Remember Me

Imposição


Quando se aproximou dos portões principais do palácio, Ja’far sentiu como se sua presença fosse aguardada. Lá estava Hinahoho, que tinha o cenho franzido e os braços cruzados enquanto o encarava. Bem diferente de Drakon, que não conseguia disfarçar o quanto estava incomodado com aquela situação. E ao seu lado estava uma bela moça de longos cabelos castanhos e que carregava o mesmo pesar em sua expressão. Porém, apesar de Ja’far não tê-la reconhecido, ela lhe parecia bastante familiar.

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— Espero que não tenha esquecido nada. - ríspido, Hinahoho deu um passo à frente.

É, ele realmente estava sendo esperado para que partisse - Ja’far constatou com aquela afirmação. Tudo o que pôde fazer foi assentir, engolindo a seco, instintivamente olhando para trás como se quisesse, nem que fosse por uma última vez, voltar para ver Sinbad.

— Eu não acredito que está indo embora, Ja’far!

Afastando-se de Drakon, a mulher seguiu até aquele que era pouco mais alto que ela, tomando suas mãos com carinho. Havia lágrimas acumuladas em seus olhos e ela tentava, com muito esforço, não derramá-las. Mas foi impossível contê-las quando cruzou olhares com o curioso Ja’far, que exibia sua total falta de reconhecimento quanto à identidade da moça.

— Err… É o melhor… Eu acho. - gaguejando, ele se sentiu desconfortável e aquilo não passou despercebido a ela.

— M-Me desculpe. - envergonhada, ela desviou o olhar. - Não deve… se lembrar de mim.

— Não, não! - ele balançou a cabeça negativamente. - Na verdade eu é que devo desculpas porque… não a reconheço.

A larga sombra que os cobriu anunciava a chegada de Drakon, que tocou os ombros tanto de sua esposa quanto o de Ja’far.

— Ja’far, essa é a Sahel. Ela é minha esposa.

— Ah…

E por mais que Ja’far quisesse agir com naturalidade e preencher mais uma lacuna nos espaços vazios de suas lembranças, tudo o que ele conseguia pensar naquele momento era como aquele casal conseguia se relacionar com tantas… diferenças. Aliás, por que aquele homem tinha aquela aparência? - ele se questionava, permanecendo apático ao ser confrontado por tantos questionamentos.

— M-Muito prazer, Sahel-san. - ele se curvou.

Era como se um golpe forte a atingisse ao ver Ja’far agir daquela forma. Ele realmente não se lembrava de nada e era muito difícil, para cada um, perceber que suas existências eram completamente insignificantes para Ja’far - ao menos naquele momento.

Entreolhando seu marido ela mordeu o lábio inferior, bastante consternada com o que sucedia.

— C-Com licença, Ja’far...

O ex-conselheiro de Sindria nada entendeu ao ver a moça correndo para o interior do palácio, deixando-os de forma tão abrupta. Ela não queria exibir as lágrimas que a venceram e, de qualquer forma, aquele Ja’far não entenderia seus sentimentos.

— S-Sinto que fiz algo errado com sua esposa. - Ja’far se voltou a Drakon. - Me perdoe!

— Não se preocupe. Sahel vai ficar bem.

— Ela não devia ter vindo. - Hinahoho finalmente se fez ouvir. - Enquanto sofremos, Ja’far está rindo da nossa cara, de como somos estúpidos!

— Anh?! - ele arregalou os olhos verdes. - Eu jamais faria isso! Só estou tentando entender o que está acontecendo! Não ajo assim de propósito!

— Como fez com o Sinbad?! Destratando-o de todas as formas?!

— Eu já disse que… - será que devia dizer? Estaria traindo En? - que o Kouen havia me dito coisas terríveis de vocês, de seu rei, mas eu vim aqui e constatei que as coisas são diferentes! Eu quero voltar para Kou para esclarecer a ele que vocês são boas pessoas, assim como o En, digo, - ele rapidamente se corrigiu. - Kouen é!

— Kouen uma boa pessoa?!

Hinahoho gargalhou alto o suficiente para constranger Ja’far. Definitivamente, para o general de Sindria, “Kouen” e “boa pessoa” eram um substantivo e uma expressão que não cabiam na mesma frase.

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Parecia que tudo o que Ja’far dizia era simplesmente ignorado. E por mais que soubesse que tinha cometido erros ao chegar ali, ele havia feito de tudo para lhes explicar o que havia acontecido, ao menos por seu ponto de vista.

— Ja’far… - o robusto homem ainda ria quando o encarou. - por acaso sabe como chegou a Kou?! Melhor: sabe como perdeu sua memória?

Aquela pergunta… Ja’far nunca havia sequer questionado o que havia lhe acontecido. Tudo o que Kouen lhe dissera é que tinha sofrido “um acidente”. Que acidente?

Sentiu suas têmporas latejarem, mas não era hora de ceder àquela confusão.

Ele encarou Hinahoho e lhe respondeu firmemente:

— Claro que sei!

A mentira estava estampada em seu olhar. Impossível acreditar, ainda mais quando os punhos dele, cerrados, tremiam tanto.

— Mas isso não importa, já que está me enxotando daqui, certo? - Ja’far o desafiou. Era a melhor maneira de evitar entrar nos detalhes dos quais ele não tinha conhecimento. - Eu também estou louco para ir embora daqui e não ser mais hostilizado por você e nem por ninguém!

— J-Ja’far-san… - Drakon gaguejou, surpreso com a audácia daquele que conhecia desde que era uma criança, ainda mais ao vê-lo desafiar Hinahoho.

— Ótimo! Também não aguento mais ver um falso que usa a aparência de quem tanto estimamos! - retrucou Hinahoho. - Espero que nunca mais volt...

— NINGUÉM VAI EMBORA DAQUI!

Aquela voz chamou a atenção não só dos três, mas de todos os servos que assistiam, mesmo que de longe e receosos, a calorosa discussão e agora eram surpreendidos com a chegada de seu rei.

Ja’far se virou para trás para encontrar um abatido Sinbad, que tinha as costas cobertas por um lençol por cimas das roupas de dormir. Ele se abraçava naquele agasalho e, mesmo estando debilitado o rei fuzilava Hinahoho com seu olhar.

— S-Sin! - Ja’far correu até o moreno. - O que está fazendo fora da cama e aqui fora?! Está tremendo!

— Eu sabia que estava mentindo!

A decepção refletida no rosto de Sinbad fez o peito de Ja’far se comprimir. Sentia-se sujo.

— Eu sonhei… que você tinha ido embora! E era verdade... Pensei que não chegaria a tempo!

— Sin…

— Não vou deixar que vá embora, Ja’far! - ele segurou o pulso do alvo. - Não vou! - ele reafirmou com obstinação.

— Sinbad, você não está em seu juízo perfeito. Oe, - Hinahoho chamou os criados que assistiam de um canto. - levem a vossa majestade para seus aposentos, ele precisa descansar. Está vendo o transtorno que causa aqui, Ja’far? Por sua culpa o Sinbad não está em repouso como devia!

Os criados assentiram e rapidamente se aproximaram quando Sinbad segurou mais firmemente Ja’far.

— NINGUÉM VAI ME TIRAR DAQUI! - vociferando, o rei praticamente rosnou para seus servos. - Como rei de Sindria, eu ordeno que está proibido que Ja’far deixe o palácio!

— Anh?! - Ja’far piscou. - Está louco?! Não pode…

— Eu posso! - refutou um ofegante Sinbad. - Eu posso sim! E se ousar sair por esse portão, eu juro que mando o trancarem! Eu não vou deixar que vá embora! Eu não permito que… que me deixe!

A fraqueza fez com que suas pernas, já bambas, cedessem e ele caísse de joelhos ao chão. Ja’far, ao mesmo tempo em que estava assustado com a imposição de Sinbad, preocupava-se com o estado dele, ajoelhando-se para ampará-lo. Não só Ja’far, mas Hinahoho, que se aproximou, também.

— Veja seu estado, Sinbad! É assim que quer aparecer diante de seu povo? Dos seus servos? Um fraco que se rasteja para um assassin…

— CALA A BOCA! - exclamou o moreno que tinha os ombros cobertos pelas mãos de Ja’far. - Como pode falar assim do Ja’far?! O QUE ACHA QUE A RURUMU DIRIA SE O VISSE TRATANDO O JA’FAR ASSIM?! QUEM VOCÊS TRATAVAM COMO UM FILHO?!

“Rurumu?” - Ja’far arregalou os olhos ao ouvir aquele nome. De quem estavam falando? Seria o nome daquela mulher que aparecia naquelas desconexas lembranças de sua infância?

O choque atingiu não apenas o ex-conselheiro daquele país, mas também Hinahoho que, parecia, finalmente ter caído em si. O que estava fazendo com Ja’far, que era tão querido não só por sua esposa, como por ele também? Inevitável não se lembrar da mulher que tanto amou cuidando e mimando daquele que conheciam desde a infância tão conturbada.

— Eu entendo que querem meu bem, se preocupam comigo, mas A PIOR COISA QUE PODEM FAZER COMIGO É ME AFASTAR DO JA’FAR! Por fa...

A fala de Sinbad foi interrompida por uma incessante tosse, que o fez se curvar para frente.

— Oe, Sin! Acalme-se! Por favor, tragam água! - Ja’far se voltou aos servos.

Hinahoho suspirou pesado. Mas o peso daquele suspiro não era nada comparado ao peso que sentia em suas costas. Sinbad estava certo e, com certeza, sua esposa estaria envergonhada em ver como ele estava fazendo de tudo para afastar aqueles dois. Mais ainda, como estaria decepcionada ao vê-lo destratar Ja’far.

Sinbad se agarrou às vestes de seu conselheiro e, recuperando o fôlego, reuniu forças para lhe suplicar:

— Não vai, por… por favor, tá?

— Sin…

Ja’far não teve outra reação que não fosse abraçá-lo firmemente. Era nítido o quanto Sinbad estava lutando para tê-lo ao seu lado, ignorando sua própria saúde, a relação com seus amigos. Por mais que enclausurá-lo parecesse doentio, Ja’far não podia julgá-lo a partir do momento em que desculpou En pelas mentiras que disse para lhe afastar de Sinbad.

Hinahoho balançou a cabeça negativamente e os deixou, saindo pelos portões principais do palácio. Ele precisava ficar sozinho, enquanto que seu rei… precisava de Ja’far.

—------xxxxxx------

— Não, alteza. Ninguém viu o príncipe Kouen hoje.

Era a décima vez que ouvia um dos servos lhe informar aquilo.

O segundo príncipe, Ren Koumei, havia procurado por todo o palácio qualquer traço de seu irmão mais velho. Seus aposentos estavam vazios e parecia que ele nem ao menos tinha dormido em sua cama, completamente arrumada. A biblioteca, seu escritório. Ninguém havia visto Kouen. Ele estava preocupado. Será que ele havia encontrado uma forma de ir a Sindria? Havia ido tão longe em nome daquela loucura que era sua paixão por aquele assassino nojento? - Koumei se perguntava enquanto caminhava pelos corredores do palácio. Foi quando suas vistas foram tomadas pela escuridão e ele sentiu mãos suaves cobrindo seus olhos.

— Adivinha quem é?! - uma voz animada perguntou. - Se errar vai ter que me dar um beijo.

— Ho-Bin! - ele se virou imediatamente, desvendando-se para encontrar a bela jovem que o recebia com um sorriso.

— O que aconteceu, Koumei-sama? Parece tão abatido...

Ele suspirou, cruzando os braços por baixo das longas mangas de suas vestes.

— Meu irmão desapareceu, Ho-Bin.

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— Eu acabei de ver o Kouha-sama. Fala do Kouen-sama?! - ela se alarmou. - Mas… como?

— Não sei. Ele não está no palácio. Todos dizem que não o viram hoje. Sabe se já consertaram o navio que ele usaria para ir a Sindria?

— Não, ele continua no porto. Aliás… - ela pausou por um instante, pensativa.

— O que houve, Ho-Bin!? - o ruivo a sacudiu pelos ombros. - Sabe de algo?!

— Tem… Tem um comerciante que traz coisas de Sindria de tempos em tempos. Eu o vi pelo palácio ontem e ouvi as outras concubinas dizendo que ele tinha uma reunião com o príncipe Kouen!

As mãos de Koumei se fecharam sobre os ombros de Ho-Bin, chegando a machucá-la um pouco, mas ela não reclamou. Apenas se retraiu enquanto viu o rosto de seu amado príncipe se contorcer de raiva.

— Não acredito! Vamos ao porto!

—------xxxxxx------

— Ja’far-san?

Duas batidas na porta chamaram a atenção do ex-conselheiro que permanecia atento ao sono do rei. Seus dedos estavam entrelaçados nos dele - foi a única forma que Sinbad cedeu ao cansaço e adormeceu em paz, sabendo que Ja’far não sairia do seu lado.

Pipirika observou aquilo com um sorriso e acabou se esquecendo, por um instante, do que trazia naquela bandeja. Mas balançando a cabeça e saindo de seus devaneios, ela se aproximou da cama onde Ja’far permanecia sentado à lateral.

— Trouxe sua janta.

— Obrigado, mas estou sem fome.

— Ja’far-san, está sem dormir e sem se alimentar. - Pipirika contorceu os lábios. - Não se preocupe com o Sinbad. Ele já está bem melhor, não?

— Sim, sim. Já está sem febre e apenas descansando. - ele sorriu. - Ainda bem…

— Então pode, por um segundo, ir aos seus aposentos descansar, não? - sugeriu a moça tão simpática.

— Acho que se eu soltar a mão do Sin ele vai acordar no mesmo instante. - Ja’far riu, mas logo ficou cabisbaixo. - Também pudera, ele não confia em mim depois de ter mentido.

Pipirika depositou aquela bandeja sobre a cômoda mais próxima e se sentou na poltrona ao lado de seu amigo.

— Ja’far, me diz uma coisa: você realmente quer voltar para Kou?

A resposta que ele lhe deu foi um longo suspiro.

— Pipirika-san… eu preciso voltar porque… porque senão algo muito ruim vai acontecer. - ele tentou explicar por alto. - Eu cometi um erro terrível!

— Como assim?! - desentendida ela piscou. - Acha que Kouen virá até aqui?!

— Eu tenho certeza que sim! Eu… eu fui um estúpido, Pipirika-san….

— É por isso que quer voltar? Para não envolver o Sin no seu… “erro”?

Ja’far apenas assentiu enquanto mordia o lábio inferior. Ele parecia tão frustrado - refletiu Pipirika, sem saber como agir.

— Depois que o Sin melhorar, converse com ele. Se for o caso vocês vão a Kou juntos.

— Não, não… Eu… Pipirika, eu não posso ficar aqui depois do que fiz! Eu estou… colocando a vida de todos vocês em risco!

— O que quer dizer com isso, Ja’far!?

Suspirando ele farfalhou os próprios fios alvos. Não tinha coragem de lhe dizer que havia entrado em contato com Kouen - e para pedir socorro, que viesse matar Sinbad. E Pipirika era a única, além de Yamuraiha, com quem podia contar ali. Quem confiava plenamente nele. Perdê-la tornaria seus dias completamente insuportáveis naquele palácio. Mas não pretendia ir embora de qualquer maneira?

— Na-Não posso dizer, Pipirika-san. - ele estava angustiado. - Mas não quero que nada de mal aconteça ao Sin… a vocês…

A moça permaneceu calada, um tanto quanto pensativa. Sentia-se de mãos atadas, sem poder ajudar seu amigo.

— Bem, esqueça isso por enquanto. Nenhum mal vai acontecer a gente. Se não se lembra, Sindria é protegida pela barreira da Yamuraiha-san. Ninguém entra e ninguém sai daqui sem que saibamos ou controlemos. - Pipirika tentou acalmá-lo.

— A Yamuraiha-san é realmente incrível… - Ja’far assentiu.

— Por enquanto o melhor que você faz é descansar e comer bem.

Pipirika se levantou e foi em direção àquela cômoda, trazendo dali a pesada bandeja de prata.

E, com os olhos ainda pousados em Sinbad, Ja’far decidiu perguntar:

— Pipirika-san... Quem é Rurumu?

Ela deixava a bandeja sobre a mesinha de cabeceira da cama do rei quando arregalou os olhos ao ouvir aquele questionamento. Virando-se rapidamente ela parecia bastante surpresa. E com aquela reação de Pipirika, Ja’far se perguntou se havia dito algo errado.

— Você se lembrou da Rurumu-san?! - um tanto quanto exasperada ela segurou firmemente os ombros do alvo.

— Eu… Eu não sei. - Ja’far parecia bastante confuso. - Sin disse que… que se essa pessoa visse como Hinahoho-san estava me tratando, que iria ficar decepcionada e que eu fui… como um filho para ela.

— Entendo… - Pipirika suspirou, um tanto quanto decepcionada.

— Mas eu vi uma moça quando me lembrei de algo. Uma mulher que se parecia muito com você e o Hinahoho-san! Com certeza também de Immuchak! Ela tinha longas tranças azuis e era muito alta e...

A fala de Ja’far foi interrompida pelo forte abraço de Pipirika.

Ele permaneceu imóvel enquanto ela depositava tanta emoção naquele gesto. O que estava acontecendo? - ele se perguntava quando ela se afastou, um tanto quanto chorosa.

— Você se lembrou da Rurumu-san, Ja’far! Em breve você vai se lembrar de tudo! Eu tenho certeza!

Aquela afirmação fez Ja’far tremer. Será que gostaria de se lembrar de tudo? E o que sentia por En? Como ficaria? Na maioria das vezes ele desejava não se lembrar de nada.

— Bem, - a moça se levantou. - eu tenho que ir. Preciso cuidar de toda papelada e agora, além de não ter você no escritório, também não tenho o Sinbad! - ela ria.

— Posso ajudá-la assim que o Sin acordar! - Ja’far se prontificou. - E… prometo não fazer mais nada de errado… - havia melancolia em seu olhar.

— Não se preocupe. Mas quando puder me ajudar, vou aceitar sim! Por enquanto tome conta do nosso rei.

Ja’far viu Pipirika fechar a porta e decidiu encarar aquela comida sobre a bandeja. Parecia deliciosa, pensou. Mas um leve espasmo chamou sua atenção.

Os olhos dourados se abriram lentamente e o encararam, brilhantes, enquanto ele sorria. Inconscientemente Ja’far correspondeu o sorriso com a mesma ternura. Afinal, sentia-se aliviado ao vê-lo acordar.

— Como se sente? - ele sussurrou como se não quisesse alarmá-lo.

— Bem. - a voz falhou um pouco. - Bem melhor que antes.

Ele sentiu as pontas dos dedos do moreno esfregando sua mão em um afago suave.

— Não foi embora.

— Eu prometi que não ia. E… sua mão também não deixaria. - Ja’far riu.

— Em condições melhores eu pediria para que o algemassem em minha cama. - disse um divertido Sinbad. - Ai, que fome… - ele resmungou. - Estou louco para sair daqui e comer algo bem gostoso!

— Pipirika trouxe sua comida agora mesmo. - Ja’far, mentindo, se prontificou em pegar o prato daquela bandeja. - E é melhor que coma tudo para que ela não se chateie!

— Não quero comer na cama. Quero sair daqui! Não aguento mais ficar parado!

— Pois vai ficar sim!

Sem se importar com a fome que ele mesmo sentia, Ja’far tratou de juntar um pouco daquela sopa na colher de prata e a direcionou aos lábios de Sinbad que, confuso, piscou.

— Vai me dar comida na boca? - um sorrisinho escapou e Ja’far corou.

— O-Ora! Não está doente?! Eu estou aqui pra cuidar de você! Abra a boca logo!

O rei conteve a vontade de rir para desfrutar dos mimos que recebia de seu conselheiro. Esse estava mais vermelho que um tomate maduro, imaginando o que Kouen pensaria se o visse assim, alimentando seu inimigo, seu rival… Mas de repente seus pensamentos atravessavam uns aos outros e ele pensava em como era lindo aquele homem, até mesmo com a comida escorrendo dos lábios. Ja’far se esforçou para manter o foco enquanto o alimentava.

Mantiveram-se em silêncio durante quase toda a refeição e cada movimento de Ja’far, tão gracioso, era seguido pelo olhar perspicaz de Sinbad.

— Então não vai mesmo embora, não é? - o rei perguntou, a boca cheia enquanto ainda mastigava a última colherada.

— Com uma condição! - Ja’far foi direto. - Vai me contar tudo sobre nós! Sobre o que vivi com você, quando me conheceu! E se eu suspeitar, em algum momento, que está mentindo… eu juro que nunca mais vai me ver!

— Por que eu mentiria para você quando tudo o que vivemos foi verdade?! - retrucou Sinbad. - Eu vou mostrar quem é que está mentindo para você!

—------xxxxxx------

A claridade dos primeiros raios de sol da manhã e o incessante cantar dos passarinhos o fez despertar, por mais que ele não quisesse. Abriu os olhos, mesmo que à contra-gosto.

Afinal, se sentia tão confortável com o rosto apoiado em…

Ja’far piscou e tateou aquele “travesseiro”. Não era forrado em seda nem linho e sim pela pele bronzeada, tão brilhante e bem talhada naquele peitoral.

— AH!!!!!

Ele quase saltou para fora da cama, tentando se afastar de Sinbad, mas esse envolvia a cintura de Ja’far com seu braço, enlaçando-o ao seu corpo.

— O que… O que pensa que está fazendo?! - o rosto de Ja’far estava tomado pelo rubor.

— Nada, ué! Eu estava lendo alguns documentos já que estava sem sono. - o rei respondeu de forma completamente inocente.

Tsc, e por que está nu? Estava vestido e…

Ja’far puxou os lençóis que os cobriam para se ver completamente nu. Chocado e completamente desconcertado ao ver que tanto o rei de Sindria quanto ele se encontravam sem nada que cobrisse suas partes íntimas, ele logo puxou de volta aquele comprido tecido de seda e se cobriu, os olhos arregalados.

— O que significa isso? - trêmulo ele perguntou sem encarar Sinbad.

— Já disse que nada. - Sinbad fechava o pergaminho em mãos. - Você adormeceu enquanto fui tomar um banho e eu te coloquei na cama. - explicou.

— E por que tirou minhas roupas?! - virando-se de frente, Ja’far praticamente cuspiu as palavras.

— Queria dormir desconfortável daquele jeito? Ah, pára, Ja’far. Nos vemos nus desde que você tinha 10 anos e nem pensava em besteira!

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O alvo suspirou tentando se controlar.

— E por que eu estava nu sobre… sobre você também nu?

— Sabe que odeio dormir vestido! Já não estava aguentando ficar daquele jeito! Mas não se preocupe… - foi a vez de Sinbad se virar de costas. - não fiz nada com você. Kouen não vai se chatear com você.

Havia ciúme e uma pitada de revolta naquela afirmação bastante provocativa.

E por mais que Ja’far tentasse desviar o olhar dele, agora de costas, ele se sentia tentado a encarar as costas talhadas que eram parcialmente cobertas por aquelas brilhantes ondas púrpuras. Lindo. Ele tinha uma beleza sem par, exótica, única.

Sinbad parecia um demônio, pronto a tentá-lo, a assumir um desejo que não o pertencia. Mas como evitaria? Ele habitava seus delírios em todas as vezes que estava nos braços de Kouen, exalando gemidos e sussurros que clamavam por um nome que não era o do príncipe de Kou.

Agora estavam ali, sentados naquela cama, completamente nus. Se Ja’far quisesse…

Se Ja’far quisesse poderia realizar sua vontade ali, agora mesmo. E um crescente volume condenava que ele, realmente, ansiava por aquilo.

Cruzando as pernas, Ja’far suspirou, quando percebeu que Sinbad havia se levantado. Ele não fazia a menor cerimônia quanto a se expor tanto.

— Vista-se! Vou levá-lo a um lugar que acho que vai te ajudar a se lembrar de muitas coisas. - ele disse, um tanto quanto friamente.

Mordendo o lábio inferior, o ex-conselheiro se levantou e deu a volta na cama, ficando de frente para o rei de Sindria. Agora ele podia admirar melhor aquele corpo por completo.

— E se eu não quiser? - ele soou desafiador enquanto sorria com cinismo para Sinbad.

— Você não vai estar colaborando com o que você mesmo propôs! - cruzando os braços, o rei de Sindria não parecia nada satisfeito com o tom de Ja’far. - Você é livr...

Uma das mãos de Ja’far escapou por entre o lençol que o cobria e segurou firmemente o queixo de Sinbad. A barba serrada dele, que começava a crescer depois dos dias acamado, fazia a mão de Ja’far pinicar. Mas ele se deliciou com aquela sensação ao se colocar na ponta dos pés. O lençol branco foi, então, deslizando majestosamente por seus ombros, braços, cintura, até seus pés, os quais envolveu, desvendando seu corpo por completo para Sinbad.

— E se eu quiser ficar aqui… e te beijar?