Dépendance

Capítulo 24 - Decepção


As pessoas que mais gostamos são as que mais nos decepcionam, pois pensamos que são perfeitas e esquecemos que são humanas.

Giulia Passagem

Adrien estava escorado no balcão da cozinha, os braços cruzados sobre o peito, pensativo, enquanto Marinette terminava de juntar a louça do chá. Após a conversa que tiveram, um silêncio reflexivo pairou entre eles. Marinette queria saber mais, queria mais detalhes do que havia acontecido, mas sentia que ele já estava chegando ao limite do que podia recordar sem perder a sanidade.

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O celular de Marinette vibrou sobre a mesa de centro e Adrien lhe lançou um olhar rápido, ao qual ela retribuiu com apreensão. Ela andou até a sala e sentou no sofá, pegando o aparelho e levando aos olhos, expirando ao ver o nome de Tikki brilhar na tela.

“É a Tikki.” Marinette disse e Adrien tranquilizou-se “Oi, Tikki, é a Mari, pode falar.”

“Você tá bem?” a voz de Tikki parecia cansada.

“Tô sim, por quê?” Marinette ergueu os olhos para Adrien, que lhe fitou com curiosidade.

“Depois preciso que você venha até a Miraculous, nós temos umas coisas pra discutir.” Tikki falou seriamente.

“Tá, nós já estamos indo.”

“Nós?” Tikki perguntou hesitantemente.

“Eu e o Adrien.” Marinette falou desviando o olhar de Adrien, mas sentiu que ele caminhou até perto dela e sentou ao seu lado no sofá.

“Então-“ Tikki começou, mas Marinette interrompeu.

“Eu já sei sobre o Chat Noir. O Adrien me contou.”

Tikki silenciou do outro lado da linha e Adrien se remexeu no sofá. Marinette sentiu que nenhum deles estava confortável com o fato de ela saber a verdade, mas também estava ciente de que eles não conseguiriam manter toda aquela história longe dela por muito tempo. Alguns segundos depois, um ruído surgiu na linha e quem falou foi Plagg.

“Como ele tá, joaninha?” o tom nas palavras de Plagg era preocupado, ele parecia saber melhor do que ninguém o quão difícil havia sido para Adrien contar sua identidade para Marinette.

“Vou passar pra ele e ele mesmo te conta.” Marinette esticou o celular para Adrien, que lhe lançou um olhar inquisidor “É o Plagg.” ela disse, vendo ele pegar o aparelho e colocá-lo no ouvido enquanto encostava as costas no sofá.

“Fala, Plagg.” Adrien sorriu enquanto falava e Marinette percebeu o quão à vontade ele parecia conversando com Plagg “Tô bem.” Adrien pausou e olhou para os próprios pés, baixando o tom de voz “Não, a gente ainda não conversou sobre isso.” Adrien franziu levemente a testa e Marinette que ergueu uma sobrancelha inclinando-se na direção dele, como se quisesse ouvir o que Plagg dizia do outro lado da linha “Sim, eu falei com o Nino, ele chega amanhã pra gente arrumar a Toca. Eu sei, eu aviso ele. Até mais, Plagg.”

Adrien desligou a ligação e devolveu o aparelho para Marinette que o encarava sem parar.

“Quê foi?” Adrien perguntou, sentindo o olhar de Marinette sobre si.

“Como o quê foi? Sobre o que a gente não conversou ainda?”

“Sobre a Papillon. Sobre como vamos manter você longe deles.” Adrien enrugou a testa pensativo “Nós precisamos de um plano muito bom.”

“Longe deles? Ninguém vai me manter longe deles, Adrien. Eu preciso ir lá e acabar com isso de uma vez por todas.”

Adrien ergueu-se abruptamente, os olhos estalados de quem acabara de ver um fantasma.

“Você perdeu a cabeça!?” a voz de Adrien soou mais alto do que ele planejava.

“Adrien, só tem um jeito de a gente resolver isso, e é encarando eles de frente. Me esconder e fazer de conta que nada aconteceu não é a solução. Eu não posso manter meus pais fora do país o resto da vida!”

“A gente podia tentar.” Adrien sacudiu os ombros e Marinette riu sarcasticamente.

“Ótima maneira de resolver as coisas, Adrien. Fugir sempre foi a resposta, né?” Marinette falava, sentindo a ironia escorrer entre as palavras.

“Não começa, Marinette. Eu acabei de te contar tudo o que eles fizeram comigo!” Adrien ergueu as mãos para o teto, batendo-as contra as pernas em seguida, o estalo dizendo que ele não acreditava que estava no meio daquela conversa “Como diabos você vai querer enfrentar tudo isso?”

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“O que você sugere, Adrien?” Marinette inclinou-se para trás no sofácruzando os braços sobre o peito e as pernas uma sobre a outra, em posição de desafio “Vamos, me diz. O que você sugere?”

Adrien coçou a cabeça e sentou-se no sofá do outro lado da sala, cruzando as mãos sobre o colo enquanto falava.

“Nós vamos comprar uma casa pros seus pais fora do país.” Marinette levantou-se abruptamente do sofá quando ele começou a falar, as passadas impacientes ecoando pela sala “Depois te mandamos pra lá sem ninguém saber, um lugar seguro, onde-“ Marinette virou-se rapidamente nos calcanhares, olhando Adrien com incredulidade, as mãos abertas na direção dele em protesto.

“Adrien, isso é um absurdo!”

“Absurdo é você querer encarar a Papillon, Marinette! Sem nenhum preparo, sem-“

“Você mesmo disse que eu estava melhor preparada do que você!” Adrien franziu a testa e inclinou-se para frente no sofá, como se as palavras dela não fizessem sentido “Quando você me viu de Ladybug, quando conversamos, você disse que eu estava melhor preparada do que você, que eu saberia lidar com coisas que você não é capaz!”

“Não é mais a mesma coisa, Mari!” Adrien ergueu-se do sofá também, e logo os dois estavam de braços cruzados, a linguagem corporal mostrando o quanto estavam se defendendo das ideias um do outro “Eu não sabia que você era a Ladybug!”

Marinette fincou os pés no chão crispou os lábios na direção de Adrien, as sobrancelhas baixando furiosamente sobre os olhos enquanto ela balançava a cabeça devagar, não acreditando no que seus ouvidos captavam.

“Então quer dizer que eu sou menos capaz por ser a Marinette?” Adrien virou-se de costas no mesmo momento em que ela começou a falar, as mãos para o alto “É isso, Adrien? Quer dizer que agora que você sabe que eu sou a Ladybug, a sua opinião sobre mim mudou?”

“Não é nada disso, Marinette! Para de distorcer as minhas palavras!” Adrien começava a ficar impaciente.

“Eu devia saber.” ela baixou os olhos para o chão, as mãos fechando-se em punhos ao lado do corpo “Devia saber que eu seria uma decepção.”

“Não é nada disso, Mari. Não é nada disso.” Adrien inclinou-se na direção dela, mas o olhar frio de Marinette estava de volta. Ela havia erguido todas as defesas que tinha contra ele. Lá estavam as paredes sendo construídas, tijolo por tijolo, bem na frente dele.

“Eu sei que você passou por coisas horríveis.” as palavras dela eram tão duras quanto o tom de voz “Mas você sabe o que eu passei, Adrien? Você tem ideia de como foram esses últimos quatro anos pra mim?” ela falava sentindo algo dolorido crescer dentro do seu peito “Você sabe como eu me senti quando a cada dia mais eu tinha certeza que não valia nada, nem pra você nem pra ninguém?”

Marinete fitava o chão, os olhos incapazes de erguer-se e encarar o olhar de Adrien que agora sentia sobre si.

“Mari, eu-“

“Você não sabe, Adrien. Você acha que me protegeu indo embora, escondendo coisas de mim.” ela levantou o rosto, a raiva substituída pela tristeza “Mas você não me protegeu da pior dor de todas, da dor de ter sido deixada de lado. Da dor de me sentir descartável.”

Os passos de Marinette quebraram o silêncio no momento em que ela foi até a estante perto da porta da sala e abriu uma gaveta, tirando uma revista de dentro e atirando no peito dele.

“E foi isso que eu vi quando pensei que talvez você estivesse sofrendo tanto quanto eu.”

Adrien olhou para baixo quando a revista que bateu no seu peito se abriu no chão em uma página marcada onde havia um anúncio de perfume com a foto dele ao lado de uma modelo estonteante.

“Você sabia que eu tava na Itália.” Adrien fitou a revista aberta sobre o tapete, descruzando os braços devagar.

“O tempo todo. E eu guardei essa revista aí pra não esquecer nem por um segundo as últimas palavras que você me disse naquela praça.” ela sentiu-se estremecer, sentimentos guardados por todos aqueles anos transbordando de seus lábios, potentes demais para serem controlados.

“Mas agora você entende, não entende?” Adrien andou na direção dela, o olhar suplicante.

“Eu entendo as coisas que você passou. Entendo que foi difícil e que de alguma forma você estava tentando proteger todo mundo do que te aconteceu.” Marinette baixou os olhos para os próprios pés “Mas eu não entendo você não ter me ligado nenhuma vez. Não ter me mandado sequer uma mensagem, um e-mail, qualquer coisa. E pior do que isso, não entendo a grosseria quando eu te contei-“ ela não conseguiu terminar. Não podia falar sobre o que ela guardava no coração, não ali, não daquele jeito. Não tinha mais coragem, já havia selado aquela experiência dentro dela. Era uma dor muito grande para suportar.

Os olhos de Adrien relaxaram quando ela engasgou no meio da frase. Sabia exatamente do que ela estava falando.

“Eu não podia te envolver, Mari. Não podia.” Adrien engoliu a seco “Você não consegue-“

“Eu não quero falar sobre isso.” ela sacudiu a cabeça rapidamente, como se as palavras dele fossem uma mosca zumbindo em seus ouvidos “A gente tem uma coisa muito mais importante pra resolver agora. Não vou te atrapalhar com isso mais uma vez.”

Ele percebeu o tom de sarcasmo na voz dela, mas preferiu manter-se calado. As defesas dela haviam sido erguidas altas demais para ele derrubar, e ele percebeu que por mais que os dois estivessem vivendo a mesma situação ali, naquele momento, seus passados eram muito diferentes e conflitantes para serem simplesmente ignorados.

“A Tikki pediu para que a gente fosse na Miraculous.” Marinette deu as costas para Adrien e foi até a porta, destrancando-a “Acho que você precisa se arrumar, Chat Noir.” a voz dela saiu entre dentes, resistente e ácida.

Adrien ficou parado no meio da sala, olhando as costas dela por algus segundos, percebendo o quanto os ombros de Marinette estavam curvados. Ela estava lutando não só contra ele, mas contra si mesma, e aquela era uma batalha na qual ele não podia ajudá-la, infelizmente. Suspirou profundamente e pegou o casaco sobre o sofá, vestindo-o e andando até o lado dela.

“Você decide o que tem pra decidir, Marinette. Quando estiver pronta, eu vou estar aqui.” Adrien passou pela porta sem olhar para trás.

Ela fechou a porta sem olhar para ele, e quando finalmente estava sozinha, escorou as costas na madeira e afundou o rosto nas mãos, sentindo as lágrimas transbordarem e os ombros sacudirem em soluços. Toda a dor acumulada começou a aparecer com força toda, todas as sensações em uma crescente de memórias.

Do outro lado, Adrien estava virado para a porta, a mão sobre a madeira fria querendo tocar a garota que chorava copiosamente. Ele sabia que todas as inseguranças dela tinham sido causadas por ele, e que simplesmente palavras e explicações não apagavam quatro anos de dor. Ele encostou a testa na porta ouvindo os soluços de Marinette e sentiu o coração apertar dentro do peito. Ele queria salvá-la, mas como podia se ele mesmo era quem a havia empurrado para o fundo do poço? Com algo latejando dolorosamente dentro de si, Adrien virou nos calcanhares e foi embora.

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Quando Ladybug entrou pela porta da cobertura da Miraculous, a primeira coisa que viu foi o perfil de Chat Noir apoiado sobre a mesa de Plagg, olhando com atenção algo sendo mostrado na tela de um tablet. Ela respirou fundo e entrou o lugar, tentando ignorar o fato de que por baixo daquele capuz estava o mesmo garoto que aparecera ardendo em febre na sua casa na noite anterior, dormira abraçado com ela e lhe arrancara o ar com beijos contra a parede de seu quarto.

“E aí, joaninha?” Plagg sorriu abertamente para Ladybug, que tentou retribuir, mas seus lábios apenas ergueram levemente ao notar que Chat Noir tensionou os ombros sem se virar para ela.

“Ladybug!” a cabeça de Tikki apareceu na dobra do corredor, os cabelos arrumados em graciosos cachos e presos em um rabo de cavalo no alto da cabeça, a maquiagem impecável “Vem aqui me dar uma ajuda!”

Ladybug acenou positivamente e caminhou até Tikki, passando por Chat Noir enquanto fazia o maior esforço possível para não encontrar seu olhar com o dele. Todavia, ao dobrar o corredor, uma sensação atrás de si lhe disse que ele havia virado para fitá-la.

Quando Ladybug entrou no mesmo cômodo onde Tikki estava, viu a garota de cabelos cor-de-rosa de costas, virada para uma bancada onde uma única grande boca de fogão acesa aquecia uma panela que chiava.

“O que você tá aprontando aí?” as narinas de Ladybug se abriram deixando entrar o gostoso aroma apimentado que enchia o ambiente.

“O Plagg enfiou na cabeça que queria comer curry hoje.” Ladybug espiou a panela, colocando as mãos nos ombros da garota que era mais baixa do que ela. Batatas, cenouras e suculentos pedaços de carne eram mexidos dentro de um molho escuro que borbulhava deliciosamente.

“Isso tá com uma cara muito boa.” Ladybug sentiu o estômago roncar, lembrando que a única coisa que comera nas últimas horas fora alguns biscoitos e uma xícara de chá. Ainda não havia almoçado.

“Eu imaginei que sem os seus pais aí você não devia estar comendo direito, por isso tô fazendo bastante. Pra você e pro Chat Noir também.” Tikki ergueu o olhar sorridente para Ladybug, que retribuiu com carinho. Ela realmente sentia que Tikki era a irmã mais velha que nunca teve.

“Então vocês conversaram.” Tikki começou.

Ladybug afastou-se de Tikki. Já estava difícil o suficiente conviver com ele como Adrien, tê-lo pela volta como Chat Noir tornava as coisas ainda mais complicadas.

“É, pois é.” Ladybug respondeu, estalando a língua no céu da boca enquanto passava a mão no rosto.

“Não foi fácil pra ele, Mari.” Tikki murmurou o nome dela enquanto colocava uma grande colher dentro da panela, juntando um pouco do conteúdo para testar a consistência do caldo “Assim como não foi pra você.”

“Não é justo, Tikki. Ele me deixou no escuro todos esses anos, fez com que eu odiasse ele com todas as forças, e aí volta com esse monte de histórias complicadas, achando que eu preciso entender e digerir tudo do dia pra noite.” ela grunhiu ao final da frase.

“A vida não é justa, pra nenhum de nós.”

“Por que você não me contou? Você e o Plagg sabiam de tudo, e não disseram nada.” Ladybug andou até uma cadeira, puxando-a enquanto jogava o corpo sobre ela.

“Não é nosso direito nos envolver na vida civil de vocês, Ladybug. Nós podemos tentar ajudar e questionar suas decisões, mas nunca proibi-las. Vocês já são bem grandinhos pra isso. Além do mais, se foi decisão do Chat Noir não te contar o que estava acontecendo, ninguém mais além dele podia se meter nisso.” Tikki soprou o caldo em um colher, provando-o em seguida.

“Mas olha tudo o que ele passou, Tikki! Tudo isso podia ter sido evitado!” Ladybug inclinou-se para a frente.

“Podia?” Tikki largou a colher sobre a bancada e se virou na direção de Ladybug, os olhos sérios e os lábios suavemente erguidos em um sorriso calmo “Conhecendo o Adrien, conhecendo o Chat Noir, você acha mesmo que alguém ia ter capacidade de impedi-lo de fazer o que ele fez?”

“Eu podia te tentado.” Ladybug murmurmou conflitante, sabendo o quão obstinado Adrien era em suas decisões.

“Eu não consigo nem convencer você das coisas, Mari.” Tikki riu abertamente e Ladybug não conseguiu evitar o sorriso.

“E daqui pra frente, a vida de vocês e a maneira que os seus futuros vão prosseguir também é uma decisão na qual não podemos nos envolver. Nós estamos aqui para ajudar e aconselhar. Eu posso usar de algumas artimanhas pra tentar convencer vocês mais facilmente” Tikki sorriu “Como o meu maravilhoso charme” Tikki sorriu e soprou um beijo na direção de Ladybug “Mas a decisão final é e sempre foi de vocês, desde o momento em que nos falamos pela primeira vez.” ela voltou a ficar séria.

Ladybug encostou-se para trás na cadeira de metal, sentindo o material gelado sob sua pele enquanto lançava os olhos para o teto branco com pequenas manchas escuras causadas pela umidade.

“É um turbilhão, né?” Tikki disse e Ladybug concordou com a cabeça “Eu sei, eu passei pela mesma coisa com o Plagg.”

“Passou?” Ladybug ficou surpresa com o que Tikki dissera. Ela nunca contava sobre sua história com Plagg.

“Ah, passei. Daí pra pior.” Tikki revirou os olhos e Ladybug endireitou-se na cadeira.

“Me conta?” Ladybug apoiou os cotovelos nos joelhos, inclinando-se na direção de Tikki que riu baixinho.

“Não vejo porquê não, ainda vai levar um tempo pro curry ficar pronto.”

Então Tikki puxou uma cadeira ao lado de Ladybug, apoiou as mãos cruzadas sobre o colo e fechou os olhos com um sorriso brincando no rosto, começando uma história que nunca contara a ninguém.