia mais depressa do que de costume. Não contei nada a Henutmire, é claro. Minha esposa já está muito preocupada com nossas filhas, com Moisés e até mesmo com todo o Egito. Tão preocupada que às vezes esquece que também precisa cuidar de si.

—Pai... — Tany fala com voz baixa ao abrir seus olhos e me ver ao seu lado.

—Estou aqui, minha filha. — Sorrio para ela.

—Onde está a mamãe? — Ela pergunta.

—Foi buscar roupas limpas para você e sua irmã. — Respondo. — O que você quer?

—Estou com sede.

Não temos mais suco de frutas no quarto e tampouco acho que Gahiji tenha conseguido preparar outros. O único que há aqui é o vinho do qual Henutmire bebeu. Então, coloco um pouco na taça e dou a Tany.

—É vinho! — Ela protesta ao sentir o sabor da bebida em sua boca. — Não posso beber isso.

—É o único que ainda temos, Tany. — Falo. — Beba. Só um pouco não há de fazer mal.

Minha filha então bebe o vinho da taça, mas a expressão de seu rosto demonstra que não está acostumada a esse tipo de bebida. Por isso tive o cuidado de dar-lhe bem pouco, apenas para que sua boca não fique seca. Todavia, eu sei que vinho e suco de frutas não estão matando a sede de ninguém no palácio e no Egito. Me assusto com o despertar súbito de Hadany, que rápidamente inclina seu corpo contra a cama, colocando a cabeça para fora. Então eu me dou conta de que foi acometida por um forte enjôo, pois acaba vomitando.

—Hadany! — Chamo por minha filha, completamente preocupado. — Você está bem?

—Estou. — Ela fala com os olhos fechados ao deitar-se novamente. — Paser disse que isso poderia acontecer.

Hadany leva sua mão até a bandeja colocada ao lado da cama. Dela, tira um cacho de uvas suculentas e logo coloca-as em sua boca. A água presente na fruta parece saciar sua sede. Mas, por quanto tempo?

—Senhor, Deus de meu pai, eu sei que até hoje não o servi como deveria e como me foi ensinado. Sei que cresci em meio a cultura egípcia e que me adaptei a ela. — Mesmo em silêncio, clamo ao Deus de meu povo com minha alma angustiada. — Mas, por favor, eu lhe peço que poupe minha esposa, minhas filhas e meu filho deste sofrimento. Não permita que esta praga roube a vida das pessoas que mais amo no mundo.

Por Henutmire

Meus lábios anseiam por uma única gota de água que seja e isto me faz pensar por quanto tempo vou suportar essa situação. Se esta praga durar até que Ramsés resolva ceder, inúmeras vidas serão perdidas e a minha estará entre elas. Agora entendo o sonho que tive com meu pai, onde ele me pedia para salvar o Egito. Mas, como posso fazer isso? Se Ramsés, que é o rei, não quer impedir que o nosso reino pereça, como eu que sou apenas a princesa posso salvá-lo?

—Princesa Henutmire. — Radina me reverencia ao nos encontrarmos em frente as portas do quarto de Hadany. — Estava mesmo indo a sua procura.

—Aconteceu alguma coisa?

—É a princesa Mayra. Acabo de sair de seus aposentos para ir em busca de algo que ela possa beber. — Ela responde. — Sua sobrinha está muito debilitada por causa da praga. Pediu que a senhora vá vê-la.

—Irei agora mesmo. — Minha preocupação aumenta ao saber do estado de minha sobrinha. — Agradeço por estar cuidando dela, Radina.

—Não precisa agradecer, alteza. — A princesa núbia sorri.

Minha intenção é ir o mais depressa possível aos aposentos de Mayra, mas ao dar o primeiro passo simplesmente não consigo continuar andando. Uma intensa dor em meu ventre me faz gritar, o que assusta Radina. Ela logo me ampara em seu braços e seus olhos demonstram preocupação para comigo. Levo minha mão direita até o local da dor, tentando comprimí-la, mas de nada adianta.

—O que houve, princesa? — Radina pergunta.

—Estou sentindo muita dor. — Falo. Então, me apavoro ao ver minhas vestes serem tomadas por sangue.

—O que faço, senhora? — Ela pergunta, também assustada com o que está acontecendo comigo.

—Me ajude a entrar aqui. — Peço. Me apóio em Radina e logo entramos nos aposentos de Hadany. A dor que sinto é tão intensa que mal consigo caminhar até a cama de minha filha. Dor semelhante a esta só senti quando perdi meus bebês por causa do veneno que Yunet me fez ingerir.

(...)

—O que houve comigo? — Pergunto ao ver a expressão séria e ao mesmo tempo triste de Paser.

—A princesa precisa de muito repouso daqui em diante, para se recuperar por completo. — Ele fala.

—O que houve comigo, Paser? — Pergunto novamente ao notar que o sumo sacerdote evitou responder a minha pergunta.

—A senhora estava grávida. — Paser responde e eu me surpreendo grandemente. — Mas, acaba de perder o bebê.

—Tem certeza disso? — Questiono. — Eu não posso ter engravidado com a idade que tenho.

—Mas, foi o que aconteceu. É uma lástima que tenha perdido a criança. — Ele me olha com carinho. — Eu sinto muito.

—O que pode ter causado a perda de meu filho?

—Eu não saberia dizer ao certo, minha senhora. — O sumo sacerdote fala. — Mas, talvez a situação atual do reino tenha influenciado.

—A falta de água... — Concluo. Somente isto pode ter provocado a perda desse filho que eu sequer sabia que esperava. O silêncio toma conta de todo o aposento e se as lágrimas que escapam de meus olhos produzissem algum som, este seria o único som a ser ouvido.

—Cuide dela, Radina. — Paser pede. — Se precisar de qualquer coisa, mande me chamar.

—Claro. — Radina diz. Ela se aproxima da cama, assim que o sumo sacerdote se retira. — Eu sinto muito, princesa.

—Eu também, Radina... — Falo, dominada pela tristeza. — Eu também.

—O que posso fazer pela senhora? — Ela pergunta ao segurar minha mão entre as suas.

—Não quero que diga nada a ninguém sobre o que aconteceu aqui. — Falo. — Ninguém deve saber sobre esse filho que perdi, nem mesmo o meu marido.

—Como vossa alteza quiser. — Radina fala. — Agora, descanse. Irei buscar vestes limpas para a senhora.

Ela deixa o quarto e eu fico em companhia de minha dor. Gostaria de agradecer a Radina por concordar em manter segredo e por cuidar de mim, mas não consigo. Não consigo porque o choro travado em minha garganta não permite que palavra alguma saia de minha boca. Jamais pensei que sentiria novamente a dor de perder um filho ainda no ventre, de não ser capaz de dar-lhe a vida. Dor que Yunet muitas vezes me provocou, mas que agora é culpa dessa praga, ou melhor, é culpa de Ramsés. Se meu irmão tivesse permitido que os hebreus partissem para o deserto para prestar culto ao seu deus, nada disso estaria acontecendo. Eu não estaria sendo obrigada a ver a vida de minhas filhas se esvaindo aos poucos sem que eu nada possa fazer para impedir, pois a minha própria vida está também me deixando e parte dela acaba de ser condenada a morte antes mesmo de ter vivido.

—Me perdoe, meu filho. — Choro intensamente. — Me perdoe por não ter te dado o direito da vida, mesmo sem saber que você crescia dentro de mim.