A Criação da Luz

Intervalo para reorganização


O pesado portão recolheu-se vagarosamente, a chiar e a abanar, indicando que antes daquele dia não era usado havia um tempo considerável. Para lá da grossa chapa metálica que entrava esforçadamente numa ranhura do teto, estendia-se uma galeria escassamente iluminada que terminava numa parede em arco com três portas.

Han Solo foi o primeiro a franquear a entrada daquele hangar secundário, servido por um espaçoporto particular composto por uma pista principal e três pistas auxiliares, relativamente afastado do complexo principal, mas ligado a este por uma passagem aérea equilibrada em pilares corroídos cujo acesso estava disfarçado por uma muralha de vegetação que nascia diretamente da floresta. Era um esconderijo perfeito, que nunca iria ser investigado pelos homens de Kram que enxameavam a antiga base imperial. Os batalhões que tinham sido despachados para ali, em duas naves enormes e ameaçadoras, concentravam-se nas pistas de aterragem que eram usadas pelos contrabandistas – vira o que imaginei ser o veículo de Morva Senthy fortemente guardado a ser revistado e desmantelado. Logo, confirmava-se a minha intuição de que a nave com o clone do cavaleiro Jedi fora sempre um logro, um cenário descartável.

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Deixou-me perplexa a azáfama belicosa que caracterizava o destacamento de soldados, enviado por um lado para capturar os aliados de Luke Skywalker, por outro para me recuperar. O’Sen Kram estava solidamente determinado a não cometer nenhum erro no jogo monumental que dispunha no tabuleiro da galáxia.

A seguir a Han Solo foi a vez de Leia, depois passei eu e por fim o wookie que continuava atento a possíveis perseguidores. Eu coxeava pronunciadamente, o analgésico que Morva me tinha dado já tinha sido totalmente absorvido e as dores eram outra vez insuportáveis. Continuava sem soltar um queixume, todavia, ainda que agora estivesse com pessoas mais confiáveis.

Foi Chewbacca quem acionou o mecanismo que fechou o portão. Ouviu-se um bipe-bipe impaciente do fundo da galeria.

— Artoo? – admirei-me.

O pequeno androide rolou ao nosso encontro, apoiado nos seus pés metálicos. Assim que nos alcançou iniciou um coro de assobios e apitos aflitivos. Atrás dele apareceu Threepio, esbracejando inquieto.

— Oh, graças aos céus que estão bem! – exclamou o autómato dourado. – Eu e o Artoo estávamos tão preocupados. Ouvimos aquela explosão medonha e tememos que tivesse acontecido o pior.

— Estamos de volta, como podes comprovar – tranquilizou Leia com um sorriso.

Han Solo revirou os olhos, aborrecido. O corelliano continuava a não simpatizar com o androide intérprete, mas não dispensava a sua presença, pois sabia que podia ser útil quando menos se esperasse.

Após uma pausa, em que pareceu-me que Threepio tinha sustido a sua inexistente respiração, este indagou:

— Onde está… o menino Luke?

— Não o conseguimos encontrar com as pistas obtidas pelo computador – explicou Leia. – Abreviámos caminho por causa da explosão e, como a encontrámos, resolvemos regressar aqui para poder verificar… novas informações sobre o paradeiro de Luke – continuou, indicando-me com um aceno de cabeça.

A armadilha com o clone do cavaleiro Jedi, como calculara, era destinada à senadora e aos seus companheiros. Teria resultado, se eu não tivesse aparecido antes com Morva.

Threepio estremeceu ao notar a minha presença.

— Oh… Que indelicadeza! Não me apresentei convenientemente. – Fez-me uma ligeira vénia. – Sou See-Threepio, das relações entre humanos e ciborgues. Sou fluente em mais de seis milhões de formas de comunicação e encontro-me amavelmente ao seu dispor.

— É um prazer conhecer-te, Threepio – devolvi, pensando em que categoria me poderia incluir, humana ou ciborgue, sendo a criatura de Kram. – Sou a Cleo.

— É um prazer conhecê-la, senhorita Cleo.

— Trata-me apenas por Cleo. Obrigada.

— Oh, assim farei! E aqui está o Artoo-Detoo, também ao seu dispor.

O pequeno androide bojudo soltou um apito suave e fez rodar o topo de um lado para o outro. Era engraçado vê-los quando povoavam proficuamente a minha mente com peripécias em que os dois tinham sido os únicos protagonistas. Teve o sabor agradável de um reencontro.

Han Solo calcou no botão que abria a porta da esquerda.

— Agora que todos já se conhecem, que tal passarmos à ação?

Eu e Leia entrámos numa sala de operações. Os dois androides vieram a seguir e Chewbacca, mais uma vez, fechou o grupo, trancando a porta com um código que digitou no painel interior. Ali dentro a luz era tão intensa que me encandeou. Semicerrei as pálpebras, coloquei a mão em pala sobre a testa. Alguns computadores e monitores tinham sido ligados, evolava-se da maquinaria um ligeiro odor a queimado, de circuitos inoperacionais forçados a laborar no limite. No centro existiam mesas e poucas cadeiras, um armário de prateleiras desconjuntadas. Na parede dos fundos recortava-se uma porta metálica e uma ampla janela de onde se conseguia ver a pista de aterragem principal com a Millenium Falcon lá pousada. Como em qualquer compartimento do complexo, a temperatura era agradável e senti os ombros relaxarem.

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— Estás ferida.

A observação de Han Solo, que descobrira os pingos de sangue no chão, lembrou-me de que não estávamos ainda a salvo. Repliquei, tentando soar descontraída:

— Sinto-me bem. Não é nada…

Não insistiu na preocupação, aliás ele era um homem pouco preocupado com os outros, apesar de ter melhorado esse traço da sua bem vincada personalidade. Puxou uma cadeira e disse-me:

— Senta-te aqui.

— Preciso de ver um androide médico, já sei – adiantei ao sentar-me, para evitar novas observações às quais não via necessidade de responder.

— Aqui vai ser difícil… Mas se realmente souberes onde está o Luke, vamos buscá-lo e saímos todos, em breve, de Luyta. Entretanto, poderás ser tratada na Millenium Falcon.

— O Luke está na base.

— Tens a certeza? A Leia diz a mesma coisa.

— Ela está certa, acredita.

Entreguei o cartão transparente a Leia que chamou por Artoo para ajudá-la a verificar o seu conteúdo. Dirigiram-se, com Threepio, a um dos computadores. Chewbacca encostou-se à ombreira da porta a vigiar o ambiente.

— Um dia muito complicado, hein?

Encarei Han Solo que me brindava com um dos seus sorrisos tortos, debruçado sobre mim, uma bota em cima de uma cadeira, braços sobre o joelho. Guardara a pistola DL-44 no coldre.

— Esse ferimento é de um ataque de um animal na floresta – expliquei.

— O que fazias na floresta?

— Fugia. Depois vim para a base, encontrei-me com os soldados, voltei a fugir. Sobrevivi à explosão que escutaram, fugi mais um pouco. Tive ajuda, entretanto, com as minhas fugas.

— Quem te ajudou?

— Lyle Bergh, Morva Senthy e um tipo chamado Colin. Julgo que Lyle é o único que ainda está vivo… se é que não foi capturado, torturado, obrigado a confessar onde me largou e depois executado.

Han Solo retirou a bota da cadeira, endireitou-se e exclamou abismado:

— Estiveste com Lyle Bergh e Morva Senthy?!

Leia virou a cabeça na nossa direção.

— Conheces?

— Os piores bandidos da galáxia! Contrabandistas sem um pingo de lealdade, traidores e vigaristas.

— Oh, pelos vistos, conheces bastante bem… – observou Leia e regressou ao computador. – Antigos parceiros de negócios!

— Nunca tive qualquer ligação com eles.

— Acredito…

— O Lando é que negociou, uma vez, com o Senthy. Não guardou grandes recordações… Como foi que te ajudaram? – perguntou-me o corelliano.

— Lyle Bergh recebeu a sua recompensa e Morva Senthy julgava que eu iria pagar-lhe. O Colin, não faço a mínima ideia do que pensou quando me conheceu. Estava quase a fazer a ligação a Coruscant para que eu pudesse enviar a mensagem a avisar-vos do que está a acontecer quando foi assassinado.

— Estão mortos, dizes tu?

— Morva e Colin morreram à minha frente.

— Tiveste sorte, miúda! Com essa gente não se brinca.

Fiz um esgar, mas ele não se apercebeu da minha animosidade.

— Não estava a brincar com eles, estava a usá-los para chegar… ao Luke.

Han não me ouviu. Voltava-se para Leia e perguntava:

— O cartão tem informações corretas?

Artoo piou excitado e Threepio traduziu:

— Ele diz que sim. Trata-se de um mapa codificado para uma localização secreta desta antiga base imperial. É muito provável que seja a cela onde aprisionam o menino Luke.

— Mas existe um pequeno problema – observou Leia. – O código do cartão está numa linguagem desconhecida. Uma cifra muito rara, utilizada pela Antiga República… Creio que pelo gabinete do Chanceler Supremo. Só pode ser uma piada de mau gosto!

— E não consegues quebrar o código?

— Vai ser difícil – suspirou Leia.

— Sua Alteza, permita-me – interrompeu Threepio. – Sou fluente em mais de seis milhões de formas de comunicação. Poderei tentar reconhecer a cifra, que até pode não se tratar de uma cifra, mas sim de um idioma que já não é utilizado atualmente.

— Tens razão. Acredito que vais conseguir. O cartão pertence-te, Threepio. Podes começar a trabalhar.

A princesa saiu da cadeira, afastou-se do computador onde deixou os dois androides a interagir com a máquina e colocou-se ao lado de Han. Cruzou os braços, cravou em mim um olhar misto de curiosidade, desaprovação, ressentimento e condescendência.

— Creio que tens uma grande explicação a dar sobre o que está a acontecer.

Ela não confiava totalmente em mim, mesmo com a possibilidade de lhe ter entregado a localização do irmão e de lhe ter salvado a vida ao provocar a explosão naquele posto de vigia arruinado. Talvez fosse por causa da anomalia que pressentia na minha aura ou simplesmente a normal suspeita em relação a uma pessoa estranha que colocara o irmão em perigo. Não estava ali para fazer amizade com ela, concluí com amargura, nem com Han Solo, Chewbacca, o par de androides, os contrabandistas que eram os maiores bandidos da galáxia, ou mesmo com o cavaleiro Jedi. Estava ali com o propósito de os aniquilar, cumprindo um destino que uma amnésia providencial resolvera baralhar. A explicação da minha existência era, de certo modo, demasiado simples para que me apoquentasse tanto…

Humedeci os lábios, clareei a garganta para começar o meu relato que ensaiara inconscientemente desde que saíra da clareira da casa do mestre Eilin. Iria, finalmente, após incontáveis imprevistos, ditar a tal mensagem importante.

Foi uma narrativa de um único fôlego. Abri a boca e contei-lhes sobre O’Sen Kram, quem julgava eu quem era o senhor do trono negro, as suas ambições medonhas de domínio absoluto sobre a galáxia, ao mesmo tempo que exercia a sua vingança sobre os Jedi que o tinham derrotado anteriormente. Revelei-lhes o pouco que sabia sobre a Belirium, sobre as estranhas manobras de uma frota imperial recuperada no sistema de Bespin, sobre o exército clandestino de Kram erguido sobre os despojos do antigo exército imperial. Relatei-lhes o momento em que a nave de Luke foi ilegalmente apreendida, quando fomos feitos prisioneiros e nos separaram, quando fui resgatada e trazida para aquele planeta. De forma deliberada ocultei-lhes a existência do mestre Eilin e daquilo que ele me confiou, escamoteei a minha verdadeira natureza de criação artificial, pois nem eu própria conseguia definir com exatidão o que me era exigido naquela nova tragédia, quanto mais explicá-lo a outrem.

Ao calar-me, respirei fundo. Leia estava pálida e Han mostrava-se incrédulo. Chewbacca rosnava no seu canto, os dois androides, se nos tinham ouvido não o davam a entender e mantinham-se colados ao computador, empenhados na descodificação do cartão.

— Esta é uma situação muito grave – afirmou a princesa, solene. – A paz que foi tão duramente conseguida enfrenta uma séria ameaça. O mais prudente é formar um conselho de guerra imediatamente, que lidará de forma direta com o conflito, sem passar pela habitual burocracia política. A frota republicana deverá estar em alerta máximo para evitarmos surpresas que nos custem meios preciosos. Serão preparados ataques imediatos, precisos, com resultados rápidos e inquestionáveis. Estiveste com O’Sen Kram… É realmente capaz de ameaçar-nos dessa forma tão avassaladora?

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— Não tenho qualquer dúvida. Foi por isso que arrisquei a minha vida nesta floresta para poder avisar-te.

— Precisamos do meu irmão…

— Ele deverá enfrentar-se diretamente a Kram.

Leia crispou a testa horrorizada com aquela afirmação. Só me apercebi do que proferira depois de lhe ler a expressão facial e também eu me assustei. Tentei explicar:

— Apenas um cavaleiro Jedi poderá derrotar Kram. Já aconteceu no passado e Luke é o único que possui a habilidade, o conhecimento e a coragem para o fazer. Qualquer outra tentativa será um fracasso. Kram sabe-o, por isso tentou afastá-lo da batalha que abrirá oficialmente as hostilidades com a Nova República.

— E vai eliminá-lo quando julgar que Luke já não o conseguirá deter.

— Precisamente.

— Se o Luke já tem o seu papel definido nesta trapalhada toda – observou Han, olhando para Leia –, tu acabaste de definir o teu, querida, com esse maravilhoso discurso. Vais liderar o conselho de guerra.

— Han, não posso tomar essa decisão sozinha! Existe um Senado…

— Tretas! Vais contactar Coruscant imediatamente e avisá-los do que está a acontecer, repetindo aquilo que acabaste de nos dizer. Não tenho qualquer dúvida de que conseguirás os apoios políticos necessários no Senado para liderar esse conselho.

— Não quero que isto pareça um golpe de estado!

— Tu és suficientemente inteligente para que tudo seja feito de forma transparente.

— Falarei primeiro com Mom Mothma, é a pessoa certa para compreender a gravidade da situação e para dar legitimidade à minha pretensão. Ela conseguirá contornar os canais formais para apresentação da minha moção… Foi líder da Aliança Rebelde, irão escutá-la sem reservas.

— Vai correr tudo bem com os teus amigos senadores.

— Conto contigo, general, para a preparação das primeiras ofensivas – devolveu a princesa. – A frota republicana ainda não está no seu poder máximo de fogo, mas temos naves suficientes para repelir qualquer ataque, desde que tenhamos a vantagem de não sermos surpreendidos.

— Tenho escolha?

— Estamos novamente numa crise, não vais querer perder a ação.

Han sorriu-lhe e piscou-lhe o olho.

— A Millenium Falcon está disponível. – Chewbacca roncou em protesto e Han acrescentou: – Sim, precisamos de fazer algumas reparações, mas não em nenhum circuito essencial. Pormenores! A nave está operacional neste preciso momento.

Leia encarou-me.

— As manobras militares estão a acontecer em Bespin?

— Foi o que ouvi Colin dizer a Morva Senthy – respondi.

— Lando terá mais informações. Vais falar com ele, Han, para esclarecermos números. Quantas naves, características, poder de fogo aparente, tudo o que for útil saber para uma contraofensiva eficaz.

— Muito bem – concordou o corelliano. – Falarei depois de teres contactado Coruscant.

— Como conseguiu Kram juntar uma frota de antigas naves imperiais sem ter sido notado?

— Pode ter estado escondido nos sistemas da Orla Exterior. A maioria desses sistemas não se encontra sob a jurisdição da Nova República. Muitos mundos desconhecidos, pequenos líderes ansiosos por poder e riqueza, comércio de mercadorias proibidas, justiça particular, caçadores de recompensas, a escumalha habitual. Uma frota clandestina não deve ter levantado grandes suspeitas e não há ninguém por essas bandas que sinta necessidade de reportar o que quer que seja ao Senado, ao qual não devem qualquer lealdade. Têm as suas próprias leis.

— Tens razão, provavelmente foi isso que aconteceu – observou Leia pensativa, com uma mão sobre o queixo. Dava pequenos passos, em círculos, enquanto escutava o corelliano.

— Posso fazer uma sugestão? O conselho de guerra devia fazer o seu quartel-general noutro sistema, longe do Novo Senado e de Coruscant. Para evitar interferências. Não sabemos se Kram tem senadores corruptos a trabalhar para ele.

— Hum, estás a ficar bom em política – disse Leia impressionada. – Que sistema sugeres?

— O sistema Hosniano.

— É um bom local – aquiesceu.

— Só falta o Luke. – Han voltou-se para os androides e perguntou impaciente: – Como está a correr?

— Temos ótimas notícias, general – respondeu Threepio na sua habitual cortesia. – Tal como considerei inicialmente, não é uma cifra, mas um idioma usado por uma tribo do sistema de Ekatha. Não entendo por que razão foi usado aqui, ou por que motivo foi relacionado com o gabinete do Chanceler Supremo, pois não existe qualquer registo de nativos desse sistema terem sido senadores ou sequer assistentes do Chanceler Supremo.

— Ekatha? – murmurei.

Não aguentava continuar sentada e levantei-me. Tive uma tontura imediata e deixei de ver, mas a mancha negra depressa se dissolveu na luz branca daquela sala. Vacilei ligeiramente.

O feiticeiro que entregou o conjuro a Kram para me criar era de Ekatha, pensei e olhei para Leia, temendo que ela tivesse sido capaz de ouvir aquele pensamento que me denunciaria.

— Conheces o sistema? – admirou-se Han. – Fica numa zona mal cartografada da galáxia.

— Nunca tinha ouvido falar – disse Leia observando-me.

— Eu também mal o conheço, nunca lá estive – acrescentou Han. – Sei que apareceu, uma vez, num dos mapas que seguia para fugir de alguém a quem devia dinheiro. Não era o Jabba, podes eliminar essa pergunta.

— Fugiste de muita gente nos teus tempos de glória.

— É por isso que a Millenium Falcon é rápida. Fez a corrida de Kessel em menos de doze parsecs, convém não esquecer…

Artoo apitou. Threepio esclareceu:

— É um sistema conhecido por estar ligado a práticas experimentais relacionadas com a Força, o mundo invisível e obscuro.

— Podes traduzir? – pediu Han.

— Magia, general.

— Como é que aparece essa referência no cartão que identifica a localização do Luke? Onde o arranjaste, miúda?

— Um dos soldados de Kram deu-mo – expliquei, ocultando o meu nervosismo. – Sei tanto como vocês. Não conheço o seu conteúdo, apenas espero que seja verdadeiro.

— Um dos soldados… de Kram? Porquê?

— Não sei…

— Oh, é verdadeiro, senhorita Cleo… perdão, Cleo – interveio Threepio. – Como o idioma foi identificado e traduzido, conseguimos encontrar as indicações que permitem elaborar o mapa. Vamos, Artoo! Mostra aos senhores o desenho!

Voltámo-nos para o monitor embutido no bastidor, situado junto ao computador onde Artoo se ligava por meio de um apêndice metálico que fazia rodar uma porta de acesso redonda. Surgiram linhas de código que indicavam coordenadas, juntaram-se e converteram-se num conjunto sobreposto de corredores, salas, plataformas, mostrando um esquema tridimensional desenhado a linhas brancas sobre um fundo azulado.

— É o mapa desta base! – exclamou Leia e aproximou-se do monitor. – E onde está o Luke?

Threepio apontou com um dedo dourado para uma linha grossa que serpenteava no interior do mapa, enquanto este passava gradualmente para um nível inferior de detalhe.

— No fim desta linha, princesa. Repare… Aqui! Nesta zona restrita.

A linha grossa terminou num ponto, indicando um compartimento discreto numa das extremidades do complexo militar.

— Aqui? – estranhou Leia. – Pensava que esta parte estava completamente destruída pela floresta.

— Um esconderijo perfeito, se me permite.

— Então, encontrámos o meu irmão…

Os assobios de Artoo indicaram que estava feliz com a descoberta. Eu também senti algum alívio, não apenas porque Luke estava quase a ser salvo, mas também porque o soldado Frint não me tinha enganado. Seria maravilhoso rever o cavaleiro Jedi e o meu estômago contraiu-se com a expetativa. Subsistiam algumas dúvidas, todavia, que resolvi relegar para uma ocasião mais propícia à sua análise. A razão do soldado Frint me ter ajudado e por que motivo tinha usado um idioma de Ekatha para a cifra do cartão.

— Existe um problema, princesa – anunciou Threepio numa voz bem modulada.

A nossa euforia esfumou-se. Uma palpitação lancinante arrepanhou-me a perna direita e dobrei-me, agarrando a ligadura ensopada para mitigar as dores. Han espreitou-me, perguntando ao androide:

— Que problema?

— O cartão tem uma ligação com o sistema inimigo. Logo que foi descodificado e gerado o mapa, lançou um alerta. O Artoo conseguiu intercetar o sinal, mas não conseguimos saber até que ponto a nossa posição foi comprometida e esta sala descoberta. Para fazermos essa exploração precisamos de penetrar no sistema inimigo e, para isso, denunciamos definitivamente a nossa presença.

— O que significa que a partir de agora não temos muito tempo – disse Leia.

Han dirigiu-se ao wookie que se colocou em sentido, soltando pequenos rugidos.

— Eu vou buscar o Luke enquanto tu entras em contacto com Coruscant – disse para Leia. – Envia uma mensagem rápida a Mom Mothma, explica o resto depois a bordo da Millenium Falcon.

— Essa mensagem não vai comprometer ainda mais este esconderijo? – perguntei, dominando o horrível enjoo que sentia. – Podemos ir buscar o Luke, sair de Luyta e só depois entrar em contacto com Coruscant. Os homens de Kram estarão atentos a possíveis anomalias posteriores à intrusão no seu sistema.

— O Artoo vai criar interferências enquanto faço a transmissão – respondeu-me Leia. – Este espaçoporto era privado, no tempo do Império, utilizado exclusivamente por… Darth Vader. – Não gostava de mencionar aquele nome, notei-lhe o esforço quando o fez. Porque fora o seu inimigo, o temido lorde sombrio dos Sith ou porque fora o seu pai? Respirou fundo e continuou: – O sistema daqui não está ligado diretamente aos processadores centrais da base, pelo que a segurança está reforçada nessa questão. Posso enviar a mensagem através dos seus processadores autónomos. Por outro lado, apenas fomos detetados porque entrámos no sistema deles. Correto?

— Sim, princesa – confirmou Threepio.

— Estamos seguros por algum tempo, aquele que o Han e o Chewie terão para trazer-nos o Luke. – Passou os olhos por mim, com uma indiferença clínica. – Estás gravemente ferida… Han, leva-a para a Millenium Falcon e coloca-a de quarentena. Presta-lhe cuidados médicos urgentes e adormece-a com um analgésico.

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— Não…

— Não estás em posição de decidir. Vais desmaiar a qualquer instante.

Voltou-se para o computador e premiu diversos botões.

— Vamos Artoo, prepara a transmissão holográfica. Liga-me a Coruscant!

Uma série de apitos intermitentes indicou que o pequeno androide começava a trabalhar. Luzes azuis e verdes acenderam-se por todo o bastidor, a porta de acesso acionada por Artoo girava imparável.

Contrariado, Han pegou-me num braço. Na outra mão segurava a sua pistola DL-44. Apesar de ter obedecido com uma prontidão irritante, foi delicado e paciente comigo. Outra tontura deixou-me sem energia e deixei-me arrastar.

— Vamos, miúda. Esse ferimento não para de sangrar.

— Mas eu…

— O que queres? Ir comigo salvar o Luke? Não estás em condições. E a Leia está a ser ajudada pelos androides. Já fizeste a tua parte. Contaste-nos sobre Kram e trouxeste-nos a localização do nosso amigo. – Sorriu-me de viés. – Obrigado.

— Não me agradeças ainda – volvi irritada. – Ainda não combateste contra Kram e não encontraste o cavaleiro Jedi.

A minha réplica desconcertou-o, mas não se deixou apanhar pelo meu azedume. Limitou-se a menear a cabeça. O wookie foi à nossa frente, abriu a porta metálica junto à ampla janela da parede dos fundos, saímos para a pista de aterragem. Arrefeci imediatamente com o vento que soprava ali, onde a floresta se impunha com demasiada propriedade. Havia raízes e plantas a atapetar o solo, que nos atrapalhavam a caminhada. Sustive um vómito tapando a boca com a mão.

A imagem da célebre nave de Han Solo apresentou-se-me turva, infelizmente, apesar das minhas tentativas de focagem para contemplar aquela majestosa silhueta recortada contra o céu negro de Luyta. Não queria admitir, mas estava prestes a desmaiar. Comecei a rir-me da minha fragilidade. Ele mirou-me pelo canto do olho.

— Não fiques aborrecida com a Leia, não é nada pessoal.

— Não estou… aborrecida – repliquei com a voz entaramelada.

A erva húmida estalava debaixo dos pés. Curioso… As plantas estavam molhadas por um orvalho que, em vez de as deixar moles, tornava-as estaladiças como se estivessem atacadas pela seca. Ri-me mais. Outra das inúmeras contrariedades que me rodeavam.

Chewbacca subiu a rampa da nave. Foi nessa altura que cedi, caindo desamparada para trás. Escutei Han a chamar por mim, um som apenas que eu não seria capaz de repetir se mo pedissem, se porventura fosse obrigada a testemunhar aquela cadeia de eventos no espaçoporto privado de Darth Vader. Ele podia ter dito o meu nome, ou podia ter usado o tratamento que eu abominava de miúda. Não era importante, contudo. Julgo que amparou-me nos seus braços, carregou-me ao colo, mas isso também não conseguiria asseverar. Gostava de imaginar que ele não puxara simplesmente pelo meu braço para me deixar na nave e livrar-se de mim, para poder ir salvar o amigo e matar mais alguns soldados.

Nas dobras da minha inconsciência escutei um uivo e retraí-me assustada, confusa, sem saber onde estava porque me via suspensa num vazio escuro onde já não tinha corpo, onde já não me doía a perna nem sentia tonturas ou vómitos. Onde era um espírito inventado por um feitiço.

Alguém estava a roubar-me a alma e nada podia fazer.

A seguir mergulhei num sonho alucinante onde revisitei Tatooine.

E encontrei as memórias que me faltavam.