Bicho-papão.

Quem é ele?


— Uh... O quanto você viu? — Gabriel perguntou temeroso.

— O bastante. — O bicho-papão respondeu com seu característico sorriso afiado. — Quem é ele?

— Ele quem? — Se fez de desentendido.

— Você sabe. — Afirmou. — Quem é ele? — O ser se aproximou a passos lentos do garoto, parando a poucos metros dele. O largo sorriso parecia estranhamente forçado. — Vamos, Gabriel, pode me dizer. — Insistiu.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

— Ninguém. — Gabriel deu um passo para trás. Aquilo não iria acabar bem!

— Ninguém... —Repetiu ironicamente. — Você é um péssimo mentiroso, sabia?

— É-É só... Um cara da minha sala. — O garoto tentou desconversar enquanto olhava para os cantos. Ele não entendia porque o bicho-papão não avançava e se aproximava dele, e a ansiedade se mesclava ao ressurgido medo.

— Você não vai me dizer o nome daquele idiota, vai? — O outro suspirou impaciente, o sorriso sumindo de seu rosto. Nessas horas ele lembrava como os humanos eram irritantemente complicados.

— Não era ninguém. — Gabriel insistiu evitando contato visual. Aquele ser era bem mais assustador sério que com o sorriso predatório.

Após algum tempo o computador, já esquecido pelo garoto, entrou em espera e a tela se apagou, deixando o quarto completamente escuro. O bicho-papão sorriu novamente e avançou em direção a Gabriel, então o garoto entendeu o porquê daquilo não ter se aproximado: a luz do monitor o repelia. Ele tentou alcançar o computador para trazer a luz de volta, mas o bicho papão foi mais rápido e o agarrou.

— Não vai me mandar embora agora, vai? Achei que estávamos conversando. — Brincou enquanto envolvia Gabriel em seus braços, o apertando o bastante para que ele não escapasse.

— Me larga! — Exclamou o garoto enquanto se contorcia para fugir do aperto. Em vão.

— Só se você prometer não ligar nenhuma luz.

—... Tudo bem. — Gabriel suspirou. Não é como se fosse a primeira vez que ele encarava o bicho-papão.

Assim que se viu livre das garras daquele ser, o garoto deu um passo para trás, encostando-se à parede. Os olhos amarelos o encaravam sem piscar, mas isso surpreendentemente não o incomodava mais.

— O que você quer agora? — Gabriel perguntou direto, não querendo que a conversa durasse mais que o necessário.

— Um nome. — Ditou o bicho-papão e se aproximou levemente do outro. — Quem era aquele garoto irritante?

Gabriel suspirou. Estavam de volta àquele tópico.

— Já disse. Não era ninguém. — Ele insistiu. Não sabia por qual motivo, mas não queria que aquele ser soubesse sobre André. Mesmo que ele fosse uma verdadeira tormenta na vida de Gabriel, o garoto não queria que ele fosse estraçalhado pelos dentes do bicho-papão ou algo do tipo.

— E voltamos ao “ninguém”... — O ser feito de escuridão suspirou e revirou os olhos. — Sabe que mais cedo ou mais tarde eu vou descobrir, certo?

— Não! — Gabriel exclamou instintivamente, sem saber ao certo por que queria tanto proteger André. Diante do olhar curioso do outro, emendou: — Quer dizer... O que você quer para esquecer esse assunto? Não é nada, sério. — Disfarçou.

O bicho-papão continuou o encarando confuso. Mas logo a expressão confusa deu lugar a um largo sorriso zombeteiro:

— Eu quero um beijo. — Concluiu e se aproximou ainda mais de Gabriel, invadindo seu espaço pessoal.

— O-O que...? — Gabriel tinha a esperança de ter ouvido errado. Ele não havia pedido aquilo mesmo, havia?

— O nome dele ou um beijo. — Aquilo confirmou, seu sorriso se alargando.

O garoto hesitou. Ele detestava André, e não tinha a menor intenção de dar um beijo naquela coisa. A resposta era óbvia, certo?

Mesmo assim, quando encarava o ser a sua frente, Gabriel simplesmente não conseguia delatar André. As garras afiadas e dentes pontiagudos com certeza fariam um bom estrago, o bicho-papão era um predador no fim das contas. Nem André merecia isso, o garoto decidiu.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

— Tudo bem. — Concluiu desanimado e se obrigou a chegar mais perto do bicho-papão. — Só um beijo...

A criatura permaneceu imóvel, seus olhos brilhando em curiosidade. Gabriel iria beijá-lo apenas para proteger aquele moleque irritante? Isso causava um misto de satisfação e ciúmes no bicho-papão.

— Estou esperando. — Afirmou ao perceber a hesitação do garoto.

Gabriel murmurou algo apenas para demonstrar que ouviu e encarou o ser sorridente, ele não era exatamente desagradável, apenas estranho. O garoto não sabia se era por que, depois de tantas coisas estranhas acontecendo, já havia se acostumado com a aparência e a presença daquilo; mas a ideia de beijá-lo não era tão ruim quanto parecia no primeiro momento.

Ele se inclinou mais, eliminando a distância entre os dois completamente, e colou seus lábios aos do bicho-papão. A primeira sensação foi esquisita, como se algo não se encaixasse, mas Gabriel ignorou, afinal não duraria muito. Era só um selinho, certo?

Errado.

Assim que o garoto fez menção de se distanciar, sentiu os braços daquilo o puxando de volta e as mãos com garras o segurando mais forte, mas sem feri-lo. Então o bicho-papão retomou o beijo com avidez e lambeu seus lábios, mas Gabriel os cerrou firmemente, rejeitando o toque. Ao notar a relutância do garoto, o bicho-papão afrouxou o toque e o soltou.

— Satisfeito? — Gabriel bufou com as bochechas um pouco rosadas. Aquilo com certeza foi estranho...

— Na verdade não. — O outro sorriu. — Eu ainda vou descobrir quem era aquele moleque que mexeu com você. — Afirmou com um sorriso assustador. — Mas, como eu prometi, não vou mais te perguntar sobre isso.

O garoto deu de ombros e se sentou na cama, ao menos teria sossego por um tempo. Aquele dia realmente foi cansativo. Mas logo percebeu que aquilo ainda o encarava com seus olhos amarelos, e não parecia ter a menor intenção de ir embora.

— Você não vai... Você sabe, desaparecer agora? Já conseguiu o que queria. — Gabriel perguntou cansado. Ele só queria que o dia acabasse logo e pensou na chance de sua mãe o deixar matar aula amanhã. Mas percebeu que isso não aconteceria.

— Por que eu faria isso? — O bicho-papão retrucou. — A noite ainda é uma criança.

— Eu quero ficar sozinho.

— O que aquele garoto fez com você? — O sorriso deixou o rosto do ser.

— Por que a culpa tem que ser dele?! — Exclamou irritado.

— Ora, eu te conheço, Gabriel. — O outro suavizou a voz para falar com o garoto, tentando confortá-lo, e não amedrontá-lo. — Te conheço desde que você era uma criancinha com medo do escuro. Você é quieto, mas se importa com as pessoas e gosta de tentar coisas novas. De repente você para de se importar com tudo, não quer mais sair da cama e deixa um garoto te tratar daquele jeito. Não acredito em coincidências.

Gabriel decidiu encarar a parede do quarto, não que ele pudesse ver algo com a escuridão, mas qualquer coisa era melhor que encarar aqueles olhos brilhantes que o analisavam. Ele não conseguiu responder algo, então o quarto mergulhou num silêncio desconfortável. O que ele poderia dizer? Não conseguia negar o que foi dito, mas também não iria confirmar. Ele só queria esquecer tudo isso!

— Não precisa falar disso agora. — O bicho-papão concluiu, percebendo o desconforto de Gabriel com o assunto. — Mas eu não vou te deixar sozinho.

— Por que você se importa? — Gabriel exasperou-se. Ele não podia nem ficar sozinho?!

— Pode me ignorar se quiser, mas eu não vou embora. — Sorriu. — E achei que já tinha dito, mas se quer que eu repita: Eu gosto de você. — Finalizou com seu largo sorriso afiado e sentou-se na borda da cama do garoto.

Gabriel apenas murmurou algo ininteligível e o ignorou, deitando-se na cama, já devia ter passado das 22h00min. Estranhamente, a presença daquele ser não o incomodava tanto quanto ele esperava. Dentro de poucos minutos ele adormeceu sob a vigilância daqueles olhos amarelos. Assim que o garoto ficou inconsciente a criatura desfez o sorriso e tomou para si uma expressão vingativa, ele não havia esquecido o garoto estranho que ameaçara Gabriel, e aquilo com certeza não ficaria impune.

*

— Hora da escola, meu bem. Você tem que acordar. — A voz doce de sua mãe o acordou. Ela sorria para ele, já maquiada e vestida para o trabalho.

— Bom dia, mãe. — Gabriel sorriu. — Já vai sair?

— Pois é, querido. Vou precisar ir para o trabalho mais cedo hoje, mas já deixei o café da manhã na mesa. Não se atrase para a escola.

— Está bem, mãe. Prometo que não vou perder a hora. — Ele forçou o sorriso. Como o previsto, ele não poderia fugir da escola.

Quando se vestiu para a escola e desceu, sua mãe já havia saído. O café da manhã foi um pacote de torradas com requeijão e um suco de caixinha, depois de comer Gabriel se lembrou de um pequeno detalhe: ele não terminou o trabalho!

André, com certeza, iria matá-lo!

Gabriel voltou para o quarto e foi em direção ao computador, percebendo que este ainda estava ligado, mas em hibernação. Ele se esqueceu de desligar na noite anterior por motivos óbvios.

Apressadamente, o garoto escreveu mais duas páginas para terminar praticamente copiando e colando de outros sites sem sequer ler ou mudar algumas palavras. Quando acabou criou uma capa chamativa com as letras do World, na esperança de que a capa colorida tirasse a atenção do trabalho meia boca. Ele imprimiu, juntou as folhas e correu para a escola, com certeza tinha perdido a primeira aula!

Mais tarde ele pensaria em como explicar isso para sua mãe, no momento a única preocupação era chegar logo na escola.

Depois de correr mais rápido do que Gabriel acreditava ser possível, ele encontrou Vanessa logo na porta de entrada.

Por que parecia que a garota esperava por ele?

— Ah... Oi, Van! Como você está bonita hoje!

— Sem papo furado hoje Gabriel. — Ela cortou com uma cara preocupada. — Você perdeu a primeira aula inteira! Isso é demais até para você! Está tudo bem?

— Tudo bem! — Ele sorriu falso. — Só esqueci um trabalho e tive que terminar de última hora, é para entregar hoje. — Ele escondeu o fato de ter feito o trabalho em dupla sozinho e ainda ter que aturar as implicâncias de André.

— Devia tomar mais cuidado. — Vanessa sorriu, aquilo soava como algo que o garoto faria. — Agora estou mais tranquila. Ok, entra. Mas vou ter que anotar o atraso, não dá mesmo para deixar passar essa! — Explicou.

— Tudo bem. Mas agora tenho que correr para a sala, tchau! — Gabriel exclamou enquanto se apressava pelas escadas. A aula de biologia era a próxima.

— Até mais! — A garota gritou em resposta.

O garoto entrou na sala ofegante, pois havia corrido todos os lances de escada até lá. Além do mais, estava realmente fora de forma. Assim que abriu a porta, todos os olhares se voltaram para ele, incluindo o de André, que praticamente o fuzilava com o olhar.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

— Bom dia, Gabriel. Está atrasado. — A professora de biologia o cumprimentou com um sorriso irônico. — Eu já ia perguntar do trabalho de vocês. — Completou e apontou para ele e para André.

Isso explicava porque o outro parecia querer matar Gabriel.

André levantou e foi em direção ao garoto, ainda com uma cara de poucos amigos:

— Você trouxe o trabalho, certo? — Gabriel achava que poderia ser enforcado em plena sala de aula se respondesse “não”.

— C-Claro. — Disse enquanto entregava as folhas, ainda soltas, para a professora. Ele não achou o grampeador na pressa para sair de casa...

A professora revirou os olhos e juntou o trabalho com um clipe enquanto recolhia o restante dos trabalhos. Toda a atenção que Gabriel conseguiu ao chegar atrasado já havia se dissipado, afinal, adolescentes não mantém a atenção por muito tempo.

O garoto se sentiu aliviado. Tudo estava de volta ao normal, ele era invisível e não precisava mais aturar André. Percebeu Daniel, seu único amigo na sala, o chamando e apontando para a cadeira vazia atrás dele. Mas, antes que Gabriel tivesse a chance de responder ou sequer pensar em se mover, André o puxou pelo braço:

— Antes que eu esqueça, idiota, vou ter que passar na sua casa hoje, esqueci uma coisa lá. — Informou rudemente e, antes que Gabriel pudesse retrucar, completou: — Passo lá à noite. Não tenho a tarde livre para desperdiçar com você dessa vez. — Sorriu zombeteiro e largou o garoto.

Gabriel processou o que estava acontecendo e pressionou suas têmporas, sentindo o início de uma dor de cabeça. Será que ele não podia ficar um dia sem ter algo para se preocupar?