Desvios

Capítulo 2 - Enganos


O céu ensolarado dava uma sensação de ânimo para os transeuntes que caminhavam pela pracinha do bairro Limoeiro. Pessoas acompanhadas de crianças, pequenos desacompanhados, todos pareciam estar se divertindo apesar do tempo quente.

Algumas crianças brincavam de pega-pega, correndo descalças pela grama verde, sem se preocupar com nada. Outras andavam pela pracinha com doces, sorvetes, e chocolates. Os lugares embaixo das árvores, onde ficavam os bancos, estavam em sua maioria ocupados por casais.

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A dona dos cabelos negros estava sentada em um banco de madeira na praça. Sua barriga roncava, e ela olhava para as árvores, angustiada. Quem diria que teria de enfrentar seu problema logo de cara? E Mô ainda tinha sumido com Do Contra, o que não tornava a sua vida fácil. Ela tinha mandado uma mensagem para a amiga encontrá-la na praça do Limoeiro.

Hesitante, olhou para a tela do celular outra vez. Nenhum sinal de vida.

Ela suspirou, e apertou a barriga com força. Por que tinha marcado para antes do almoço? Magali balançou a cabeça. Não, a conversa seria mais importante do que almoçar. Se bem que algo para tapear a fome não cairia tão mal...

Entediada, Magali olhava de um lado para o outro esperando encontrar Mônica. As árvores pareciam ter um padrão. Altas, carregadas, com folhas de um verde não tão escuro. Para alguém como ela, todas eram da mesma espécie, porém tinha quase certeza de que não eram.

Era engraçado, pois parecia um pouco com as pessoas. Cada uma era similar à outra, de alguma forma, e no entanto, diferente. Quim poderia parecer com os outros garotos, e ser especial para ela, com sua doçura e fidelidade, ele era impressionante.

“Não há ninguém como ele, não é?” pensou consigo mesma. Não devia haver. Ela estava tão acostumada com Quim, que algumas vezes perguntava a si própria o que tinha a levado a gostar dele.

Não era fácil ser namorada de alguém como Quim. Desde criança, quase todos a julgavam por estar com ele, devido ao seu apetite insaciável e o fato de Quinzinho ser filho do dono de uma padaria. Magali admitia, era realmente bom quando seu namorado trazia algo para ela, mas não era por isso que ela gostava de Quinzinho.

Ela gostava dele porque ele era especial.

Convivendo com garotos que amavam infernizar a vida de sua melhor amiga, Magali pensava que todos eram iguais. Até Quinzinho aparecer. Não que ele nunca tenha feito nada de errado, todavia ela o achava diferente no bom sentido.

Quando cresceu, a fama de namorá-lo por interessante tinha quase esgotado, porém Magali tinha um grande receio que Quim tivesse medo dela. Não só dela, mas que estivesse inseguro consigo mesmo. E que ela apenas piorasse sua insegurança. Algumas vezes ela queria chocalhá-lo pelos ombros e berrar: “Acho que você é bom do jeito que é”. Ele não a escutaria de qualquer forma.

Pensativa, Magali parou de apertar sua barriga e cruzou os braços, pensativa. Era por isso que talvez ela tenha criado um certo interesse por Cascão quando Quim terminou com ela? Por que ele não era tão inseguro? Por que era tranquilo e não dava bola para o que os outros pensavam? Ou só porque ela estava carente?

Se apenas Magali tivesse nutrido esse pequeno interesse, as coisas teriam sido bem mais fáceis. Ela não tinha visto aquilo como namoro. Os dois foram “chutados” por seus parceiros, e um apoiou o outro. E, apesar de os dois terem reatado com seus respectivos namorados, Cascão algumas vezes parecia ter ciúmes dela, e ela, ficava mais na defensiva ainda quando o assunto dizia a respeito do garoto.

Era claro que Magali não achava em Cascão um namorado. No entanto, ele dava alguns indícios de estar interessado nela, e Cascuda percebia isso melhor do que ninguém. Não era fácil ignorá-lo quando até Cascuda jogava em sua cara o que Cascão estaria fazendo, ou supostamente fazendo. Ela não queria que isso estragasse seu namoro com Quim, nem sua amizade com Cascão.

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Se eles tivessem se beijado enquanto estavam solteiros, eles se livrariam daquele sentimento de “história não resolvida”? De que “tentaram sair da rotina” ou apenas pensavam que tudo voltaria ao “normal”? Era inquietante ficar com esta dúvida.

Magali comprou um sorvete e voltou a sentar em seu banco. Não era saudável almoçar sorvete, mas quem ligava? Ela não. Ao provar o sabor de chocolate, repassou sua conversa com Cascão.

Era idiota tentar ignorá-lo. Eles tinham de fazer o trabalho juntos. E ponto. Magali chamaria Mô para se juntar a eles, assim não teria nenhum problema para os dois. Cascão havia concordado em fazer o trabalho no dia que Magali escolhesse.

E se ela fizesse o trabalho sozinha e colocasse o nome dele? Não, ia parecer que ela estava dando demasiada importância para este assunto.

Seu celular começou a apitar, e tirou Magali de seus devaneios.

— Alô? – chamou ela.

Maga, oi— do outro lado da linha, Mônica suspirou aliviada. – Eu não estava conseguindo falar com você. Onde você está?

— Ah – “Mas eu não mandei mensagem?” pensou Magali. – Eu estou aqui na praça. Você não recebeu minha mensagem?

Não.— respondeu Mô. – Que mensagem?

— Aquela: “Estou aqui na praça, preciso conversar com você ainda hoje?” – Mônica estava pregando uma peça? Não. Ela não era disso.

Eu acho que não recebi— A voz de Mônica soava confusa. – Você já almoçou? Eu estou indo aí, ok? Chego daqui a uns dez minutos.

— Ok. Um beijo

Outro. – Mônica desligou.

Curiosa, Magali foi procurar a mensagem no aparelho. Ela não tinha sido avisada que a mensagem não foi enviada. Maior foi o choque que a garota levou quando viu que a mensagem não tinha sido mandada para Mô, e sim para Cascão.

Droga, droga, droga. O que ela estava pensando? Ela quase nunca fazia isso, por que justo agora? Por que com ele?

De repente, a barriga de Magali adquiriu outra sensação. Era o famoso “frio na barriga”. Ela queria se levantar e ir embora, correndo de preferência.

— Magali? – chamou.

“Droga, Cascão. Por que você sempre aparece na pior hora?”, pensou.

— Oi, Cascão – respondeu ela, com um sorriso amarelo.

O rapaz ainda estava com a mesma roupa que tinha ido ao colégio, bermuda xadrez, e camisa azul. No entanto, o garoto não estava feliz como há umas horas. Seus olhos pareciam cansados, e ele não sorria.

Antes que Magali o chamasse para sentar ao lado dela, o garoto tomou à dianteira e o fez. Era estranho que ele agora tivesse cheiro de perfume – muito bom, por sinal – e desse a impressão de que ele fosse cheiroso desde sempre.

— O que você tá fazendo aqui? – Cascão não sabia bem como puxar assunto naquele instante. Se Cascuda pegasse os dois conversando, ele nem gostaria de saber o que iria acontecer. O garoto suspirou pensando na namorada. Bem, ele não estava fazendo nada de errado.

— Eu só estou esperando a Mô – respondeu Magali. E se o Cascão ficasse lá quando Mô chegasse? Só que Magali não podia expulsá-lo dali. – E você?

Cascão esticou os braços e deitou a cabeça no banco. Ele olhou para as folhas acima dos dois. Magali o observou, curiosa. O que tinha acontecido?

— Às vezes eu queria voltar a ser criança. – murmurou. Magali não sabia se a resposta era para ela. A garota sorriu.

— Acho que todos nós pensamos nisso – disse.

Cascão virou a cabeça para poder olhá-la. Magali o encarou de volta. Os dois começaram a rir. Cascão se ajeitou no banco, sentando de maneira normal.

— É idiota pensar nisso a cada problema que aparece. E ainda assim eu continuo – reclamou. – Sabe, Magá, eu não entendo.

— O quê? – perguntou Magali.

— Tudo isso. Essa neura da Cascuda – Cascão começou a contar nos dedos. – O tema do trabalho do louco, se bem que eu não to nem aí, pra falar a verdade; o porquê de todo mundo querer se intrometer na minha vida; e porque que nenhuma garota pode ser que nem você.

Magali sentiu o rosto esquentar. Era isso que ela não entendia. Nunca foi muito boa em flertar, então não sabia bem se era flerte, ou não, ou se o Cascão só andava falando o que pensava sem realmente pensar.

— O-o que quer dizer com isso? – murmurou ela.

Cascão riu.

— Não precisa ficar sem graça – disse. – Eu só quis falar que a maioria das meninas da turma são estressadas, apesar de só a Mônica levar a fama. A Cascuda, que vive implicando comigo, a Marina, que sempre fica brava quando as coisas não vão da maneira “certa” – Cascão fez aspas com as mãos. – A Carmem, a Aninha, a Maria Melo, enfim, nenhuma delas é calma que nem você.

— Ah, bem, eu também fico estressada. Não lembra? – Magali se referiu à vez que os dois quase tiveram um lance. [Lembra? Foi na TMJ 67].

— Tem razão – respondeu ele. – Mas, não é o tempo todo com você. – Ele sorriu.

É, só Magali andava vendo coisas, ou estava preocupada com a situação. Cascão parecia extremamente relaxado ao lado dela. Ele só gostava de Cascuda, o que a deixava aliviada, e ao mesmo tempo, culpada por pensar que Cascão faria algo assim.

Ele não era desse tipo.

— O que você queria falar pra mim? Você mandou aquela mensagem, e eu só pude vir quando a Cascuda me largou na lanchonete.

Magali ficou nervosa. Quase tinha se esquecido.

— Magá! Oi! – Mônica veio até eles correndo. Ela também estava com sua saia jeans e camisa branca. Não foi só Magali que deixou de almoçar. – Cascão?

Cascão sorriu.

— E aí, Mônica? – Ele fez um sinal de v com os dedos. – Era uma reunião com todos nós?

— O que aconteceu, Magá? – perguntou Mônica, olhando desconfiada para Cascão.

— Ah! Eu mandei a mensagem errada para o Cascão – Magali estava surtando. Ela estava com fome, tinha se enganado, e além disso feito uma confusão. – E eu já resolvi meu problema, Mô. Obrigada.

— QUÊ? – gritaram os dois, em uníssono.

— Como assim, Magali? Eu revirei o Limoeiro atrás de você! – reclamou Mônica.

— Você tava com um problema e não me contou? – Cascão parecia ter murchado.

— E-eu sinto muito. Realmente era só algo da minha cabeça. – Ela queria recompensá-los. Os dois estavam lá por ela, por algo que não existia de verdade.

Mônica revirou os olhos, e sentou do outro lado de Magali.

— Bem, Magá. Pelo menos você está melhor, não é? – A morena sorriu.

— Sim. – respondeu. – Como eu acabei atrapalhando os dois, e já que estamos todos aqui, que tal um filme? – perguntou ela.

Cascão deu de ombros. Mônica assentiu.

— Como nos velhos tempos – disse Mô, levantando-se também.

— Ei, se for como nos velhos tempos, eu vou ligar pro Careca. – sugeriu Cascão, pegando o celular. Ele olhou para Mônica. Ultimamente os dois andavam mais complicados do que quando estavam enrolados. A garota, porém, sorriu e assentiu. Mulheres, vai entender.

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Cascão digitou o número de Cebola e ligou.

— Fala, Careca. Tá ocupado?